Acordei de madrugada. Parcas horas dormidas… A insônia me persegue há algum tempo. Sono diminui com a idade, com mais intensidade em casos de depressão… Bengala amortece tombos da alma? Ao contrário do que dizem os incultos sobre o assunto, depressão não é frescura do sujeito, muito menos doença de rico! Também não é mal do século, pois sempre existiu. Combater depressão não é sair por aí, saltitando feito canguru, coelho ou tico-tico.
Quem nunca sofreu, de fato, desse mal avassalador, que dilacera indivíduos feito vírus de alta potência, desconhece o cérebro. E quem sou eu para falar das multiplicidades cerebrais? Não sou neurologista, psiquiatra, psicanalista, muito menos psicóloga; mas tive forte depressão. Aprendi a conviver com a enfermidade. Não de mãos dadas; mas em forte combate. A causa estava nos neurotransmissores. Excesso ou falta é descompasso. Adrenalina e dopamina nas altas. Fortes batimentos cardíacos. Dor no peito, sudorese, insônia, tremores, dores no corpo, pressão alta. Situação: grave. Indicação: remoção da suprarrenal. Causa: malditos feocromocitomas. Vocábulo científico, difícil de pronunciar. Há material às pencas na internet para biúdos; minha biudice me levou ao pânico. Feocromocitoma é tumor na suprarrenal.
Chego a uma cidade que fica dentro de uma cratera de vulcão. Os vulcões ejetam altas quantidades de aerossóis, poeira e gases na atmosfera. Há poluição na cidade. Imagino a erupção do vulcão. Visualizo, hipoteticamente, casas, pessoas, animais, prédios, praças, carros sendo destruídos pelas lavas expelidas. Quanto pessimismo. Que o Deus do fogo esteja eternamente em paz com os seres da terra.
Deus não levanta a mão sobre ninguém, muito menos em determinadas figuras. Que Deus soltaria lambadas pesadas em crianças inocentes que morrem de câncer, bactérias violentas, meningite e outras doenças terminais?
Peguei o celular. Trezentas mensagens. Hoje não respondo ninguém. Meu companheiro me chama para a realidade. Dirijo-me ao banheiro. Cumprimento a funcionária que mal responde. Automatizada está a quitar papéis do chão. Mulherada sem educação! As estrangeiras entram fazendo a maior algazarra. Veem um absorvente jogado no vaso sanitário. A exótica grita de susto e nojo. Solta improvérbios, falando mal dos banheiros femininos. A funcionária entende, corre para recolher o absorvente.
Quem nunca ficou fora do ponto, agitado, estressado, bipolar? No entanto, a desinformação, o desconhecimento, o preconceito e a ignorância falam mais alto. Quem não quer se cuidar, que se recolha em seu ninho cinzento.
Internaram-me no Santa Maria. “Ali é local para doidos”. Mais um preconceito. Foi lá que conheci o anjo que não desistiu do meu caso. Presenciei, e não me assustei, com mulheres que tomaram sonoterapia (o vulgo choque), terapia evoluída, segura e indolor, quando a química não faz mais efeito.
Convivi com esquizofrênicas, catatônicas, suicidas, ex-usuárias de drogas, que saíram da sonoterapia, recuperadas. Pedi o tratamento. Negaram. Meu caso, hormonal. Os neurotransmissores, após retirada das suprarrenais, entraram em parafuso.
Com o tempo e medicamentos, tudo entra em sintonia. Percurso longo. Surgiram palpiteiros de todos os cantos, com receitas ineficientes. Pessoas me procuraram, para falarem sobre o assunto. Reclamaram de irmãos de igrejas, ao falarem que era falta de Deus. Pediram meu testemunho. Neguei. Não pertenço a igrejas. Minha fé é em Deus e na Medicina. Resolvi escrever este texto, após dois anos de severa depressão. A história é larga…
Observo o calendário florido no jardim. Caminhamos até o destino; milhares de livros organizados nos stands. Palanques para celebridades. Vou-me embora daqui a dois dias. Meu lugar é de porta em porta.
A depressão? Era um bicho enorme a me corroer por dentro, que virou um ser pequenino. Mas continua lá, adormecido, se não cuidar, volta a crescer feito bola de neve.
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura pela UFV e autora de 16 livros; Membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Presidente da ALACIB-Mariana