E toca o bumbo!

Rainha do Carnaval Ouro Preto 2019 - Foto: Ane Souz/Divulgação PMOP

Tum, tum, tum: Zé Pereira! Tum, tum, tum, tum: Zé Pereira. Tum, tum, tum: Zé Pereira! Tum, tum, tum, tum, tum, tum: Zé Pereira. Praça Tiradentes, Janeiro, 1968. Ou seria fevereiro? Só sei que era tempo de carnaval. Recém chegado na cidade, viera tentar uma vaga na Escola Técnica, estava eu ali, perdido naquela praça, tentando decifrar aquele batuque diferente. Até então, de carnaval, só conhecia marchinhas, sambas e frevos. O som vinha do outro lado da Praça. Guiado pelo batuque fui descendo a interminável ladeira. Vielas tortas, igreja, uma ponte. Enfim, um largo e alegria só. E tome bumbos, caixas, taróis, cornetas e uns bonecões.

Que era aquilo? Meninos vestidos de capetas e outros carregando lanternas com velas de procissão?. Não entendi direito, porém fiquei maravilhado, principalmente com a euforia das crianças. Um misto de alegria e pânico, penduradas nos ombros dos pais. Quase não consigo achar o caminho de volta para a Praça Tiradentes. Foi esse o meu primeiro contato com o carnaval de Ouro Preto. De lá para cá esse envolvimento com as festas de momo foi sempre crescendo. Em 1972 já desfilava na ala de Terno Branco da Escola de Samba Unidos do Padre Faria. Ala que surgiu juntamente com belíssimo samba enredo de Edmundo Guedes que diz: amanhã, só se chover que eu não saio, só se eu morrer que eu não caio no meio da multidão. De terno branco engomado, puxando um samba rasgado sem te dar satisfação. Todo ouro-pretano sabe cantar este samba que recebeu uma bela gravação do grupo Candonguero no CD Era Uma Vez, Um Carnaval.
 

E seguiram-se vários carnavais pela Padre Faria. Em 1979 fui para a Império do Morro Santana, a mais antiga de Ouro Preto (1957), levado pelo grande compositor Vandico. Lá interpretamos vários sambas-enredos, como o belíssimo samba-afro, Mãe Preta: Urubá, Olelê Nagô. Foi assim que a Mãe Preta ensinou. Aliás, Vandico já havia composto vários sambas para a Charanga de Carlota, como o maravilhoso 1711, o engraçadíssimo Nem tudo que balança é brinquedo de criança e o samba que satirizava o encontro do Mercosul em Ouro Preto – Minhocuçu – Surucucu- Cascavel. Vandico e Edmundo Guedes são, sem dúvida, os maiores compositores da música popular ouro-pretana. E o Carnaval foi sempre a maior fonte de inspiração. Vandico, aliás, tem histórias e músicas que merecem várias crônicas.

Mas não posso deixar de contar como fui virar compositor de samba-enredo da Império do Morro Santana, por obra e (des)graça do próprio Vandico. Em 199…(não posso precisar o ano e vocês vão entender o porquê) ele compôs o samba enredo Quem não se Comunica se Estrumbica, célebre frase do Velho Guerreiro, Chacrinha. Pois é. O samba começava assim: Quem não se comunica, se estrumbica, meu rapaz. Vira vento, vira gás. E seguia falando de outros grandes comunicadores, como Sílvio Santos, Faustão, Xuxa, Jô Soares, Chico Anísio , Clodovil. Tudo muito certinho, tudo sério. Até que no final do samba, Vandico arremata com o refrão: Pena de morte para quem peidou ô, ô debaixo das cobertas do doutor. Não deu outra. A Escola ficou em último lugar, culpa, claro, das notas baixíssimas do samba enredo. A Comissão Julgadora do Carnaval não entendeu nada, mas um ex-prefeito que estava no palanque bem que insistiu em cantar o refrão conosco, tipo aquele tonto que aprendeu o refrão da música e cisma de cantar junto. Não vou dizer o nome (entenderam porque não mencionei o ano), mas ele sabe bem dessa história.
 

Na verdade o refrão retratava exatamente a irreverência típica do Chacrinha, irreverência, que aliás, é a marca do carnaval e de muitas composições do Vandico. A partir do próximo ano, Vandico não foi mais convidado para fazer samba para a Escola, claro. Eu acabei fazendo o samba do próximo ano com o enredo: Carnaval de Ouro Preto: Ontem, Hoje, Zé Pereira, onde eu descrevo o Zé Pereira comandando a festa de momo e convidando todo mundo: o Banjo de Prata, O Balanço da Cobra, A Charanga de Carlota, A Bandalheira e até a Janela Elétrica, criação do fotógrafo Eduardo Trópia. O samba fala ainda de todas as Escolas e termina exaltando o Conjunto Brito Filho, que é hoje a Charanga de Lata. Como podem ver, aquele Zé Pereira Clube dos Lacaios que me encantara em 1968, já com 101 anos de existência, continua comandando a festa nos dias de hoje. Com seus 152 anos, mantém-se como o bloco de carnaval mais antigo do Brasil, em atividade. Ainda tem muito “pano pra manga” ou fantasia para falarmos do carnaval de Ouro Preto.

Aguardem!!! e toca o bumbo Zé Pereira!!! Tum, tum, tum, Zé Pereira……

Jorge Adílio Pena é professor aposentado da Ufop e músico