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Este ano não tivemos as festividades de pentecostes, mais conhecida com Festa do Divino Espirito Santo. A festividade ocorreria de 23 a 31 de maio de 2020, mas não aconteceu devido a pandemia do coronavírus. A Arquidiocese de Mariana, em documento oficial que orienta os fiéis e sacerdotes em relação a pandemia, determinou o fechamento de igrejas (Matrizes, Capelas, igrejas das Comunidades, Curatos, Reitorias e Santuários) e a suspensão, por tempo indeterminado, de novenas, tríduos e outras celebrações ou atos devocionais públicos. Assim, a tradicional festa do Divino Espirito Santo não aconteceu este ano. Esperemos que o ano que vem possamos ter uma grande Festa do Divino em Mariana.

A tradicional festividade da Igreja Católica, que é uma de maior participação popular em todo o Brasil, além do caráter litúrgico e de fé, tem um caráter profano. A história da festividade remonta à antiguidade.

De acordo com o historiador português Moisés do Espírito Santo, a celebração tem origem entre os israelitas. A Festa de Pentecostes era celebrada durante cinquenta dias (sete semanas) depois da Páscoa, sendo uma das quatro festas importantes do calendário judaico: Páscoa, Omar, Pentecostes e Colheitas.

Ela era conhecida, ainda, com nomes diferentes: das Ceifas, das Semanas, do Dom da Lei, e outros, tendo sido, primitivamente, uma festa agrária dos cananeus.

Entre os hebreus, o termo “shavuot” faz referência à festa que marca o fim da colheita do trigo. A Festa do Divino é um eco das remotas festividades das colheitas e. talvez venha deste evento um dos símbolos emblemáticos da festividade, o pão do Divino Espirito Santo, que é tradicionalmente distribuído aos fiéis no Domingo de Pentecostes.

Já o culto ao Espírito Santo, sob a forma de festividade, no sentido que iria adquirir mais tarde, se cristaliza no início da Baixa Idade Média na Itália, com um contemporâneo de São Francisco de Assis, o abade Joachim de Fiori, que ensinava que a última fase da história da vida seria a do Espírito Santo. Suas ideias chegaram à Alemanha e espalharam-se por toda Europa.

Em Portugal, no século XIV, a Festa do Divino já se encontrava incorporada à Igreja como festividade religiosa. A responsável por essa institucionalização da festa em solo português foi a rainha D. Isabel, canonizada como Santa Isabel de Portugal, que mandou construir a Igreja do Espírito Santo na vila de Alenquer, região central de Portugal. Em solo português, ela seria fortemente marcada por influências de tradições judaicas, muitas das quais chegaram até nós.

Com o início da colonização, ela foi introduzida no Brasil, provavelmente desde o século XVII. A figura do Imperador do Divino – criança ou adulto – era o escolhido para presidir a festa. Aqui ela sempre foi uma festa de caráter popular, não figurando entre as quatro festas oficiais celebradas por ordem da Coroa no período colonial. Mas seu prestígio no início do século XIX era tanto, que em 1822, segundo Luís da Câmara Cascudo, o ministro José Bonifácio escolheu para Pedro I o título de Imperador, em vez de Rei, porque era muito grande a popularidade do Imperador do Divino. Em certas cidades ou vilas do interior, o Imperador do Divino, com sua corte solene, dava audiência no Império, com as reverências privativas de um soberano.

Em Minas, como em outros estados brasileiros, não são todos os municípios que mantêm a tradição do Cortejo do Império do Divino e dos folguedos como a Guarda de Marujos ou Marujada, os Catopés, Caboclos ou qualquer outro folguedo que puxe o Cortejo do Império. O período de festas é em sua maioria, móvel, pois depende da data festiva de Pentecostes.

Em Mariana, a festa tradicional, provavelmente iniciou no século XVIII e até hoje é uma das mais concorridas na cidade, trazendo os componentes da fé, beleza e história. Ocorre na cidade e em alguns distritos. Na sede do município a comunidade católica, através da Confraria do Divino Espirito Santo, responsável pela organização da festividade, celebra a Festa do Divino, com novena, missas, cortejo e outros ritos que remontam aos tempos coloniais. O evento acontece no centro histórico de Mariana, na Praça Minas Gerais, e na Igreja da Arquiconfraria de São Francisco dos Cordões, na rua Dom Silvério.

Nessa igreja, mais conhecida com Igreja da Confraria, os féis participaram da novena e de vários festejos que antecedem o Domingo de Pentecostes.

No sábado é realizada a Festa da Bandeira do Divino e o tradicional Encontro de Congados de Mariana, uma festividade cultural com a participação dezenas de grupos de congados de várias cidades mineiras como Mariana, Ouro Preto, Conselheiro Lafaiete, São João Del Rei, Santa Barbara e Congonhas, entre outras. Na tarde do sábado os grupos se apresentam na Praça Minas Gerais, toda enfeitada com motivos da festa. Com a chegada da noite inicia -se o Cortejo Luminoso da Bandeira do Divino, formada pelo Imperador do Divino e sua corte além de membros da Confraria do Divino Espirito Santo, devidamente paramentados. A batidas dos tambores e os cânticos dos grupos de congados dão ritmo à procissão.

A Rua Dom Silvério, que liga a Praça Minas Gerais à igreja da Confraria, é toda enfeitada com estandartes, bandeirolas e lanternas de bambu para iluminar a passagem da procissão. As sacadas e janelas dos casarões coloniais são decoradas com flores e toalhas vermelhas e brancas. O Alferes da Bandeira, junto com outros membros da Confraria do Divino Espírito Santos escoltam a Bandeira do Divino da Praça Minas Gerais até a Igreja da Confraria. A bandeira entra na igreja acompanhada pelos grupos de Congado, é reverenciada por todos e colocada no altar. Nesta parte do evento não há participação de padres os de membros do clero.

Os grupos de congado se retiraram da Igreja e ocorre a parte litúrgica do último dia da Novena. Após a novena, no adro da Igreja da Confraria, os Confrades do Divino, liderados pelo Mordomo do Mastro da Bandeira, erguem a bandeira com o Mastro em frente à Igreja. “Reza a lenda que a bandeira roda no mastro e para a direção que ela apontar será de onde virá o novo Imperador do Divino” diz Rhelman Queiroz, Imperador do Divino em 1998. Após o levantamento do Mastro da Bandeira, como a tradição manda, há um tradicional leilão e retreta executada por uma das corporações musicais de Mariana para abrilhantar a festa. Quitutes e guloseimas são vendidos em prol de uma ação de caridade.

No Domingo de Pentecostes, desde as primeiras horas da manhã, um grupo de Confrades do Divino Espirito Santos, vestindo terno e com suas opas e capas, organizam a procissão do Divino Espirito Santo – Cortejo do Imperador, na Praça Minas Gerais. Anjos, pajens e todos os confrades do Divino são posicionados em uma grande procissão, guiada pelo Imperador e sua corte, até a Igreja da Confraria. Desta vez a Rua Dom Silvério é enfeitada com tapetes de serragem, como manda a tradição.

O novo Imperador que vai ser coroado vai à frente do cortejo sem coroa e o antigo imperador se posiciona no final da Procissão levando a coroa que vai ser usada na Missa de Pentecostes e coroação do novo Imperador. Antes do Início da missa Festiva de Pentecostes é sorteado o Imperador e toda sua corte.

Na missa solene, há a tradicional Benção de Pães e Medalhas do Divino para distribuição aos fiéis e a Coroação do Imperador. Após a Missa, no adro da Igreja da Arquiconfraria, uma grande retreta faz a congregação festiva dos participantes.

A tradicional Festa do Divino Espirito Santo, em Mariana, reúne elementos da tradição católica, das tradições afro-brasileira, sincretismo religioso, fé, participação popular e devoção.  A dedicação de confrades e pessoas comuns para que a festa se realize, mostra que a cultura secular do povo mineiro, ainda, encontra raízes fortes em Mariana.

Rua Dom Viçoso, 232 – Centro – Mariana/MG