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Em audiência realizada na tarde desta terça-feira (9), no Fórum da Comarca de Mariana, a Dra. Marcela Oliveira Decat de Moura, Juíza de Direito de 2ª Vara da Comarca de Mariana, abriu prazo de três dias para análise e manifestação do Promotor de Justiça, Dr. Guilherme de Sá Meneghin, a respeito das informações apresentadas pela administração municipal e incorporadas à Ação Civil Pública de Defesa do Direito à Saúde, proposta no dia 3 de junho.
Na ação, Guilherme Meneghin informa ter instaurado o procedimento administrativo nº 0400.20.000100-8 para “para fiscalizar as ações dos municípios da Comarca de Mariana no que tange à pandemia do novo Coronavírus (Covid-19 ou SARS-CoV-2)” e que, desde o dia 18 de março, a Promotoria de Justiça local vem recebendo “diversas manifestações realizadas na Ouvidoria do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG)” relacionadas à situação da pandemia em Mariana. Também relata ter expedido a “Recomendação n. 02/2020 para orientar os agentes públicos municipais nas instâncias essenciais de contenção da pandemia”.
Mais adiante o Promotor de Justiça apresenta dados extraídos dos boletins oficiais do Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde – COVID-19 relativamente à evolução dos casos confirmados e das mortes ocorridas no município, entre 2 de abril e 31 de maio. Para Meneghin, “07 óbitos até o dia 01/06/2020 causam a ilusão de que a marca é pequena em vista dos mais de 30 mil mortos no Brasil, porém o Município de Mariana possui 60.142 habitantes, ou seja, a taxa de mortalidade é exorbitante, posto que bem superior à média estadual, nacional e mundial”. Também apresenta uma comparação entre os números observados em Mariana, em Minas Gerais, e no Brasil. “O dado mais assustador é a taxa de mortandade (ou mortalidade), pois em Mariana alcança a incrível cifra de 116,39 [14,2 no Brasil e 1,3 em Minas Gerais]. Inviável fazer um estudo comparativo com todos os municípios brasileiros, mas o bom senso e os dados nacionais/estaduais asseguram que está entre os maiores índices do país”, afirma.
Em suas considerações, Guilherme Meneghin atribui esse índice a vários fatores, entre eles “a incapacidade do Município de Mariana de prover pronto e adequado tratamento de saúde às pessoas infectadas”, afirmando que, mesmo sendo “um dos municípios mais ricos de Minas Gerais, em referência à receita e sua população, a cidade não possui Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e depende da Santa Casa da Misericórdia de Ouro Preto para tal finalidade”. Ainda relaciona os valores arrecadados pelo município no período 2016/2019, totalizando pouco mais de R$ 1 bilhão de reais, ressaltando alguns graves problemas da cidade, como a falta de infraestrutura adequada e de hospital próprio com UTI; o alto número de ”invasões irregulares”, o índice de homicídios superior aos dos municípios próximos e a inexistência de estação de tratamento de esgoto. “É uma verdadeira humilhação aos marianenses que nada tem a ver com a incompetência de décadas seguidas de (ir)responsáveis pela municipalidade e que tampouco foi corrigida nos últimos anos”, aponta o Promotor de Justiça.
Mencionando a coincidência entre a flexibilização do funcionamento do comércio (autorizada no primeiro dia de junho) e a confirmação da oitava morte pela Covid-19, Meneghin afirma que a “flexibilização do comércio foi precipitada e prescindiu-se da estruturação do sistema de saúde local, que ainda não conta com leitos de UTI no próprio município e tampouco testes rápidos disponíveis para toda a população”.
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Depois dessas considerações, argumentando que as medidas adotadas pelo Município de Mariana mostraram-se ineficazes na contenção da contaminação e foram determinantes para a elevada mortandade, o Promotor de Justiça elenca os fundamentos legais em que se baseia a Ação Civil Pública, entre eles a legitimidade passiva e o direito constitucional à saúde face à pandemia de Covid 19, para declarar ser “imprescindível o fechamento de todas as atividades não essenciais no município”.
Na parte final do documento encaminhado à Dra. Marcela Decat, foram apresentados vários pedidos, todos com estabelecimento de multa de R$ 10 mil por dia de atraso ou caso desrespeitado de ação específica de testagem, sem prejuízo de outras medidas punitivas.
As principais medidas solicitadas na ação civil pública referem-se:
– à aquisição e aplicação massiva de testes rápidos para toda a população, no prazo de 30 dias;
– ao fechamento de todas as atividades não essenciais, segundo os critérios definidos pelo Governo Federal, no prazo de 24h, com a manutenção de fiscalização efetiva;
– à disponibilização de mais 20 leitos de UTI, seja mediante instalação nas unidades de saúde locais ou através de convênios com outros municípios e instituições de saúde, no prazo de 05 dias.
O Promotor de Justiça solicitou ainda que o município seja obrigado ao cumprimento integral da Deliberação 17 do Comitê Extraordinário Covid-19 do Estado de Minas Gerais, no prazo de 05 dias; à aplicação de testes conclusivos em todas as pessoas que já tiveram resultado positivo para o Covid-19 e a fornecer os equipamentos de proteção à saúde para todos os servidores públicos, no prazo de 05 dias.
Guilherme Meneghin ainda pede que seja determinada a obrigação de “construção de hospital em Mariana com capacidade para 20 UTI’s ou mais, no prazo de 12 meses, sob pena de multa de R$10.000,00 por dia de atraso e sem prejuízo de outras medidas coercivas, nomeadamente o bloqueio de verbas públicas e a inserção compulsória na lei orçamentária anual” e pagamento de “indenização pelos danos morais coletivos, tendo em vista a efetiva reconstituição dos bens lesados, conforme Lei Federal 7.347/1985, cujo valor não inferior a R$1.000.000,00 deverá ser arbitrado judicialmente e destinado às ações e serviços de saúde do Município de Mariana”.
Em contato telefônico com Duarte Júnior, Prefeito de Mariana, nossa reportagem apurou que a administração municipal se mostra tranquila em relação às medidas adotadas e às informações encaminhadas à Dra. Marcela Decat. “Debatemos vários pontos, conversamos sobre vários assuntos e ele [Promotor] pediu um prazo para analisar o que encaminhamos. Tudo documentado. Aí a Juíza vai marcar uma última [audiência] para tentar ou entrar em acordo, ou ela definir”, declarou Duarte, referindo-se aos acontecimentos da tarde desta terça (9).
Em relação às UTI’s o prefeito disse ter relatado as ações de instalação de novos leitos via consórcio regional de saúde, afirmando que a taxa média de ocupação dos 10 leitos exclusivos para pacientes contaminados pela Covid-19 está em 10%. “Em relação à construção do hospital com UTI em 12 meses, explicamos que isso é uma obrigação tripartite. É obrigação do Estado, do Governo Federal e do município”, esclareceu Duarte.
Ressaltando que, assim como o Promotor, ele também está preocupado com o número elevado de mortes, Duarte afirmou que o fato não está relacionado a problemas de falta de leitos, inclusive porque o hospital de campanha nem está sendo utilizado. “As três ambulâncias adaptadas para UTI até hoje não foram utilizadas para isso [atendimento a pacientes da Covid-19] mas estão atendendo às necessidades de uma forma geral, funcionando 24h”, destacou.
Em relação à testagem massiva pedida na ação, o prefeito afirmou que já foram feitos quase 10 mil testes e que o número de testes disponíveis vai dobrar nos próximos dias: “Mas nós vamos por etapas, porque não temos recursos para o teste total da população. Mas existe um pedido de um recurso para atingir toda a população, que depende de decisão da Dra. Marcela”.
O prefeito também mencionou a questão de fazer novos testes das pessoas que tiveram resultado positivo anteriormente. “A gente é a favor de fazer testagem naqueles locais onde tem sério risco. Por exemplo, no asilo já testamos e vamos testar de novo. Hemodiálise, já testamos e daqui a pouco temos que testar de novo, porque o risco é maior”, afirmou. E também mencionou que, embora o município tenha arrecadado R$ 1 bilhão em quatro anos, a despesa fixa do município é muito alta.
Em relação ao fechamento do comércio, Duarte afirma que os estabelecimentos existentes em Mariana não causam aglomeração de pessoas e que, em termos de atividades essenciais, o último decreto do Governo Federal flexibilizou praticamente tudo. “O Governo Federal fala que igreja é essencial, fala que tudo é essencial. Sabe o que o decreto federal considera não essencial? Se for adotar esse critério, em Mariana vai ficar fechado sapataria e loja de roupa. O resto vai abrir tudo”, finalizou.
A Agência Primaz de Comunicação tentou contato com o Dr. Guilherme de Sá Meneghin, via mensagens de texto e voz, desde a tarde desta terça (9) para obter esclarecimentos sobre a ação civil pública e a respeito das informações prestadas pela Prefeitura de Mariana, mas não houve retorno. Informações colhidas junto ao Hospital Monsenhor Horta revelam que dois leitos de isolamento, dos 10 disponíveis, estão ocupados nesta quarta-feira (10) por pacientes da Covid-19, em condições estáveis. No último boletim divulgado pela Secretaria de Saúde cinco pacientes com resultado positivo do coronavírus estão internados, mas não conseguimos descobrir o local de internação de três deles, uma vez que os questionamentos encaminhados à Secretaria de Saúde e à Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto não foram respondidos até o momento de publicação desta matéria.