Quando o Ministério Público desconfia de tudo, acaba se afastando de todos

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A nossa Constituição Federal possui um engenhoso sistema de controle entre os Poderes da República, de modo que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário trabalhem de forma complementar e harmônica, forçando uma salutar dependência um do outro. Essa é a essência do nosso sistema político, baseado na coalizão dos mais diversos interesses da sociedade, cujo julgamento final cabe à população diretamente pelo voto. É essa disputa política que nos mantém longe dos regimes autoritários e que permite a representação de todos os segmentos da sociedade.

Orbitando todo esse processo democrático, o Ministério Público ganhou bastante força a partir da Constituição de 1988 como um órgão essencial à Justiça, mas sem estar vinculado a qualquer dos três poderes. Há quem o defina como um quarto poder, mas a maioria dos juristas lhe atribui uma posição autônoma como órgão estatal. Faz o papel de advogado da sociedade para que os interesses coletivos sejam resguardados. Os Promotores de Justiça, do Ministério Público Estadual, e os Procuradores da República, do Ministério Público Federal, atuam sem qualquer dependência dos demais poderes, mas também sem qualquer compromisso com os projetos políticos democraticamente escolhidos pela população nas eleições. Tal autonomia é incontestavelmente importante na fiscalização dos atos praticados pelos gestores públicos. Tanto que boa parte dos maus políticos teme o Ministério Público, que nos últimos anos foi responsável por impedir e reparar desvios de muito dinheiro público. Avanços em algumas áreas, como meio ambiente, patrimônio cultural, sistema eleitoral e proteção à infância, entre outras, são resultados da atuação determinada do Ministério Público.

Por outro lado, é preciso dizer, a excessiva desconfiança que o Ministério Público lança atualmente sobre os gestores públicos, grandes empresas e organizações partidárias tem emperrado importantes projetos para a sociedade. Partindo da premissa de que todos são corruptos ou incapazes, associada à insegurança técnica em diversas áreas do conhecimento, o Ministério Público invariavelmente obsta o prosseguimento de obras, empreendimentos e serviços públicos essenciais à sobrevivência das pessoas. Pensar no futuro é necessário, mas sem se esquecer do bem estar da população que vive hoje as consequências dos descasos do passado. Essa excessiva desconfiança afasta os Promotores de Justiça e os Procuradores da República dos gestores públicos e, por consequência, dos seus representados – a população. Uma atuação baseada apenas no controle da legalidade, sem considerar os anseios e necessidades urgentes da população, faz com que o Ministério Público seja, na prática, o advogado do sistema legal e não da sociedade. As discussões trazidas pela crise das barragens na mineração, em especial no quadrilátero ferrífero, é um exemplo claro de como os diversos e complexos interesses envolvidos devem ser cuidadosamente equilibrados, sem pré-julgamentos entre as partes.
 
No caminho do amadurecimento institucional, falta ainda ao Ministério Público uma atuação mais alinhada aos modernos princípios da gestão social, de modo que o cidadão não seja tratado como o incapaz que deve ser tutelado em todas as suas decisões, mas como o verdadeiro destinatário das políticas públicas sobre as quais possui incomparável conhecimento prático e urgente necessidade. No dialético processo democrático o distanciamento entre os agentes públicos cria abismos sociais que prejudicam justamente os que mais precisam da defesa estatal.

André Lana é advogado militante nas áreas de direito público e gestão social.