“Programa Mariana Canta” divide opiniões de artistas marianenses

Projeto lançado pela Secretaria de Cultura de Mariana prevê a produção e gravação de “pocket-shows” de artistas locais, com prioridade para produção autoral

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Sueli e Alcides apresentando a música "Ouvindo a chuva cair", vencedora da fase local do Festival Canta Mariana (Maio/2019) - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Divulgado na segunda-feira (11), o Programa Mariana Canta – Terra Mineira da Música é uma iniciativa da Secretaria de Cultura, Patrimônio Histórico, Turismo, Esporte e Lazer, com o objetivo de apoiar artistas marianenses e coletar material para divulgar e “demonstrar a força cultural da cidade, especialmente da música”.

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O projeto, terá a coordenação técnica e artística de Fernando Costa (músico) e Vitor Gomes (pesquisador do Museu da Música) e pretende realizar gravações de shows curtos, com até sete músicas, das bandas e artistas marianenses no Teatro Municipal, utilizando o material para veiculação em redes sociais e também como material de divulgação dos próprios artistas. O secretário Efraim Rocha ressaltou que serão tomados todos os cuidados para a preservação do isolamento social. “Vai ser sem público. No palco vão estar no máximo seis músicos e vamos ter também uma equipe mínima de técnicos de som, luz e áudio”, garantiu.

A ideia inicial é trabalhar com os artistas que possuem contrato vigente com a Prefeitura de Mariana para apresentação em eventos cuja realização foi suspensa em função da pandemia do coronavírus. “A orientação do prefeito é não deixar ninguém de fora, desde que a pessoa se manifeste e tenha a documentação”, revelou Efraim, ressaltando a possibilidade do artista ser representado por uma empresa promotora de eventos, como já acontece com alguns artistas da cidade, caso não tenha registro de pessoa jurídica (CNPJ).

Por telefone com Fernando Costa e Vitor Gomes informaram que, já a partir da próxima semana, vão fazer captações de ensaios das bandas e artistas solo inscritos no programa, de forma a construírem “uma guia pra gente levar pra montagem da cena, posicionamento de câmeras e microfones, etc”. Mas, para Fernando, é necessária a participação dos artistas antecipadamente na construção de um conceito sobre seu trabalho artístico, através da definição de um nome para o pocket-show e escolha das músicas a serem apresentadas. “Se você tiver música autoral, melhor ainda. Em caso contrário, paciência. Faz as músicas que você faz regularmente no seu trabalho”, aconselhou Fernando.

Vitor Gomes ressaltou os benefícios do programa para os artistas, que normalmente têm dificuldade de se posicionar nos mecanismos de streaming e até mesmo nas redes sociais de uma forma mais efetiva e com produções mais bem cuidadas. “A chave principal para a entrada nesse sistema é o artista começar a pensar como produtor de conteúdo e, nesse aspecto, o primeiro gargalo é a questão técnica. (…) E o programa vem ajudar nesse sentido, principalmente para quem trabalha com música autoral, abrindo um espaço de divulgação”, comentou, destacando ainda a “possibilidade de colocar Mariana no contexto musical, cujas condições são muito favoráveis tanto como temática como cenário propriamente dito”, com o uso posterior do material captado. Reforçando a informação a respeito da segmentação inicialmente incluída no programa, em termos de participação apenas dos artistas previamente contratados pela prefeitura, Vitor destaca a abertura colocada agora, para abarcar maia amplamente a grande variedade musical da cidade. “Esse tipo de ação pode conduzir a algum tipo de política que viabilize de maneira mais consistente a sobrevivência e o espaço de atuação dos artistas marianenses”, finalizou.

As inscrições para o Programa Mariana Canta podem ser feitas mediante o preenchimento de um formulário disponibilizado no site da administração municipal e o secretário Efraim Rocha garantiu que, por orientação do prefeito Duarte Jr., os prazos não foram estipulados para permitir a participação do maior número possível de interessados. “Ainda que a gente tenha que estender mais tempo, se as pessoas se inscreverem e apresentarem documentação, elas têm o direito de se apresentar”, acrescentou.

Repercussões

Nossa reportagem fez contato com alguns artistas do cenário musical da cidade para colher informações sobre a receptividade do Programa Mariana Canta. As opiniões colhidas, principalmente entre os artistas sem contratos de apresentações com o poder público municipal, são favoráveis à iniciativa, embora com algumas ressalvas. A mais frequente se refere à falta de oportunidade dada anteriormente a algumas tendências musicais, consideradas undergound, como por exemplo o rap.

Djahpa, um dos coordenadores da Batalha das Gerais, se queixa de uma certa marginalização do gênero na cidade, e reclama da falta de oportunidade na cidade para a cultura hip-hop. “A cidade tem diversos eventos que poderiam abraçar o rap, porém as atrações são sempre as mesmas. Gente fazendo arte e trabalhando tem de sobra, com os mais diversos tipos de som, falta a oportunidade pra mostrar tudo isso”, declara. Seu parceiro de rap, Pedro Mol, aponta algumas dificuldades para a diversificação da cena musical em Mariana. “A base disso tudo é o conservadorismo que a cidade carrega. E esse preconceito não ocorre só com o rap, mas também com outros estilos”, ressalta. Segundo Pedro, tudo isso poderia ser resolvido com diálogo e maior interesse dos órgãos públicos. “Apesar das disparidades entre pensamentos dos diferentes grupos sociais da cidade, o melhor caminho é sempre o diálogo, respeitando todos os lados. O que a gente precisa é de mais oportunidades para conseguir crescer profissionalmente“, tanto ele quanto Djahpa consideram o projeto uma boa iniciativa e demonstram interesse em participar. Porém, lembra de uma outra oportunidade quando foi chamado à Secretaria de Cultura, ele se inscreveu para mostrar seu trabalho e nada aconteceu. “Eu espero que aconteça, mano. (…) A iniciativa é boa, mas espero que seja levada adiante. Se não, é só mais palavra, e disso aí a gente tá cansado”, desabafa.

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Douglas Vieira, músico, produtor independente e um dos fundadores do coletivo Rock Generator, avaliou o presente momento “como um ponto crucial para um novo paradigma de interação entre os artistas e o público, principalmente pela atual situação de isolamento social e a necessidade ainda maior de acesso à cultura e entretenimento, para nos ajudar a entender e refletir sobre a realidade na qual estamos inseridos”. Na condição de músico, ela considera de extrema importância a iniciativa, tendo em vista que os artistas foram fortemente afetados economicamente pelas restrições necessárias ao combate à pandemia. “Este momento realmente requer que ideias como esta sejam desenvolvidas para, além do econômico, incentivar os artistas também a se adaptarem e assumirem seu papel na sociedade, ajudando a levar conscientização e mensagens de conforto aos cidadãos através de sua arte”, analisa. Paulo Victor “Castor” Azevedo, também integrante do coletivo Rock Generator complementa: “Quaisquer iniciativas que fomentem a cultura local sempre foram nosso principal foco de interesse enquanto coletivo. Sempre nos dispomos a lutar por essas bandeiras”. Apesar disso, Castor ressalva a importância da cultura e de iniciativas como essa não somente em tempos difíceis como os atuais. “É preciso, porém, que os editais surjam não somente em tempos pandêmicos, mas que a valorização da arte local e dos artistas independentes seja uma marca permanente nas políticas de cultura. Afinal, os artistas são de suma importância para a cultura local e quase sempre são subvalorizados em detrimento da boa produção musical que fazem”, finaliza.

Um outro fator de dificuldade apontado foi a exigência de o artista estar organizado como pessoa jurídica. “O artista em início da carreira está investindo na música todo o dinheiro e não tem como conseguir um CNPJ se não tem oportunidade de tocar”, afirma Pedro Mol, sobre a opção de se fazer representar por uma empresa de promoção de eventos, Pedro diz ser também muito complicado em função da comissão cobrada, segundo ele, um valor  muito alto. Questionado em relação a isso, Efraim Rocha informou que alternativas estão em estudo para estes obstáculos possam ser superados sem incorrer em qualquer ilegalidade no uso dos recursos públicos.

Tony Primo, cantor e compositor marianense - Foto: Reprodução/Facebook
Lucas Fernando, em apresentação no Festival Canta Mariana (Maio/2019) - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Os músicos Tony Primo e Lucas Fernando também deram declarações sobre o Programa Mariana Canta. Tony elogiou a iniciativa, mas fez ressalvas à metodologia de captação do material e fez sua inscrição sob algumas condições. “Eu não vou fazer nada que possa colocar em risco a saúde do pessoal da banda. Cada um vai fazer seu trabalho em casa, usando celular mesmo, e depois eu sozinho vou colocar a voz, lá no Teatro Mariana“, informou. Com um material praticamente consolidado para utilização no Programa Mariana Canta, Tony não sabe dizer quantos artistas marianenses terão condições de participar dessa forma, mas entende que todo cuidado é pouco. “Se eu não me cuidar, se você não se cuidar, você vai colocar outras pessoas em situação de risco“, finalizou.

Lucas Fernando, integrante da banda Good Vibe, ainda não tinha tomado conhecimento do projeto quando falou com nossa reportagem. Mais tarde ele afirmou que sua banda não iria participar devido à necessidade de estar no Teatro Municipal para as gravações. “O motivo [da não participação] é devido à quarentena mesmo. Tenho familiares no grupo de risco e eu também faço parte desse grupo”, declarou.

Aldravista e artista plástica, nossa colunista Andreia Donadon fez contato com nossa redação ao tomar conhecimento do programa. Idealizadora do projeto ViralizaPoetar, no qual os participantes gravam vídeos simples, sem produção esmerada, declamando poemas, ela acredita que o material poderia ser produzido “de forma mais simples, em gravações caseiras, respeitando as orientações da OMS [Organização Mundial da Saúde]. É importante divulgar os artistas sim. É importante divulgar a cidade, de forma positiva, sim. Mas de forma responsável”.

Rua Dom Viçoso, 232 – Centro – Mariana/MG