A estabilidade do servidor público

Em tempos de crises e ajustes fiscais, como agora, os governos levantam as discussões sobre o fim da estabilidade do servidor público no cargo, ao argumento de dar à gestão pública maior austeridade e eficiência. A razão dos críticos vem daquele mau atendimento na repartição pública que todos nós já passamos um dia e que acaba alimentando o senso comum negativo. As burocracias e excessivas regras da administração pública também prejudicam a imagem do servidor que tem a missão de aplicá-las, como se a culpa pelas demoras e papeladas fosse apenas dele. Há ainda aquele servidor que está na oposição partidária e, por isso, faz questão de passar quatro anos sem fazer nada ou, pior, sabotando o serviço alheio. Esses maus exemplos existem e devem ser combatidos.

Por outro lado, não podemos deixar de lembrar que é graças à organização do Estado que a nossa sociedade se mantém longe da barbárie. Segurança pública, saúde, educação e tantas outras atividades que norteiam as nossas relações estão baseadas no trabalho dos agentes públicos. Sem essa atuação verdadeiramente estatal, ou seja, livre de pessoalidades e interesses meramente econômicos, a nossa sociedade seria um “salve-se quem puder!” A isonomia da atuação do poder público é que garante uma sociedade mais justa.
 

Nesse sentido, a estabilidade no cargo dada ao servidor público NÃO é um benefício individual ao sujeito, mas uma proteção à sua atuação em prol do interesse público. Por exemplo, um fiscal tributário não pode ser demitido por aplicar uma multa numa grande empresa, ainda que seu chefe imediato assim deseje. Um professor não pode ser demitido por ter dado uma nota ruim ao filho de uma autoridade. Um médico não pode ser demitido por ter salvado a vida de um desafeto do seu chefe político. Enfim, a estabilidade do servidor público no cargo é a garantia de que a sua atuação será pautada pela legalidade e pelo interesse público e não pelos interesses pessoais do chefe do momento. Nos últimos dias, inclusive, vimos no Ministério da Educação um exemplo claro da importância da estabilidade quando um Procurador Federal de carreira recusou-se a entregar ao Presidente do INEP os dados pessoais sigilosos dos participantes do ENEM.

Cabe registrar que o servidor público ruim pode SIM ser demitido. A estabilidade impede apenas a demissão sem justa causa, aquela feita por livre vontade da chefia, mas não impede que o profissional ruim seja demitido quando der causa para tanto. Um servidor público ruim é processado e julgado conforme a lei e, uma vez demitido, além dos eventuais ressarcimentos ao erário, fica impedido de retornar ao serviço público por no mínimo cinco anos. Há casos ainda em que a conduta irregular pode ser considerada crime, sujeitando o infrator à penalidade mais severa, como a cadeia.
 

Essa reflexão, embora possa parecer corporativista, não é. No momento em que o comando do país parece estar à deriva e contaminado por um equivocado “viés” ideológico, são os servidores públicos efetivos e estáveis os responsáveis pelo equilíbrio e pela continuidade dos serviços públicos. Sem eles a bagunça, ou melhor, a verdadeira “balbúrdia” destruiria a atuação do Poder Público. Neste momento é a estabilidade do servidor público que está impedindo o desmonte completo de diversos órgãos e projetos de altíssima relevância para a população.

André Lana é advogado militante nas áreas de direito público e gestão social