A chuva nasce pra todos

Hoje é o quarto dia chuvoso dessa semana. Desde quinta-feira, o sol quase não deu as caras e a chuva roubou os planos de muita gente. Quando chove, tudo fica mais difícil. As ruas parecem que ficam mais cheias, os ônibus se atrasam, as pessoas estão mal-humoradas, as nossas roupas ficam sujas e os sapatos, molhados.

Dias atrás, eu estava conversando com a Dona Joana, que, apesar de ser pouca coisa mais velha que eu, aparenta ter muitos anos mais. Dona Joana tem cinco filhos: quatro meninas e um menino. A filha mais velha tem onze anos e a mais nova acabou de completar dois.
 

A família de Dona Joana – seus cinco filhos, o marido e uma irmã – mora num bairro longe da cidade, numa casinha de amianto e madeira. São dois quartos, uma sala, um banheiro e uma cozinha.

Resolvi falar do tempo para puxar a conversa:

– Dona Joana, essa chuva já encheu a paciência, não é?

– Muito! E o pior é que, com esse tempo, os meninos todos ficam dentro de casa fazendo bagunça porque não dá para ir à escola.

Me respondeu, com um sorriso no rosto.

– Uai, como assim?

– Nossa casa fica bem no meio da terra, né. Então, quando chove, não dá para sair. Até dá, mas o barro fica tão alto que é difícil andar. Outro dia mesmo, a Mari, minha mais velha, não queria faltar à aula porque tinha prova e teimou em sair no barro. Você acredita que tive que ir lá e resgatar a menina da lama? As botas ficaram grudadas e ela não saía do lugar. Os irmãos riram até, tadinha. Eu também ri, mas, quando vi que ela começou a chorar, parei. Ver filho chorar chateia a gente, né?

Eu ouvi a história e engoli seco, enquanto Dona Joana continuava a prosa, sem perder a carinha boa.

– Ainda bem que já não chove mais na casa toda. Só no quarto que fica no fundo e numa parte do banheiro. As coisas estão melhores desde que troquei as telhas.

Na casa de Dona Joana e seus filhos, não tinha banheiro. Há pouco tempo, um mutirão da cidade construiu um do lado de fora da casa. Mesmo na chuva, ela tem que ir e voltar com as crianças pelo quintal. “Senão, todo mundo dorme sem banho”, conta.

O Brasil é um dos lugares mais desiguais do mundo, fruto de capitanias que passam de família a família, seguindo a tradição. Para cada um que acumula bens, estão centenas de Donas Joanas, que encaram desafios não estampados nas capas dos jornais. O outro cotidiano.
 

Quando chove, tudo fica mais difícil. As ruas parecem que ficam mais cheias, os ônibus se atrasam, as pessoas estão mal-humoradas… A Mari não pode ir à escola sem se afundar no barro e a Dona Joana sente a dor de ver um filho chorar. Dias cinzas. E o Brasil de hoje caminha para uma tempestade que parece estar longe do fim, entre armas e ignorância.

Jamylle Mol é jornalista e marianense