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A associação de torcedores de futebol em protestos recentes no Brasil causou espanto. Alguns se mostraram atônitos, não entenderam ou simplesmente tentaram transformá-los em vilões no contexto. A verdade é que durante décadas, cenas de violência em estádios fizeram esquerda e direita ignorarem a relação potente entre futebol, multidões e protestos de rua. As torcidas antifascistas são um importante fenômeno urbano que une uma performance distante das manifestações tradicionais de atos públicos. Parte das organizadas mais antigas são oriundas de outro movimento e vieram junto, o que torna tudo mais complexo e interessante de prestar atenção.
No Brasil, limitam a ideia de torcidas a confusões, mas vai muito além disso e elas têm muitas caras. Na ausência do futebol, devido à pandemia de Covid-19, as torcidas organizadas buscaram formas de atuar em meio ao cenário caótico do país. Ações solidárias, com doação de cestas básicas a famílias carentes e distribuição de máscaras, fizeram parte do cotidiano das organizações.
As Torcidas Jovens, modelo comum por muitas capitais do país, começaram a se popularizar nos anos 60, reinventando uma noção de torcida organizada que já existia no país desde décadas. Queriam cantar com palavrão, usar outro tipo de ritmo e camisas. O fenômeno é muito complexo e regional, mas a política sempre esteve ali.
A Torcida Jovem do Flamengo, muitas vezes presente em noticiários apenas relacionada a confusões, chegou a trazer bandeiras com ícones de movimentos sociais e políticos. Em São Paulo, a coisa acabou se desenvolvendo de maneira mais organizada ao longo dos anos. Torcidas tornaram-se fortes entidades culturais e até Escolas de Samba, como a Mancha e Gaviões. As mesmas transcenderam o futebol e passaram a fazer parte dos desfiles do Carnaval. Todas elas sempre se organizaram em ações sociais, doações e trabalhos de periferia. Muitas delas, nos anos 80, estiveram em atos das Diretas ou pró-democracia, ao passo que protagonizavam cenas icônicas nas ruas.
Não esqueçamos que Porto Alegre e Belo Horizonte também tiveram atos numerosos contra a barbárie com a presença de torcedores organizados.
Enquanto essas relações sucediam no país do futebol, o esporte ia se popularizando pelo mundo. Novos grupos e modos de torcer se misturavam com a política. Em 2011, no estouro da Primavera Árabe, vários grupos de torcedores de clubes do Egito estiveram nas ruas em protestos contra o governo, derrubaram líderes e foram perseguidos nos anos seguintes. Na Europa, o século XX foi ficando para trás, o dinheiro entrando cada vez mais no futebol e alguns desses grupos passaram a agir em militância contra a subserviência do jogo à vontade de patrocinadores. Esse ano, antes e durante a pandemia, torcidas alemãs protestaram contra entradas de ingressos, horários de jogos e a volta precoce das partidas na liga, por exemplo.
São cenários complexos e muito diversos, mas é importante deixar claro que as torcidas de futebol normalmente carregam um público muito diferente do acostumado a frequentar atos políticos progressistas presentes em DCE’s de faculdades ou sindicatos. Neste sentido, num país que tenta conscientizar a população a sair da bolha e entender-se enquanto classe popular precarizada por minorias, as torcidas acabam tornando-se importantes ferramentas de difusão de discursos.
Uma coisa é certa: enquanto grupos de ultradireita destilam preconceitos contra grupos da esquerda tradicional ou universitária, as torcidas destoam de todos esses na maneira de cantar, resistir, ocupar as ruas e causam muito mais preocupação nos direitistas no momento do ato, deixando velhas senhoras “reaças” completamente atormentadas sem entender o que estão vendo ali.
O futebol é do povo, e o povo nada tem a perder com a luta senão suas correntes. Como diria a frase, famosa entre aqueles e aquelas que lutam por um futebol popular, “paz nos estádios e guerra aos senhores”!
[Com informações do pesquisador Victor Bellart]
João Vitor Nunes, 23 anos, é jornalista no Jornal Tribuna do Leste e Rádio Manhuaçu, criador do twitter.com/lacancha_fc