Não vi o senhorzinho na varanda hoje

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

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Não vejo o senhorzinho na varanda. Talvez esteja doente, isolado de tudo. Nada de grave aconteceu. Sua esposa noticiou. Faz calor, frio, chove, estia. Perdi detalhes poéticos da manhã. Gritos constantes de crianças. Escolas vazias, casas cheias. Mãe perde paciência com filho. Falo alto para pararem de bater no guri. Não está sendo fácil. E quem disse que seria? Professor, escola e colegas fazem uma falta danada nas atividades diárias. Saúde emocional anda enfraquecida. Nunca presenciei tanta briga, cizânia e transtornos. Não estou também livre desse desarranjo. Queria ser pássaro, bater asas sem rumo. A palavra liberta, a oração acalma, a meditação tranquiliza a alma. Avisei que não teríamos dias fáceis. Escrevi que pior poderia ficar. Mas além do caminho pedregoso há sóis quentes e céus azuis. Cabeça fria, leitura em ação, tecnologia a nos tirar do isolamento e do ostracismo. Pelejas políticas seguem, minimizando esperanças. Quantas ações insanas de líderes, ovacionadas e replicadas por seguidores. Estas frases: ex-fascista, ex-feminista, ex-isso, ex-aquilo, enchem o saco da gente! Rasgar a roupa ou exibir parte íntima do corpo, em praça pública, é nonsense em ato sem causa subsidiada. Todo radicalismo é burro, inconsequente e ofensivo. Minha alma anda é fadigada das barbaridades diárias. Esquerda e direita se digladiam. Ninguém entende bulhufas de ciência, cultura e educação. Apedrejam Maria, José, fulano e beltrano sem direito a defesa. Música liberta sandices. Admiro vídeo com crianças dançando com saltos, giros, rodopios, rolamentos; deslizando sob o palco. Parecem plumas. Quisera ser pena, penacho para adornar as vielas solitárias. Quisera ser água para limpar o fio de sangue rolando das ferragens do carro capotado. Quisera ser máquina do tempo, para dar outro destino às vítimas do acidente de trânsito. Minha alma pairou na tristeza ao ver um menino chorando. Choveu quase nada. Frio vem aos poucos. Contas para pagar são pontuais na caixa do correio. Desgosto pela bicicleta elétrica. Tédio é pedalar sem sair do lugar, sentado na parafernália! Olho para a parede. Obedeço a solicitação médica. Protuberância abdominal, visível a metros de distância. Remendo texto, fragmentando pedaços de conquistas e perdas. Preparo vídeos para aulas remotas. Leitura é emplastro para dores. Sujeito chato aquele que envia mensagens endeusando políticos. Não fui criada para convencer o outro de que minhas opiniões ou argumentos são melhores que as dos outros. Ser plural é ato de liberdade. Se o mundo fosse só vire à esquerda ou à direita, o que seria do siga em frente ou retorne? Eu não aguentaria comer só jiló com abobrinha. Inescapável a cena de quem se importa com o outro: guri empurra um curioso que insiste em tirar fotos dos corpos. Dois adultos afastam o paparazzi. Pessoas se aglomeram na cena do acidente. Virei o rosto. Minhas pupilas são sentimentais, sensíveis. Ando procurando sombras para dias de sóis escaldantes. O inferno é terrivelmente quente, ferve e frita o outro. Pregam evangelização, procuro práticas concretas com o semelhante. Quem nasce bom não precisa de pregação ou discurso de sedução. Vaso ruim quebra com o tempo. Não vou escrever uma linha sobre o presidente e seus ministros! O céu escureceu. Não vi o senhorzinho, hoje. Amanhã, talvez este detalhe poético apareça na varanda…

(*) Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura pela UFV e autora de 16 livros; Membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Presidente da ALACIB-Mariana

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