Após protesto, comerciantes descumprem decisão judicial e mantém atividades em Mariana
Decreto determina fechamento do comércio não essencial na cidade. Lojas permanecem abertas nesta quarta (22).
- Lui Pereira
- Marcelo Sena
- 22/07/2020 às 19h19
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“Queremos trabalhar!” Estas eram as principais palavras de ordem ditas pelos comerciantes que participaram de uma passeata realizada ontem (21), em Mariana. Organizada pela Associação Comercial, Empresarial, Industrial e Agropecuária de Mariana (ACIAM), a manifestação contra a decisão judicial obriga as cidades que não aderiram ao Minas Consciente, programa de retomada do governo estadual, a fecharem todos os comércios não essenciais e retrocederem à fase verde do programa.
Os manifestantes protestaram contra o fechamento do comércio em Mariana, depois da publicação de um decreto municipal. Na última segunda-feira (20), em cumprimento à decisão da juíza Marcela Decat, a Prefeitura de Mariana publicou o Decreto Nº 10.145 que suspende as atividades comerciais não essenciais na cidade.
Apesar da decisão judicial e do decreto, nossa reportagem constatou que boa parte do comércio na região central de Mariana continua operando normalmente.
Fechamento do comércio não essencial
O decreto 10.145, que suspende as atividades comerciais não essenciais em Mariana, considera a determinação do Colegiado da Corte do TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Tal decisão suspende todos os comércios não essenciais das cidades mineiras que estão fora do Programa Minas Consciente, como é o caso de Mariana.
Após a publicação do decreto, Amarildo Pereira, diretor da ACIAM, divulgou um vídeo nas redes sociais para convocar comerciantes para o ato de terça-feira. O objetivo central do ato foi reivindicar a suspensão da decisão judicial e do decreto que impedem o retorno imediato das atividades comerciais no município.
Manifestação
Na tarde desta terça-feira (21), comerciantes da cidade, em sua maioria trajados de preto, realizaram uma passeata contra o fechamento do comércio. Concentrados na Praça da Sé, os manifestantes seguiram em direção ao Centro de Convenções Alphonsus Guimarães onde permaneceram por cerca de 20 minutos, antes de contornar a prefeitura ao final da manifestação.
Os participantes portavam balões pretos e cartazes, nos quais era possível ler frases como: “fechar um comércio é matar um comerciante”, “luto pelo comércio” ou “não somos foco de transmissão do vírus”. Amarildo Pereira, gestor da ACIAM, afirmou que o protesto indica a união dos comerciantes e a indignação coletiva diante da decisão judicial. “O primeiro ponto a se destacar é a união dos empresários. É uma causa de todos e a ACIAM tem como premissa defender não somente os seus associados e, sim, todos os empresários de Mariana. Infelizmente também mostra o momento difícil que nós estamos passando. Se fosse um outro momento, talvez a gente não teria tanta gente”, disse o diretor.
Para Beatrine Cerqueira, proprietária de uma academia e uma das manifestantes, a atividade deveria ser liberada. “A falta de exercícios físicos tá deixando a galera doente, o crescimento das vendas de antidepressivos, de depressão, até taxa de suicídio aumentou. Esporte, atividade física é saúde, se você restringe o povo de ir, vai piorar a situação, então somos essenciais. Porque a gente é essencial e não pode trabalhar dentro do limite de segurança que eles impõem?”, questiona.
Especialistas da Texas Medical Association classificaram recentemente academias como risco 8 de uma escala entre 1 e 10 para o contágio da Covid-19. Questionada, Beatrine esclarece: “Pelo contrário, se você for na academia vai ver, está tudo demarcado, tem termômetro digital, tem álcool em gel, tem tudo disponível para todo mundo, todo mundo reduziu seu quadro de atendimento para atender seus alunos com segurança, mas nem analisaram”.
Paula Coelho, outra proprietária de academia completa: “Se tivessem analisado, veriam que é muito mais seguro que entrar em um supermercado, onde todo mundo coloca a mão em tudo e vão para casa, então não tem um parecer técnico que dê embasamento para a fala do Ministério Público”.
O vereador Juliano Duarte acompanhou a passeata e se diz a favorável às pautas dos manifestantes. “O comerciante está realmente preocupado em manter a sua empresa, em manter suas contas, em pagar seus funcionários, a não fechar as suas portas, por isso não concordamos com essa decisão de fechamento”, declarou.
Embora muitos participantes do ato de protesto estivessem de máscaras, a passeata causou aglomerações no centro de Mariana e, em diversos momentos, o distanciamento social recomendado não foi respeitado. Perguntado sobre, Amarildo Pereira minimizou as possibilidades de transmissão do coronavírus. “Nós estamos em um espaço aberto, ao ar livre e com sol. A gente já viu vários especialistas falando que esse é o melhor cenário para fazer esse tipo de manifestação. Eu acho que não estava diferente de um ônibus, de um supermercado. Estava bem diferente sim, para melhor, do que fila de banco”, argumentou o diretor da ACIAM.
Sob os gritos de “respeito”, o grupo prometia no ato descumprir a decisão judicial e manter a abertura de seus negócios. Em relação à promessa, o vereador Juliano esclarece: “É importante dizer que mesmo que nós não concordamos, uma decisão judicial tem que ser cumprida e será fiscalizada, então eu aconselho ao comerciante a não abrir as suas portas porque terá fiscalização. Inicialmente tem uma notificação, em caso de reincidência terá multas e possivelmente até a cassação do alvará. Então é muito importante, mesmo que o comerciante não concorde, que ele respeite essa decisão porque eu acredito que muito em breve ela vai cair porque o município vai recorrer.”
Sobre o possível descumprimento da decisão judicial por parte dos comerciantes, Amarildo Pereira afirmou que não pode incentivar os comércios a abrirem, mas entende as dificuldades enfrentadas pelos empresários. “Nós não podemos nem defender nem proibir nada porque somos só uma associação, mas entendemos que alguns empresários não suportam mais essa situação”, pontuou.
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Aberturas irregulares
Nesta quarta (22), nossa reportagem foi até a região central da cidade para avaliar a adesão dos comerciantes à decisão judicial. A maioria dos negócios, essenciais ou não, estavam abertos. Quem abriu, na maior parte dos casos, cumpria os protocolos próprios de segurança sanitária previamente aprovados como condição para reabertura até antes da decisão de segunda-feira.
Salões de beleza, floriculturas, lojas de presentes, decorações, roupas e calçados, restaurantes com serviço em mesas e outros segmentos não essenciais ignoraram a decisão judicial e permaneceram abertos.
Maria Aparecida Figueiredo, proprietária de uma loja de presentes, abriu seu comércio apesar da determinação judicial. A empresária se diz preocupada com a pandemia, mas afirma não ter condições de se manter com o negócio fechado. “Toda essa situação é muito difícil, mas tomo todos os cuidados. Temos álcool em gel à disposição, tapetes com desinfetantes e tudo aquilo que exigiram no plano de retomada”, afirmou.
Mesmo ciente da irregularidade Irani Alves abriu seu comércio. Ela possui uma loja de decoração e coloca a necessidade de pagar as contas como justificativa para permanecer em atividade. “Para nós que gerimos um negócio é muito complicado, tenho boletos vencidos há dois meses, tem o aluguel da loja, o aluguel da minha casa, eu tenho dois filhos e as despesas não param. Eu acredito que se a gente permanecer aberto e trabalhar com responsabilidade seria a solução”. Irani afirma que a redução do faturamento é próxima dos 70%, mas “o que entra pra gente já é uma glória, não é mil maravilhas não, mas ainda é melhor que nada”.
Sem vagas em UTIs
O boletim Covid-19 de hoje (22) da Santa Casa de Ouro Preto, hospital de referência para os casos graves de tratamento das infecções por Coronavírus demonstra uma taxa de ocupação de 100% dos leitos de UTI e 56,25% dos leitos clínicos. Caso haja necessidade de internação, o paciente pode ser transferido para Belo Horizonte, que registra uma taxa de ocupação de UTIs de 91%.
Como o estado de Minas Gerais enfrenta uma grande alta nas taxas de casos e mortes pela Covid-19, e não há mais leitos disponíveis na região, questionamos o vereador Juliano Duarte se é de fato o melhor momento para cogitar uma flexibilização do comércio. “Eu entendo que essa questão das UTIs que hoje se encontram em torno de 90% estão com uma taxa de ocupação sim, mas é importante dizer que nós ainda temos na cidade de Mariana leitos de UCI, que são unidades também de tratamento intensivo que ainda não foram utilizadas. Desde que se respeite todas as medidas de segurança do comércio e a testagem dos funcionários, não vejo problema algum na autorização e retorno dos comércios”, declarou.
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