Cartas pra Mãe - Domingo não vou chorar

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Mãe,

A senhora se lembra do medo que eu tinha de sair a cavalo com meu pai? Eu, criança, sacudindo num arreio feito à medida. Ele na frente, subindo e descendo os morros atrás de alguma criação. “Cerca o bezerro aí”, “Êta, moleza”, “Tá parecendo menina da cidade!”.

Minha égua, Brisa, não era a mais mansa do mundo: vez ou outra, saía em disparada comigo pela estrada, ia pro caminho reverso ou parava pra comer bem no meio do trajeto. Eu fingia que isso tudo era vontade minha, só pra não fazer feio.

Quando fui crescendo, as saídas a cavalo com meu pai foram diminuindo. Minha égua ficou velhinha. Faculdade. Amigos. Violão na praça. E as idas à roça já não aconteciam todo fim de semana.

A um tempo atrás, saímos os dois como antes. Era como se adivinhássemos que seria a última vez. Eu, já grande, me apertando no arreio pequeno. Ele, na frente: o cabresto numa mão e um cigarrinho de palha na outra.

Não conversamos nada pelo caminho. Apenas o segui. Quando chegamos na curva, ele parou e ficou olhando o rio. Eu também parei, torcendo para que a égua – que já não era a minha Brisa – ficasse quietinha atrás dele. Só pra não fazer feio.

Domingo é Dia dos Pais. E, hoje, faz três anos da última vez que vi o meu pai de perto, sem ser pela câmera do celular e antes de ele levar seu chapelão pra outros planos – mais lindos que este.

E aí, Mãe, fico daqui pensando em como a vida pode ser bonita. Nos passeios a cavalo. Nas ligações pra discutir futebol. Nos shows antigaços do Roberto pela TV. É isso que fica e importa, no fim das contas.

Para este domingo e os outros, espero todos possam reconhecer a sorte de ter alguém pra seguir. Numa curva da estrada. Num passeio a cavalo. Na vida.

No domingo, vou escutar “Não tire esses óculos”, do Robertão, que pai dizia que era pra mim. Vou ver umas fotos. Pensar na Brisa, na infância e na roça. Mas não vou chorar. Só pra não fazer feio.

A benção,

J.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense

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