Não-adiamento do ENEM prejudica alunos da rede pública de Mariana

Governo de MG anuncia que aulas (virtuais) voltam na segunda (18). Muitos alunos não têm como estudar pela internet ou TV.

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Não-adiamento do ENEM prejudica alunos da rede púbica de Mariana

O Governo Federal anunciou, no início da semana, a abertura do período de inscrições para o ENEM 2020. Mesmo com a suspensão das aulas em boa parte do país, o Ministério da Educação afirmou que o calendário para a realização dos exames está mantido. Para quem vive o cotidiano da educação pública em Mariana, essa medida agrava as desigualdades e prejudica, principalmente, os alunos da rede pública de ensino.

Maria Emília, que estuda da Escola Estadual Dom Silvério, defende o adiamento do ENEM pois as aulas online não atendem a todos os alunos. “Não está nada fácil porque a gente não tem as aulas online. E mesmo se tivesse eu não acho justo com todos porque nem todo mundo tem acesso à internet e assim ficam prejudicados, não assistem aulas e acabam ficando pra trás, tendo que se virar pra estudar. Por isso eu acho também que devia adiar sim o ENEM 2020!”

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Já Lucas Bernardes, que concluiu o Ensino Médio no ano passado e se prepara para o ENEM, revela que está bem mais difícil conciliar trabalho e estudos durante a pandemia. “Ano passado eu cheguei a fazer um período de cursinho e esse ano eu iria fazer também. Mas com a pandemia está tudo parado e eu estou estudando de casa mesmo, pela internet. Mas é bem pouco também, porque eu trabalho aí fica meio complicado, pois eu não estou trabalhando de casa. Tá bem mais complicado do que quando eu tinha aula.”.

Lucas se disse dividido sobre a decisão do MEC de manter o calendário do ENEM. “Por eu ter adiado o ano passado e animado de fazer esse ano, manter seria bom. Mas, o problema é que eu tô conseguindo estudar um pouco, eu tenho acesso à internet, mas não tenho acesso a computador, não tenho notebook. Então, eu estudo pelo celular e já é meio puxado. Para quem não tem, é ainda mais difícil. Ao mesmo tempo em que eu sou a favor de manter a data, tem esse lado que é prejudicial a quem não tem tanto acesso para estudar.”

Professor de História na escola de Maria Emília, Túlio Almeida acredita que os alunos da rede pública serão os mais prejudicados com a manutenção do calendário do ENEM. “Alunos de periferia, de distritos e subdistritos, das classes mais desfavorecidas e, principalmente, os que frequentam as escolas públicas do país serão extremamente prejudicados. Enquanto os alunos das classe média, alta e elite deste país estudam em escolas particulares, com acesso a EAD de qualidade e consolidado, estão cumprindo isolamento social de forma confortável, gozando de tranquilidade e segurança para se prepararem. Me parece óbvio que a disputa será injusta e aprofundará, para algumas gerações de alunos, a distância social que afeta todo o país”.

Os alunos de escola pública, de classes sociais mais baixas e desfavorecidas, estão preocupados em se alimentar, em trabalhar, quando não estão desempregados ou impedidos de trabalhar, famílias desamparadas, totalmente expostos à Covid-19, sem acesso à internet e outras tecnologias modernas. (Túlio Almeida)

O professor defende o adiamento do ENEM 2020. “Eu acredito que o ENEM 2020 deveria ser adiado até a suplantação da epidemia de Covid-19, tanto pelos motivos óbvios relacionados à doença, quanto pelo fato de que a execução do mesmo neste momento faria com que o ENEM não cumprisse os objetivos fundamentais de sua existência. Se realmente forem mantidas as datas da execução do exame, este estará privilegiando radicalmente as classes sociais mais favorecidas e abastadas do país, deixando as classes favorecidas muito prejudicadas”.

A diretora de uma escola estadual de Mariana, que preferiu não se identificar, apontou dificuldades que os alunos de sua escola tem e terão para se preparar. “As aulas estão suspensas desde o dia 17 de março, com a previsão de retorno das aulas de forma remota a partir de semana que vem. Diante disso, não estava havendo nenhuma preparação dos alunos por parte da escola para o ENEM 2020. Ainda não sabemos concretamente se os alunos terão condições de continuar os estudos, mas terão muitas dificuldades com certeza, pois a maioria não possui todos os recursos para acompanhar as aulas remotas ou a distância, e mesmo recebendo o material impresso que o estado preparou, eles precisam de explicação do professor. Os pais, em sua maioria não tem preparo, conhecimento ou tempo para auxiliá-los”.

A diretora também acredita que os alunos da rede pública serão os mais prejudicados. “Acredito que a disputa não será justa, muitos nem terão como fazer a inscrição já que utilizam os recursos da escola para isso. Mas, acredito que mesmo os alunos da rede particular serão um pouco prejudicados, não terão o mesmo desempenho. Essas aulas a distância, remotas ou online, não são a mesma coisa do que as aulas presenciais e nem todos os alunos, mesmo na escola particular, terão acesso. De modo geral, os alunos da rede pública serão os maiores prejudicados, pois é lá onde estão os alunos de menor renda, que vivem em regiões distantes, e às vezes isoladas, e não tem acesso a tecnologia”.

O Estado ficou esses dias todos organizando uma forma de propiciar estudo remoto, a distância para os alunos, que deve começar na semana que vem, mas muitos alunos vivem em regiões distantes sem acesso à tecnologia, muitos não tem nem luz em casa, a maioria não possui um computador, não tem uma internet de banda larga em casa, logo não conseguirão participar dessas aulas. (Diretora de escola estadual)


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A secretária de Educação de Mariana, Aline Oliveira, também lamentou a decisão do MEC. “Fiquei assustada com a perversidade do MEC em manter o ENEM, porque conheço a realidade do meu município. Estudar sem tutela dos professores é complicado e o impacto dessa decisão agravará ainda mais o abismo social. Tenho ciência de uma mobilização nas redes sociais para o adiamento do ENEM e sou a favor do movimento. A complexidade dessa pandemia mundial, nos pegou desprevenidos. E agora temos que tratar todos os desafios na perspectiva do afeto. A situação desse abismo social se agravou consideravelmente e teremos que nos reinventar para minimizar tantas desigualdades”.

A Prefeitura de Mariana oferece um cursinho preparatório para o ENEM gratuito para alunos da rede pública de ensino do município, o PREMAR. As aulas, no entanto, estão suspensas desde 17 de março. Para a coordenadora do PREMAR, Anacarla Duarte, as aulas presenciais são fundamentais para a preparação dos alunos do cursinho. “Eu acho extremamente prejudicial aos alunos esse ENEM em novembro, visto que a pandemia não tem data para acabar. A gente não tem uma data para voltar. Imagina que isso volte em agosto? Como é que os alunos vão recuperar esse tempo perdido? Concordo plenamente em adiar a data do ENEM, principalmente pelos alunos de escola pública. A realidade de nós, alunos de escola pública, a maioria de nós tem que trabalhar para poder estudar. A maioria dos meus alunos são alunos que trabalham e estudam. As aulas presenciais são importantíssimas para esses alunos”.

O ministro da Educação falou que era uma competição. É uma competição, sim. Mas vai ser o Michael Phelps e um paralítico competindo na mesma modalidade, do mesmo jeito”. (Anacarla Duarte)


“Muitos alunos saem da escola particular, estudam, por exemplo no Instituto Federal, estudam em escolas públicas boas e têm condição de estudar em casa. Outros não tem condição nenhuma de estudar em casa pelo arranjo de dentro de casa. Então eles vão sair muito prejudicados. E não será uma competição justa. Não é”, enfatizou Anacarla.

Palavra de especialista

Alexandra Resende Campos, professora do Departamento de Educação da UFOP, explicou como a manutenção do calendário do Enem aprofunda desigualdades do sistema educacional brasileiro. “Hoje nós temos as escolas particulares. Elas, em sua maioria, deram continuidade às suas atividades. Isso, desde a educação infantil até a educação superior. Até numa tentativa de garantir que as mensalidades continuem sendo pagas. E, por outro lado, nós temos o contexto das escolas públicas que estão com as aulas suspensas. Isso revela um dualismo que é histórico na educação brasileira que é a relação público x privada”.

Nesse contexto de pandemia, a gente percebe como a decisão de manter o ENEM implica diretamente no aumento da desigualdade educacional brasileira. A realização desse Enem é uma forma de privilegiar um certo grupo social que historicamente já é privilegiado. (Alexandra Resende Campos)


A professora também questionou a decisão de não-adiamento do ENEM. “Quem são esses estudantes que estão preparados para o ENEM? Que não estão passando por obstáculos diretos nesse processo? São justamente os das escolas particulares e que, nesse contexto de pandemia, têm, praticamente, condições ideais nas suas casas de prosseguir os estudos. Tem acesso à internet e um ambiente propício. O Governo Federal, sobretudo o Ministro da Educação, toma essa realidade dos estudantes de classe média como se fosse a realidade dos estudantes brasileiros. E a gente sabe que está muito longe disso.”.

Apesar disso…

Na contramão do que dizem alunos, professores, gestores e especialistas, o Governo de Minas Gerais anunciou uma “volta às aulas” para a próxima segunda-feira (18). As ações envolvem atividades online, acesso de cartilhas por meio de aplicativos, videoaulas pela internet e pela TV, no canal da Rede Minas. Além das dificuldades de acesso à internet relatadas, em muitos municípios mineiros não há sinal da Rede Minas na televisão.

Se o calendário atual for mantido, o ENEM 2020 acontece nos dias 1 e 8 de novembro, na versão impressa e 22 e 29 de novembro na versão online. As inscrições vão até o dia 22 de maio e podem ser feitas pelo link.