Heróis de carne, ossos e máscaras

O trabalho de profissionais de saúde de Mariana diante da pandemia de Covid-19

Em maio, prestamos homenagem aos profissionais de saúde de Mariana, Foto: Arquivo pessoal Elton Magno
Elton Magno é enfermeiro e atua no Pronto Atendimento da Policlínica de Mariana. Foto: Arquivo pessoal./Elton Magno

“Saímos por você. Fique em casa por nós”. Conhecemos bem esse apelo compartilhado por aqueles que nos acostumamos a chamar de heróis (e heroínas) em tempos de pandemia: os profissionais de saúde. De fato, os níveis de periculosidade aos quais eles estão submetidos todos os dias os fazem dignos desse reconhecimento, algo parecido com personagens de filmes de ação.

Só que, diferente dos heróis dos filmes, esses profissionais não têm ao seu lado superpoderes ou aquela mãozinha narrativa que só os autores são capazes de dar. São as escolhas e, consequentemente, as renúncias feitas por eles é que os tornam ainda mais admiráveis pela sociedade.

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Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho dos profissionais de saúde de Mariana durante a pandemia de Covid-19, a Agência Primaz ouviu profissionais que atuam nos dois principais espaços de saúde do município: a Policlínica Municipal e o Hospital Monsenhor Horta (HMH). Na policlínica, o enfermeiro Elton Magno comentou a sua rotina como enfermeiro da Urgência e Emergência de Mariana. Pelo hospital, o diretor-técnico Tiago Alvarenga concedeu uma entrevista, ao lado de profissionais de diferentes setores do HMH.

O enfermeiro Elton Magno pontua o aumento da pressão de quem trabalha na área de saúde, diante da pandemia de Covid-19: “Com o surgimento do Covid-19, a nossa rotina aqui no Pronto Atendimento mudou muito, pois a gente trabalha com muita pressão no dia-a-dia. É uma pressão porque a gente está lidando com uma questão que desconhece ainda todos os riscos. Então, é uso de EPI o tempo todo e usar a máscara o tempo todo é difícil. O município tem disponibilizado para a gente todos os EPI’s necessários: máscaras, capote, pijama… Lidar com tudo isso é uma pressão, tanto física quanto psicológica, maior.”

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EPI's utilizados pelos profissionais do Pronto Atendimento de Mariana. Foto: Arquivo pessoal//Elton Magno

Pai de dois filhos, Elton trabalha na Unidade de Pronto Atendimento de Mariana e cumpre isolamento dentro da própria casa desde o início da quarentena: “Mudei todo o convívio. Dentro da minha casa, eu estou em isolamento. Chego em casa e tiro a roupa do lado de fora, não compartilho o mesmo quarto, depois do meu banho o banheiro tem que ser todo lavado, a minha roupa tem que ser lavada separado. Eu tenho família, como minha mãe, que não mora em Mariana e já vai fazer dois meses que eu não os vejo”.

Além do cuidado com a própria proteção, Elton também comenta as preocupações com a chegada de novos pacientes ao Pronto Atendimento. “[A pandemia] demanda um cuidado maior tanto para nós quanto para o paciente que chega. Porque chegam pacientes suspeitos, mas a gente também recebe outras demandas. As pessoas continuam com outras patologias. Paciente infartado, com parada cardiorrespiratória. Mas, graças a Deus, a gente está conseguindo levar com muita segurança”.

Elton, que também é coordenador de Urgência e Emergência de Mariana, também tem que se preocupar com a saúde da sua equipe. “Até o momento, não temos nenhum profissional contaminado. Hoje eu estou como coordenador e atuo também como enfermeiro aqui na unidade. A minha esperança é que, quando tudo isso acabar, que eu tenha todos os profissionais que estão comigo aqui e que a gente possa comemorar o que passou, com todo mundo seguro e os familiares também. Lidar com isso aqui no dia-a-dia e voltar para casa. A gente tem filho, tem família. O risco de contaminação também traz uma insegurança muito grande. A gente sabe que tem que trabalhar com muita cautela, muito cuidado porque o risco está presente”.

Por videoconferência, o diretor do Hospital Monsenhor Horta, Tiago Alvarenga, pontuou algumas mudanças no funcionamento do hospital durante a pandemia. Tiago estava acompanhado de outros 5 funcionários do HMH: Aline Gonçalves (Técnica em Segurança do Trabalho), Sanley Santiago (Supervisora de Enfermagem), Heby Oliveira (Enfermeira Coordenadora do CCIH), e Luciane Malta (Gerente Administrativa). “A gente começou a refletir sobre essa questão toda na primeira quinzena de março aqui no Hospital Monsenhor Horta. Desde o início, a gente se preparou. Assim que foram tendo essas normas técnicas, a gente começou a trabalhar nesse sentido. O primeiro passo foi tentar munir o hospital de equipamentos de proteção individual e, ao mesmo tempo, a gente iniciou o plano de contingência. Esse plano abrange todas as áreas do hospital e atua para reduzir, ao mínimo possível, o número de infecções cruzadas”.

De acordo com Tiago, o plano prevê também mudanças nos protocolos de atendimento, acompanhamento de pacientes, visitas, visitas religiosas, sistema funerário e até nas rotinas de alimentação dos colaboradores do hospital. Durante a pandemia, o horário disponível para almoço foi ampliado, para evitar aglomerações, e são disponibilizados apenas talheres descartáveis.

O diretor também apontou as medidas tomadas pelo HMH com os colaboradores que integram o grupo de risco. “As pessoas que são do grupo de risco (gestantes, pessoas idosas, acima de 60 anos), por causa da pandemia a gente fez a antecipação de férias de alguns colaboradores, mas isso não foi suficiente. Agora com esse pessoal voltando de férias em 1 de maio, a gente vai continuar com eles afastados. Cada um na sua condição, mas a maioria em regime de banco de horas. No início a gente também colocou alguns colaboradores em home office”.

Tiago garantiu que tem mão-de-obra suficiente para esse momento de crise, mesmo com o afastamento de parte desses colaboradores. “As demandas diferentes da Covid-19 caíram muito durante a pandemia. Então, até o presente momento, o contingente que ficou no hospital, mesmo com os afastados do grupo de risco, atende às demandas atuais”.

Mensagens de apoio e esperança dos colaboradores exibidas na recepção do hospital - Foto: Marcelo Sena
Mensagens de apoio e esperança dos colaboradores exibidas na recepção do hospital - Foto: Marcelo Sena

Assim como aconteceu com o enfermeiro Elton, da policlínica municipal, o diretor do hospital afirmou que os colaboradores do HMH também tiveram que adotar novas rotinas em casa. “A rotina de todo mundo foi mudada. A verdade é essa. Tanto no ambiente de trabalho, quanto nas casas dos profissionais. Eu, que fico mais no setor administrativo, me isolei em casa. Tenho que ficar em um local separado, banheiro separado, roupas de cama, mesa e banho são separadas. São lavadas separadamente, calçados higienizados separadamente e eu acredito que a grande parte do pessoal que trabalha no hospital tem feito dessa forma também”.

Entre as novas preocupações que cabem ao trabalho de Heby Oliveira, enfermeira do HMH, está a de evitar a subnotificação de casos de Covid-19. “Desde a última atualização da Secretaria de Estado de Saúde do dia 06 de abril, qualquer pessoa com sintoma respiratório, torna-se uma suspeita de coronavírus. Então a gente notifica todos os casos que chegam, de acordo com os protocolos recomendados. Nós tivemos pacientes em Mariana que apresentaram apenas coriza e o teste deu positivo. De 16 de março, data do primeiro caso suspeito notificado, até 29 de abril, foram 70 pacientes notificados. 90% foram casos indicados para monitoramento em isolamento domiciliar. Diariamente, eu entrego as notificações para o município. A gente controla da melhor maneira possível e até então a gente não teve nenhum caso que passou aqui no hospital e a gente não notificou”.

Tenda montada fora do hospital para atender pacientes com sintomas gripais - Foto: Marcelo Sena/Agência Primaz
Tenda montada fora do hospital para atender pacientes com sintomas gripais - Foto: Marcelo Sena/Agência Primaz

Aline Gonçalves, técnica de segurança do trabalho do HMH, defendeu a preparação fornecida pelo hospital aos profissionais. “Aqui no hospital a gente criou uma série de novos procedimentos. Os nossos profissionais estão bem preparados para atender à demanda e, pegando os números, nós não temos nenhum profissional contaminado. Estamos tomando medidas que estão acima das recomendadas. Os profissionais estão sendo bem cuidados para que eles possam cuidar bem dos pacientes”.

Aline também deixou um recado para a população. “A mensagem que eu deixo para a população é que o hospital está fazendo de tudo para atender às demandas cabíveis a nós, mas a população tem que se conscientizar e cada um fazer a sua parte: seguir as orientações dadas pelos órgãos de saúde, não aglomerar, não esquecer da higiene, lavar bem as mãos. O recado é esse: cada um faz a sua parte para que a gente consiga passar bem por essa dificuldade e, se Deus quiser, vai acabar”.

Saúde mental

A saúde mental dos profissionais de saúde torna-se uma grande preocupação durante uma pandemia, devido a todas as pressões às quais eles são submetidos. Pensando nisso, um grupo de psicólogas de Mariana se reuniu para oferecer atendimentos voltados para esses profissionais: “Diante dessa nova demanda, estamos nos especializando para atender a esses profissionais. Propomos um primeiro atendimento, muitas vezes gratuito, e depois desenhamos o melhor tratamento para cada caso”, disse a psicóloga Estefânia Gonçalves, uma das participantes da ação.

Folder disponibilizado por psicólogas sobre atendimentos a profissionais de saúde

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Palavra de especialista

Para o médico sanitarista Márcio Galvão, o cuidado com as proteções individuais e coletivas é o primeiro passo na preparação dos profissionais. “O primeiro passo é garantir a proteção individual e coletiva dos profissionais. O vírus é uma coisa nova e ainda não sabemos todos os seus impactos. Em segundo lugar, tem-se que promover uma reciclagem da doença para profissionais de saúde de todos os níveis. Ou seja, precisamos difundir tudo o que já sabemos sobre o vírus. E também com a sociedade civil, seja por videoconferência ou outros meios. Em terceiro, é preciso discorrer sobre o papel das instituições nesse processo”.

Márcio Galvão, que já exerceu o cargo de secretário de saúde em Ouro Preto e Mariana, afirmou que os gestores atuais devem se preocupar, principalmente, com a projeção e a taxa de letalidade da doença. “Os gestores têm que pensar na projeção da doença. No número de leitos, comuns e intensivos, e no número de respiradores. Junto a isso, atuar na detecção precoce da doença. Eles também devem olhar para a taxa de letalidade, que é a relação entre óbitos e o número de casos. Essa taxa é inversamente proporcional à capacidade de tratar os doentes”.

Também professor aposentado do curso de Medicina da UFOP, o médico sanitarista ainda se disse mais preocupado com a falta de equipamentos do que mão de obra e criticou as medidas de adiantamento de formaturas de Medicina. “Não me preocupo tanto com recursos humanos, me preocupa a questão dos equipamentos. Nós podemos convocar alguns profissionais da retaguarda, mas o número de respiradores ainda é muito pequeno. [Sobre a antecipação das formaturas] Eu endosso a opinião do Conselho Federal de Medicina. Os internatos têm uma importância muito grande na formação desses profissionais. Esses alunos podem atuar em áreas de menor risco, junto com o preceptor”.

Agradecimentos

Tanto Elton Magno quanto Tiago Alvarenga fizeram questão de reforçar os agradecimentos aos profissionais que trabalham ao lado deles, na Policlínica Municipal de Mariana e no Hospital Monsenhor Horta, respectivamente.

Assim, a Agência Primaz aproveita esse momento para agradecer também a todos os profissionais de saúde de Mariana, e do Brasil, que estão na linha de frente dessa batalha contra a Covid-19. Muito obrigado!

Rua Dom Viçoso, 232 – Centro – Mariana/MG