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Vos convido para uma viagem no tempo. O ano? 1469. Trinta e um anos antes de o Brasil ser descoberto por Pedro Alvares Cabral. Nesse ano, nascia, em uma casa próxima à capela de Nossa Senhora das Salvas – que fica em Sines, um dos poucos portos portugueses localizados na costa do Alentejo, povoado por pescadores – um menino que, num futuro não tão distante, tornar-se-ia um dos maiores navegadores e exploradores portugueses. Seu nome? Vasco da Gama.
Uma das cantigas de um samba enredo da Escola de Samba do Rio Unidos da Tijuca diz: “Através da mão divina, eu naveguei”. De fato, Vasco o fez. Na sua expedição mais famosa, descobriu e navegou pela rota que leva à costa ocidental da Europa até a cidade de Calecute, na Índia, contornando o Continente Africano pelo Oceano Atlântico. Ao todo, a viagem durou 794 dias (ou dois anos, dois meses e dois dias). No início as frotas contavam com 148 homens, mas apenas 55 retornaram a Portugal. De qualquer maneira, Vasco conseguiu completar um plano que levou 80 anos para ser concluído e, com isso, recebeu o título de Almirante-Mor dos Mares das Índias. Um gigante das águas que se fez imortal.
Avançando em nossa viagem no tempo, chegamos agora a 1898. O Rio de Janeiro – ou Estado da Guanabara – possuía o título de República dos Estados Unidos do Brasil, o equivalente, atualmente, à “capital do Brasil”. Como os laços da Coroa Portuguesa com o Brasil ainda eram fortíssimos, muitos portugueses optaram pelo solo brasileiro, mais precisamente pelo Rio de Janeiro.
Eis, então, que 62 idealistas brasileiros e portugueses decidem criar um Clube para figurar, à época, nos campeonatos de Remo e Regatas. Reunidos no salão de um sobrado, na rua da Saúde, número 293 (atual rua Sacadura Cabral, número 345), criaram o Clube de Regatas Vasco da Gama – em homenagem ao IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para as Índias – e que celebra o navegante em seu hino: “Tu tens o nome do heroico português, Vasco da Gama sua fama assim se fez.”
E que fama. O Vasco se filiou à União de Regatas e estreou no dia 4 de junho de 1899. A primeira vitória da equipe se deu, pela primeira vez, numa competição. As histórias de lutas, glórias e vitórias começava bem na Enseada de Botafogo. Depois do time de remo, vieram a ginástica, o tiro esportivo, a natação, o atletismo, a esgrima, o polo aquático, a luta greco-romana e, por fim, o futebol, iniciado em 26 de novembro de 1915.
A primeira vitória do time de futebol do Vasco veio em 1916. O Primeiro título em 1922. Em 1923, disputando a elite do futebol carioca, o clube deu vida aos chamados “camisas negras”, com uniforme parecido com o da Ordem de Cristo, com uma cruz de malta vermelha do lado esquerdo do peito. O clube conquistou o campeonato com uma sequência de onze vitórias, dois empates e apenas uma derrota.
Nos dois anos seguintes o Vasco enfrentou como um verdadeiro gigante a maior batalha de sua história. Conhecido como “A Resposta Histórica”, o conflito ocorreu porque, após o Vasco ter sido campeão em 1923 com um time composto por negros e operários da época, clubes como Flamengo e Fluminense, impediram o cruzmaltino de participar do campeonato de 1924, alegando que os jogadores não eram “profissionais” – pois eram negros e além de atletas, trabalhavam como operários -, e que o clube não possuía um estádio próprio.
Sendo assim, o Vasco disputou os campeonatos menores de 1924, e voltou em 1925 com uma carta assumindo seus jogadores e repudiando qualquer tipo de racismo ou preconceito dentro do futebol. A partir deste dia, podemos ter, no Brasil, Pelés com habilidades de outro mundo, Garrinchas desfilando os maiores dribles vistos, Didis, Romários e outros tantos gênios brasileiros formados nos anos que viriam.
Em 1927, como parte da épica resposta carregada de orgulho, o então presidente da República, Washington Luís, e todos os outros “brancos da elite”, depararam-se com o maior Estádio da América Latina: nascia ali São Januário, construído pelas mãos dos próprios torcedores vascaínos. Era a real representação do Clube do Povo. O estádio permaneceu sendo o maior da América Latina até 1940 e foi palco de diversas festas cívicas, dentre elas aquela que marcou a assinatura das leis trabalhistas (que constituem a CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943) por Getúlio Vargas.
Com os passar dos anos, Vavá, Barbosa, Garrincha, Tostão, Bellini, Roberto Dinamite, Sorato, Edmundo, Romário, Juninho Pernambucano, Juninho Paulista, Pedrinho, Felipe e outros tantos já vestiram a Cruz de Malta. Torneio internacional de Paris, copa Mercosul, copa libertadores da América, campeonato brasileiro, copa do Brasil são alguns dos títulos importantes já conquistados. O Clube de Regatas Vasco da Gama ficou mundialmente conhecido graças à viagem do grande navegador. Um mar de descobertas e culturas.
A viagem no tempo está chegando ao fim. Estamos no ano de 1995. “Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”. Naquele ano nascia, no extinto Hospital Santa Rosa, em Niterói, mais um vascaíno. Filho de Marcelo Freitas e neto de Edson Freitas, ambos torcedores do cruzmaltino, o menino Lucas já trazia as cores preto, branco e vermelho no sangue. Criado no futebol por Anselmo Santos, flamenguista de peito aberto, e Fernando Almeida (carinhosamente apelidado de ÔÔ por viver cantando a canção “Vascão ôô, vascão ôô”), o menino escolheu (ou foi escolhido) pelo clube português.
No final da década de 90 e início dos anos 2000 o Vasco viveu sua era de ouro, tendo sido coroado com o título da Libertadores da América, maior competição das Américas, no ano de seu centenário. Conquistou dois campeonatos brasileiros e surpreendeu a todos com a virada mais bonita da história no alvorecer do novo século. Carregado de histórias emocionantes, muitas glórias e desafios, o Vasco é, para seu torcedor, um time quase divino, a despeito das dificuldades que marcam todas as equipes de futebol de tempos em tempos.
Uma viagem só é boa quando rende boas histórias – e disso o Vasco pode se orgulhar. O navegador Vasco da Gama, para estar no ranking dos lendários, chegou a perder mais de cem homens em alto mar. O clube, por sua vez, não deixou ninguém para trás. Ao contrário: em jogadas de mestre, caminhou sempre junto, não importando raça, credo, religião ou situação financeira. Que honra ser. Saiba, sou vascaíno. Muito prazer!
(*) Lucas Santos é jornalista, graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A crônica “O viajante” foi originalmente publicada no livro “Além das Quatro Linhas“, escrito como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo.