Armas de fogo para a Guarda Municipal: projeto divide opiniões em Mariana

Apoiadores e críticos comentam proposta que libera o porte de armas para GM de Mariana. Vereador diz que só vota PL 23/2020 “depois de ouvir a população”

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FOTO de Lui Pereira: Guardas Civis de Mariana aguardam votação do PL 23/2020, que libera o porte de armas de fogo pela corporação. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz
Uma das atribuições da GM é o patrulhamento de trânsito - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Projeto de Lei 23/2020, que autoriza o porte de armas para guardas civis municipais de Mariana, pode ser votado já na próxima reunião ordinária da Câmara prevista para segunda-feira (10). A informação foi dada pelo presidente da Casa, Edson de Castro Agostinho Carneiro, na reunião do último dia 3. A proposta divide opiniões na cidade e alguns parlamentares pedem a realização de uma consulta popular por meio de plebiscito antes de votar a proposta.

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As pessoas favoráveis ao armamento da Guarda Municipal argumentam que a medida promove mais segurança pública. Quem é contrário à medida teme o aumento da violência policial, sobretudo nas periferias, e não acredita que a medida seja efetiva para diminuir a violência em Mariana. Há ainda, uma divergência de opiniões quanto à realização de um plebiscito com o objetivo de ouvir a população sobre o assunto.

Por isso, a Agência Primaz de Comunicação procurou cidadãos, parlamentares e entidades relacionadas com a segurança pública local para entender os motivos dos embates relacionados ao PL 23/2020 em Mariana.

Posições favoráveis ao armamento da Guarda Municipal de Mariana​

Cristiano Castelucci, delegado da Polícia Civil em Mariana, afirmou ser “muito favorável” ao projeto de lei. “Nós vivemos hoje uma sociedade muito complexa, em que os bandidos se organizaram. Tudo que é exclusividade, eu vejo com um certo receio. Por exemplo, o trabalho de investigação policial não é exclusivo da polícia judiciária. Você tem o Ministério Público investigando, tem a própria corporação da Polícia Militar, os chamados P2, que também investigam, você tem o Conselho Nacional de Justiça. Então porque deixar o policiamento preventivo à exclusividade da Polícia Militar? A PM, muitas vezes, é sobrecarregada e acusada injustamente”.

O delegado também acredita que a medida favorece o trabalho integrado entre a guarda e as polícias civil e militar. “Antigamente o rádio patrulhamento era realizado pela Guarda Civil, a comando do delegado de polícia. Isso antes de ser militarizado. Então nós temos a guarda como braço da polícia civil”.

“Essa é uma das políticas quando se tem a realidade atual. Se tivéssemos a certeza que os infratores da lei não fizessem uso, com certeza não precisaríamos preocupar com isso. Inclusive poderíamos desarmar todas as polícias” (Tenente Freitas, vereador)

Tenente Freitas, vereador e guarda civil de Mariana, disse ser favorável ao projeto e acredita que o PL já está pronto para ser votado pela Câmara. “Fizemos uma audiência pública com essa finalidade, como manda a lei 13.022, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff em 2014 e que teve como relatora no Senado a atual presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann, ambas contribuíram muito para a aprovação da lei. As exigências técnicas são enormes, portanto, acredito que a lei passou por várias instâncias de votação. Vamos agora apenas adequar a uma lei federal.”

O vereador defende o armamento da guarda como medida de segurança pública diante da possibilidade dos criminosos estarem armados. “Essa é uma das políticas quando se tem a realidade atual. Se tivéssemos a certeza que os infratores da lei não fizessem uso, com certeza não precisaríamos preocupar com isso. Inclusive poderíamos desarmar todas as polícias”.

A medida também é defendida por Milen Lemos, contador em Mariana. “Sou favorável, uma vez que treinados e equipados os Guardas Municipais podem ajudar a PM em operações de alto risco”. Apesar disso, Milen reconhece que essa não é a melhor forma de se combater a violência na cidade. “Não é a política mais efetiva uma vez que você combate a violência com educação e outros meios mais humanitários”.

As guardas municipais foram reestruturadas a partir da constituição de 88 - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Posições contrárias ao armamento da Guarda Municipal de Mariana

Aída Anacleto, presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR), é contrária à proposta. O Conselho também emitiu um parecer pedindo a “retirada definitiva” da pauta da Câmara. “Ao invés de implementar essa política armamentista, deveriam investir nas políticas públicas de educação e cultura, pois com certeza diminuiria o índice de violência na cidade”, disse.

Ex-vereadora de Mariana, Aída criticou a condução da proposta na Câmara Municipal e defendeu a realização do plebiscito. “Enquanto cidadã e ex-vereadora de Mariana, acho muito delicado colocarem uma pauta tão polêmica para tramitar, pois temos prioridades mais importantes para serem discutidas. Além disso, é necessário fazer um plebiscito. Segundo a fala do vereador Fernando Sampaio na última sessão da Câmara, a prefeitura não irá fazer o plebiscito, mas entendo que é necessário a população opinar e referendar. Como estamos em um período pandêmico, deveriam reavaliar e retirarem da pauta, até que haja participação popular”.

A professora do curso de Administração Pública do CEAD/UFOP e Tenente Coronel da reserva da PMMG, Dra. Mírian Assumpção e Lima, entende que a saída para a diminuição da violência não passa pela distribuição de mais armas para autoridades municipais. Segundo ela, esse pensamento encontra raízes em outros problemas estruturais, “a gente tem no país uma tolerância muito grande ao autoritarismo, principalmente ao autoritarismo jurídico, nos acostumamos à essa situação e usamos desse autoritarismo para continuar reproduzindo mecanismos que a gente sempre produziu que é prender preto, pobre e prostituta”, argumenta.

“Enquanto acharmos justo e não nos incomodarmos em ver o genocídio de pessoas negras e pobres, isso pouco vai se resolver, porque a solução para resolver a situação da polícia que mais morre e mais mata no mundo passa por redução da corrupção policial e inevitavelmente pela redução da corrupção dos outros poderes” (Mírian Assumpção e Lima, Professora e Ten. Cel. da reserva da PMMG)

Mírian propõe o enfrentamento dos problemas estruturais como alternativa possível para tratar do problema da violência urbana, “temos um problema estrutural muito grave que é o racismo e a gente não resolveu isso. Enquanto acharmos justo e não nos incomodarmos em ver o genocídio de pessoas negras e pobres, isso pouco vai se resolver, porque a solução para resolver a situação da polícia que mais morre e mais mata no mundo passa por redução da corrupção policial e inevitavelmente pela redução da corrupção dos outros poderes”.

Ainda de acordo com a doutora, 90% das ocorrências (na época que era policial da ativa) não estavam relacionadas com violência física. “Vamos supor que isso tenha aumentado muito e hoje esse número seja próximo a 70%, ainda assim, temos um gradiente de força até que seja necessário chegar ao uso da arma. Temos que pensar sobre as diversas alternativas que você pode fazer uso em uma ocorrência antes disso”. Existe um caminho longo para percorrer até a efetiva solução do problema e, para a professora, um agente de segurança precisa “ter um bom condicionamento físico, treinar muito artes marciais, estudar questões de psicologia e comunicação e ter empatia”. Para ela: “essas são armas muito mais efetivas na maior parte das ocorrências que a gente atende”.

Cristiano Silveira, advogado marianense, se diz contrário à proposta pois, estatisticamente, não há comprovação de sua eficácia. “Sou contra. As estatísticas da Anistia Internacional mostram que a polícia brasileira é a mais letal do mundo e também é a que mais morre. O que demonstra que as armas não representam maior segurança nem mesmo para os próprios policiais que as utilizam. Acredito que colocar ainda mais armas nas ruas pode piorar ainda mais este quadro”.

O advogado defende que o combate à violência começa nas discussões sobre desigualdade social. “Para se pensar em uma medida efetiva, teríamos que começar a discutir o problema da desigualdade social, que é a grande geradora da criminalidade no nosso país. A proposta de armar a guarda civil municipal, bem como a população, me parece um discurso meramente vazio e principalmente eleitoreiro. É uma tentativa de solução muito simplista para um problema muito complexo, que é o sistema de segurança pública. Acredito que os esforços deveriam estar mais voltados para investimentos em tecnologia e inteligência das polícias”.

A estudante Ana Carolina Santos é contra a proposta pois acredita que as armas de fogo não são imprescindíveis para o trabalho realizado pela guarda. “Sou contrária à liberação do porte de armas para a Guarda Civil Municipal de Mariana porque a função principal desta instituição é proteger os bens, serviços e instalações, além de organizar o trânsito da cidade. Para tanto, armas letais não são imprescindíveis. Aliás, precisamos da guarda presente na Praça da Sé, na Praça Gomes Freire, nos bairros e circulando pelas ruas de toda a cidade e não apenas parada em frente aos bancos”.

Ana Carolina também não vê a medida como uma política efetiva de combate à violência.
“Acredito que a liberação do porte de armas para a Guarda Civil Municipal não é, de nenhuma forma, uma política efetiva de segurança pública e combate à violência. Não me sinto mais segura com a Guarda Civil Municipal armada nas ruas, cujo preparo não é o mesmo que o da Polícia Militar, por exemplo. O combate à violência se faz com educação de qualidade para todos”.

Victor Souza, estudante de nutrição, é contra a medida pois teme o aumento da violência policial na cidade. “Sou contrário à liberação do porte de arma, visto que já foram relatados inúmeros casos de abusos de autoridade por parte de alguns profissionais da GM. Com a liberação do porte de arma, há grandes chances desses episódios aumentarem. Precisaria de um intenso processo de formação e capacitação de toda a GM, o que acho improvável de acontecer”.

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Consulta popular por meio de plebiscito

Na reunião da Câmara da última segunda-feira (03), alguns vereadores defenderam a realização de uma consulta popular por meio de plebiscito para debater o tema. O vereador José Jarbas Ramos argumentou que o plebiscito já havia sido aprovado na Câmara e que a posição do plenário deveria ser respeitada. Na reunião, Geraldo Sales (Bambu) também defendeu o plebiscito e afirmou que “não vai abrir mão de ouvir a população”.

“Só votarei o projeto após ouvir a população.” (Cristiano Vilas Boas, Vereador)

O vereador Cristiano Vilas Boas afirmou à redação da Agência Primaz que só votará o projeto depois de alguma consulta popular. “Solicitamos a realização de um plebiscito para a população opinar sobre um tema que afeta a vida de todos. Só votarei o projeto após ouvir a população.”

Como dito no início desta reportagem, o vereador Tenente Freitas acredita que o projeto pode ser votado pela Câmara sem plebiscito, pois vai apenas “regulamentar uma lei federal”. Milen Lemos também não vê necessidade de realização do plebiscito, pois “não mudaria o objetivo”. Para ele, “o que tem que ser avaliado é quanto esse investimento em segurança pública irá custar ao município e se será viável a médio e longo prazo”. O delegado Cristiano Castelucci acredita que o plebiscito é “desnecessário” e representa uma “burocracia a mais, que vai levar muito tempo e muitas pessoas não vão conseguir ter a dimensão para poder entender a importância do tema”.

Já Aída Anacleto, Cristiano Silveira, Ana Carolina Santos e Victor Souza acreditam que é importante ouvir a população marianense sobre o tema. Cristiano argumenta que “uma decisão de tamanha importância deve ser tomada em conjunto com o povo, fazendo valer a nossa Democracia”. Ana Carolina defendeu que o “povo deve sempre ser ouvido” e Victor argumenta que a opinião da população “deve ser escutada e considerada pelas autoridades”.

Enquete

Após a repercussão do assunto na Câmara Municipal, a Agência Primaz realizou uma rápida enquete no Facebook para saber a opinião dos internautas sobre o PL 23/2020. A enquete foi criada no dia 4 de agosto de 2020 e ficou disponível até 12h de hoje (07). Foram disponibilizadas três opções:

  • Os guardas municipais deveriam ter acesso à armas de fogo
  • Os guardas municipais não deveriam ter acesso à armas de fogo
  • Deveria ser feito um plebiscito para consultar a população sobre o acesso à armas de fogo por guardas municipais

Metodologia utilizada

A enquete foi respondida através da página da Agência Primaz no Facebook e através de Votação via Story de nossa página no Instagram. Cada votante tinha a opção de registrar apenas um voto. A enquete não registrou parciais durante o período de votação com o intuito de evitar comportamentos de manada, conhecidos como floodagem, quando uma pessoa compartilha massivamente algum conteúdo na internet na tentativa de gerar engajamento para a opinião que ela defende.

Os resultados foram colhidos diretamente do servidor do aplicativo responsável pelo gerenciamento dos dados.

Análise dos dados obtidos

A enquete foi respondida por 606 pessoas e, para 66% dos votantes, (400 votos), os guardas municipais deveriam ter acesso à armas de fogo. Outros 27.0% (164 votos), acreditam que os guardas municipais não deveriam ter acesso à armas de fogo. A opção na qual deveria ser feito um plebiscito para consultar a população sobre o acesso à armas de fogo por guardas municipais foi escolhida por 7% dos votantes, (42 votos)

Arte: Lui Pereira/Agência Primaz

Apesar de se tratar de uma enquete sobre um tema local, 25,7% dos votos recebidos (143 votos) , vieram de dispositivos registrados com o IP de outros estados ou países, enquanto 74,3% (461 votos) foram de votantes do estado de Minas Gerais, o aplicativo utilizado não permite a utilização de filtro dos votos por municípios.

Arte: Lui Pereira/Agência Primaz

Os votos registrados pelo Instagram não entraram nessa conta pela impossibilidade de realizar esse rastreamento.

Dentre aqueles que votaram apenas pela fanpage do Facebook, quando aplicamos o filtro para exibir os resultados apenas de Minas Gerais (filtro de maior proximidade geográfica disponível), 8% dos votantes (37 votos) acreditam no plebiscito como alternativa para a medida, 33% (148 votos) acreditam que os guardas não deveriam ter acesso às armas, enquanto 59% (263 votos) pensam que os guardas deveriam ter acesso às armas.

Arte: Lui Pereira/Agência Primaz

Ressalvas quanto ao teor científico

A pesquisa não possui qualquer tipo de respaldo científico, trata-se de uma coleta superficial e sem qualquer tipo de auditoria ou segurança dos dados obtidos. O principal objetivo da Agência Primaz foi apenas realizar uma sondagem de tendências sobre a questão do porte de armas por agentes de segurança do município de Mariana, no intuito de desvelar ideias, sensações e interesses que podem existir por trás desses números.

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