Cartas pra Mãe - Já te contei a história da Inês?

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Mãe,

Já te contei a história da Inês?

Inês nasceu em um dos povoados mais pobres da Bolívia e foi, como muitos bolivianos, tentar uma vida melhor em Buenos Aires. Parte do pouco que ganha é, desde sempre, para a mãe, Dona Nanci.

Os irmãos de Inês também seguiram outros rumos. Alguns moram na capital, outros trabalham longe, extraindo coca. Fato é que Dona Nanci vive sozinha em uma casa, escassa até de vizinhos.

Dona Nanci não sabe, mas mora também em uma foto amarelada que Inês carrega consigo aonde quer que vá. Há algum tempo, encontrei Inês com os olhos vermelhos, iguais aos da senhora quando se emociona por alguma coisa, sabe, Mãe?!

Ela me disse que era choro, mas de alegria. Oito anos depois, Inês conseguiu ver e ouvir a sua mãe. Ela se assustou com o profundo das rugas no rosto. “Mas a minha velha ainda trabalha de sol a sol”, disse, orgulhosa.

Uma prima, que é um pouco melhor de recursos, foi visitar Dona Nanci. Ligou a câmera do celular e, desse jeito, fez com que ela visse de novo a filha – e conhecesse a terceira neta. Daí, o choro de Inês.

A senhora deve estar pensando por que Inês não vai ver a mãe pessoalmente, num é?

Para ir de Buenos Aires até o povoado da mãe, lá na Bolívia, Inês demora oito dias. Já foi algumas vezes, depois de juntar o ano todo para a passagem do ônibus. Mas a família de Inês cresceu, agora são quatro filhos. Não dá para pagar a passagem de todos.

Até que podia ir sozinha, pensa, mas os meninos ainda são pequenos e é ausência demais no trabalho. Qual patrão aguenta, né, Mãe?

 

Hoje, grande parte do mundo está longe dos seus. Fronteiras fechadas, ônibus parados e, claro, a necessidade de estar longe, principalmente dos mais velhos.

Quando essa pandemia acabar, muitos de nós teremos a sorte de fazer as malas e ir abraçar nossas saudades. Enquanto isso, ligamos a câmera, mandamos flores e bombons à distância.

Inês, no entanto, continuará sem poder visitar a sua mãe. Continuará com esse desejo doído de sentir o cheiro, de apertar a pele, de ver a casa que era sua e se sentir em um lar.

Como a dor dos outros nem sempre dói em nós, não há procura pela vacina contra a desigualdade. Essa cura não interessa a todo mundo.

Pois é, Mãe, matar a saudade também é um privilégio.

A benção de quem conta os dias,

J.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense

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