Bons tempos em que o foco era escrever sobre levezas poéticas e imagéticas. A literatura e a arte têm esse papel: suavizar a lida diária, a caminhada incessante do até o último suspiro. Bem-vindos: o incontornável e o vazio das funções vitais. O invólucro, a casca fina que se dilaceram com doenças escabrosas, fenecimentos corriqueiros, suicídios, enganos médicos são obras do destino ou escolha do sujeito. O que não foi escolha de Luciano e outros que farão parte do índice de violência no país. O estupendo herói está a catar estrelas no infinito céu, em tenra idade. Acidente? Pois, não. O veículo do infeliz foi alvejado com oitenta tiros. Militares atiraram… Mas eles não têm a nobilíssima missão de defender o cidadão e o país? Dúvida cretina.
Matança, violência, escândalo, bate-boca, feminicídio, desgraça, pedofilia, acidente e incidente são pautas quentes. Saudosismos à parte, quixotismos à vontade, para quem deseja escarafunchar outras plagas. Essas já deram; sem pessimismo, muito menos realismo, prefiro o ceticismo. Voltemos ao catador; poeta foi, poeta será, até virar notícia velha, pauta fria; ‘fatalidade’ como falaram interlocutores institucionais, vazios de discursos contundentes. Fatalidade é poeta bêbado desabafar com poste e ser preso por subversão. Fatalidade é enfartar tomando lauto café da manhã, depois de uma estratosférica noite de amor. Fatalidade é a turma de o tombo ser atropelada no passeio por uma carreta. Fatalidade é ladear assento em voo com político corrupto. Fatalidade é quebrar o dedo mindinho na porta do carro. Fatalidade é se estabacar de cara no chão e quebrar nariz, braço, ombro e maxilar. Fatalidade é marido desempregado com uma penca de filhos para criar. Fatalidade é ser desvalorizado no trabalho. Fatalidade é morrer na fila do SUS (apesar de não ser fatalidade, mas ineficiência do governo!).
E a poesia a sangrar. Eldorado e Pasárgada na mente humanizadora da arte dos poetas que sabem o que é humanização. Poesia para os militares, ainda que tardia. Poesia para os meninos e as meninas que desconhecem nosso patrimônio literário. Poesia para homens no e fora do poder. Poesia para humanizar essa raça! Humanização confirma, nas palavras de Antônio Candido, a disposição com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, a percepção da complexidade do mundo e dos seres… Eis algumas das funções da Literatura. Os poetas sabem que a Literatura torna os seres mais amáveis, abertos ao diálogo, à natureza e ao próximo. Literatura para todos, especialmente para os militares, para que eles possam exercer o poder da reflexão e do afinamento das emoções, para não cometerem mais ‘fatalidades’ ao colocarem as ações dos dedos sem a ação da cognição. O catador não teve tempo de usufruir todos os néctares da poesia, mas está a catar estrelas nos céus de Pasárgada e do Eldorado…
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura pela UFV e autora de 16 livros; Membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Presidente da ALACIB-Mariana