“Indignaram-se com as imagens vivas que o próspero comerciante dom Bruno Crespi projetava no teatro com as bilheterias de boca de leão, porque um personagem morto e sepultado num filme, e por cuja desgraça foram vertidas lágrimas de aflição, reapareceu vivo e transformado no filme seguinte”.
Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão
Não, não chegou a esse ponto no Cine Teatro Mariana, onde até pouco tempo funcionava o Centro Cultural do SESI. Pelo menos não durante o tempo em que eu o frequentava, até o fim dos anos 1970. Mas algumas histórias pitorescas ainda persistem em minha memória.
Uma das mais fortes é a do garoto, hoje fotógrafo na cidade, vendendo pacotinhos de amendoim torrado logo na entrada do cinema. Também as constantes interrupções das exibições dos filmes, devido a defeitos dos equipamentos ou ruptura das fitas. Nesses momentos, independentemente da idade, a algazarra era enorme, com vaias e bater de pés no surrado assoalho de madeira.
Em uma ocasião, a ordem dos rolos dos filmes foi alterada e ninguém estava entendendo nada, até que, no terceiro rolo, um personagem que havia sido morto no início apareceu vivo. Muitos espectadores, furiosos, deixaram a sala de exibição, reclamando o dinheiro de volta. Não porque, como os habitantes da fictícia Macondo, estivessem convencidos de bruxaria ou coisa semelhante, mas por pura e justificada indignação com a falta de atenção do funcionário.
É difícil encontrar alguém, “das antigas”, que não tenha uma boa história pra contar do “cinema”, como a gente se referia. Meu pai mesmo, durante um tempo, fâ incondicional de amendoins e incomodado com sua dentadura que teimava em cair, ia às sessões apenas para comer sossegadamente uns dois pacotinhos, sem se importar em passar vergonha. E isso aproveitando a gratuidade que o status de funcionário da Justiça do Estado. Havia também um certo senhor idoso, que julgava-se proprietário de uma certa poltrona, e não tinha o menor pudor em cutucar com sua bengala o incauto que nela distraidamente estivesse sentado.
Foi naquele prédio que, se não estou enganado, assisti à primeira peça de teatro. Um grupo de pessoas da cidade juntou-se, de modo amador mas apaixonado, para encenar o texto “Um erro judiciário”, escrito pelo Zizi Sapateiro, ainda antes da fama como pintor.
Hoje o prédio está fechado. Nem os filmes de antigamente, nada de atrações musicais ou de teatro, nem mesmo os tais documentários estudantis. A Prefeitura promete reativar as atividades, mas com quê roupa, ou melhor, com que dinheiro?
Luiz Loureiro é jornalista e editor-chefe do Jornal Primaz