O meu avô passou toda a sua vida na roça, em um dos muitos distritos de Mariana, e não gostava de sair dos limites do seu sítio por nada nesse mundo. Quando saia, era para resolver algum problema urgente ou, como ficou mais comum com o embranquecer dos seus cabelos, para ir ao médico.Toda vez que eu ia de visita, ele me perguntava como estava a cidade e, sem nem prestar atenção na minha resposta, começava a cantar os mesmos versos:
– “Quem vai pra Mariana leva um terço para rezar, Mariana é o purgatório onde as almas vão penar”.
E morria de rir.
Demorei a entender porquê meu avô repetia esses versos. Para ele, Mariana era gigantesca, perigosa, complexa. Muitas luzes. Muitas buzinas. Muitas filas. Muita gente. Quando voltava para casa, depois de ir à cidade, ele dizia, sorridente, que tinha acabado de “tomar um banho de civilização” e que poderia ficar sem esse “banho” por muitas semanas mais, até que o efeito passasse e ele precisasse se “civilizar” novamente, depois de tanta roça.
Na parede da sala, tenho uma foto de Mariana e suas montanhas cobertas por um arco-íris, que provavelmente nasceu das chuvas de algum dezembro. Quando eu olho para essa foto, imediatamente sinto os sons da cidade, das pessoas que andam pela Praça da Sé, dos cachorros de rua que vagam procurando carinho e migalhas, das conversas dos conhecidos. Penso nos sons e cheiros da minha casa. Posso escutar os vizinhos lavando o passeio, a panela do almoço da minha mãe, os assovios dos bem-te-vis que insistem em fazer seus ninhos na nossa janela.
Os sinos das seis horas da tarde sempre me trouxeram uma certa paz, como se eles anunciassem o final do dia igual quem avisa que o espetáculo está por terminar para começar outra vez no dia seguinte.
Nem todo mundo sabe, mas os sinos transmitem muitas mensagens pelas diferentes formas como são tocados. Podem avisar se alguém morreu, anunciar uma missa, contar que uma pessoa está doente, marcar uma data importante e até avisar que a Igreja Católica escolheu um novo Papa. A linguagem dos sinos é complexa, mas, para mim, o aviso é claro e simples.
Repito: a linguagem dos sinos pode ser complexa. No entanto, para mim, o recado é sempre o mesmo: está na hora de fazer as malas e ir tomar um “banho de civilização” em Mariana, como dizia meu avô, e ir andar de chinelos pelas ruas que eu conheço de cor.
Jamylle Mol é jornalista e marianense