Pandemia e mensalidades escolares

Há um direito do consumidor a ter um desconto pelo fato de o ensino estar sendo realizado de forma online?

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

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A pandemia de COVID 19, a despeito dos embates envolvendo as opiniões ideológicas, resultou em inequívocos impactos nas relações de consumo.

Sim, com um maior ou menor impacto nas nossas vidas, todos nós consumidores estamos sentindo os efeitos diretos ou indiretos advindos do afastamento social, imposto pelas medidas de prevenção e controle da COVID 19.

Dificuldades de acesso a determinados serviços, aumentos de preços, suspensão de atendimentos presenciais, dificuldade de pagamento de empréstimos, dentre tantos outros são, infelizmente, exemplos presentes no dia a dia dos consumidores.

Dentre os “problemas de consumo” ocasionados pela pandemia, um, em especial, ganhou um significativo destaque nas redes sociais. A alteração temporária do modelo de ensino presencial para o modelo de ensino online.

Como existem especificidades próprias em cada um dos níveis de ensino, para fins de esclarecimento, esta coluna fará uma abordagem sob a perspectiva do ensino médio.

Sem entrar em discussões mais profundas acerca da metodologia, não por serem menos importantes, mas pelo fato de demandar uma abordagem mais alongada – e que podemos fazer em outro momento – vou adotar como educação online, para fins do conteúdo desta coluna, a metodologia de ensino em que aluno e professor não estão fisicamente presentes no mesmo espaço de ensino. Mas que, a partir da utilização de ferramentas tecnológicas, permite o desenvolvimento de atividades educacionais (aulas, correção de exercícios, avaliações, dentre outras) de forma síncrona (em que professor e aluno estão em contato online e ao vivo no momento da atividade educacional) ou assíncronas (quando a relação do aluno com a atividades educacionais ocorre online mas sem a participação ao vivo do professor).

Trata-se, portanto, de uma forma de planejar, desenvolver e executar as atividades de formação e aprendizado escolar muito diferente daquela que tradicionalmente é adotada no chamo ensino presencial.

E é aí que começam a surgir as dúvidas dos consumidores.

A principal delas, e que espero conseguir auxiliar no seu esclarecimento, é a seguinte: considerando que o consumidor realizou um contrato de prestação de serviços educacionais para a oferta de aulas presenciais de ensino médio, ao ocorrer a substituição para a modalidade online o consumidor passa a ter algum direito a receber um desconto, pelo fato de que não estar recebendo o mesmo serviço que foi originalmente contratado?

Para responder a esta pergunta é necessário, primeiro, abordarmos algumas questões preliminares.

A primeira delas diz respeito ao fato de que a alteração da modalidade de ensino não foi uma decisão arbitrária e, portanto, não decorreu de uma simples escolha das escolas particulares. Trata-se de uma recomendação e, em muitos casos, até mesmo da determinação de que as atividades escolares presenciais fossem suspensas, devido ao risco acrescido de contaminação no ambiente escolar.

Por outro lado, o ano letivo do ensino médio não foi suspenso, ou seja, o período definido para a realização das atividades escolares foi mantido. Motivo pelo qual, houve uma automática migração do ensino presencial para o ensino online.

Tratou-se, portanto, de uma medida que acabou por ser imposta por aspectos externos às partes envolvidas, no caso, consumidores e escolas particulares.

O segundo ponto que merece destaque diz respeito à forma de apuramento da mensalidade escolar.

A mensalidade escolar, ainda que seja objeto de pagamento mensal, representa uma parcela do custo anual ou semestral do serviço prestado pela escola.

Essa informação é importante, pois é muito comum o consumidor imaginar que o custo do serviço está sendo apurado mês a mês, quando na verdade esse custo representa uma parcela de pagamento, cujo valor global já foi definido previamente.

E é aqui que está o “X” da questão.

Uma eventual discussão envolvendo o direito ao desconto na mensalidade passa pela planilha de custo que serviu de base para a definição da mensalidade, ainda no início do ano de 2020.

O fato da modalidade de ensino ter sido alterada de presencial para online não significa, por si só, uma diminuição dos custos e encargos que foram considerados pelas escolas, no momento de determinação do valor anual do serviço educacional que seria prestado. Portanto, é preciso avaliar em cada situação em concreto, como o prestador do serviço educacional se comportou em relação aos custos previstos no momento da contratação.

As escolas, em muitos casos, estão mantendo o pagamento integral dos professores e demais empregados, tiveram que contratar capacitação de professores, plataformas de interação entre professores e alunos, de acessos aos conteúdos das aulas, dentre tantas outras estruturas que se fizeram necessárias para a manutenção do padrão de qualidade fundamental para a realização de atividades de ensino online.

É verdade que esses custos não estavam previstos quando o valor da mensalidade foi estabelecido, porém, representam encargos que, nos termos da chamada Lei das mensalidades escolares – Lei 9.870/1999 – podem ser levados em consideração ao longo do ano e, sendo o caso, serem até mesmo incorporados ao valor inicialmente ajustado.

Mas isso quer dizer que o consumidor não tem direito a nada, mesmo ocorrendo a mudança do ensino presencial para o ensino online?

Não é isso, pelo contrário. O consumidor tem importantes direitos nestes casos.

Como dito anteriormente, o “X” da questão é a planilha de custos.

Independentemente dos custos globais terem aumentado ou diminuído, cabe às partes encontrarem uma alternativa capaz de harmonizar os interesses envolvidos. No caso de aumento, a possibilidade de postergar eventual acréscimo da mensalidade para o próximo ano letivo, ou, no caso de redução dos custos da escola, a oferta de descontos neste momento ou aquando de um novo ano letivo.

Mas essa solução, é bom frisar, depende do diálogo, empatia e reciprocidade que devem ser estabelecidos entre os sujeitos de uma relação de consumo.

Neste momento, escola e consumidor não estão em lados opostos, devem, de fato, perceber que as necessidades de um não são conflitantes com as necessidades do outro, mas sim, que se entrelaçam para garantir o objetivo do contrato: a prestação de serviços educacionais capazes de contribuir para a formação dos alunos.

O consumidor tem garantido pelo Código de Defesa do Consumidor o direito de informação, e é com base nele que poderá solicitar que a escola apresente a planilha de custo, que deverá levar em consideração os impactos financeiros ocasionados pelas medidas destinadas à implementação de tecnologias, para a execução dos serviços educacionais de forma online.

Por exemplo, suponhamos que uma determinada escola tenha aderido ao programa do governo federal que permitiu a redução temporária de salários dos seus funcionários. Nesta hipótese, certamente constará da planilha atualizada uma redução significativa – ainda que temporária – dos custos inicialmente considerados para a definição do valor global do serviço. Com efeito, esta situação pode ser considerada para fins do consumidor pleitear, ainda que temporariamente, uma readequação do valor da mensalidade.

Ainda, é fundamental o consumidor compreender a importância da manutenção da qualidade metodológica, do processo de participação dos docentes, da interação com os alunos, da capacidade de garantir uma proximidade pedagógica mesmo estando on line, dentre outros, como fatores determinantes para a percepção de que o serviço educacional está sendo prestado com a qualidade esperada no momento da contratação.

De fato, nesta questão, é dever das escolas fornecerem conteúdos e adotarem tecnologias capazes de permitir a manutenção do processo de aprendizado, sob pena de, a depender das circunstâncias do caso concreto, incorrem no descumprimento do contrato de prestação de serviços educacionais.

É isso aí, até a próxima. E não se esqueçam, somos todos consumidores.

(*) Felipe Comarela Milanez é professor do curso de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e coordenador do Núcleo de Direito do Consumidor da UFOP.

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