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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Duas infrações, uma multa: Prefeitura de Ouro Preto aplica critérios diferentes para Vale e moradores de Antônio Pereira

Família é multada em quase R$ 2 mil enquanto mineradora segue com obra de estrada próxima à Barragem de Doutor.

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Jaqueline, Paulo e Lucas moram em uma Zona de Auto Salvamento e foram multados - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O drama de obras irregulares é enfrentado por quase todos os municípios do Brasil. Mas, em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, parece que há um tratamento diferenciado, a depender de quem for o infrator. Enquanto a família de Jaqueline Roberto e Paulo Henrique Corgozinho recebe uma multa no valor de quase 2 mil reais por construção realizada em lote próprio, a mineradora Vale, apesar de receber autos de notificação e da instauração de um inquérito civil, prossegue com as obras de construção de uma estrada irregular próxima à barragem de Doutor, localizada no distrito.

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O iminente desemprego do marido na pandemia da Covid-19 fez com que a família de Jaqueline Roberto apressasse as construções de sua casa, localizada na Rua Projetada 10, em Antônio Pereira. Porém, o lote da família está localizado na mancha da Zona de Auto Salvamento (ZAS) da barragem de Doutor, administrada pela Vale.

Casados há 3 anos, Jaqueline e Paulo planejavam a construção do imóvel antes do local ser considerado uma ZAS da barragem. Os desgastes nos alicerces indicam que a fundação foi construída há muito tempo. Antes de subir as paredes, Paulo afirma ter procurado a mineradora para saber se poderia ou não prosseguir com a edificação. Diante da falta de comunicação e a necessidade de sair do aluguel, prosseguiu com as obras e mudou com sua família para a sonhada casa própria.

Em maio deste ano, no entanto, a família foi surpreendida por um fiscal da Prefeitura de Ouro Preto que, acompanhado da Polícia Militar, lavrou uma autuação que determinava a demolição da casa e a aplicação de uma multa de R$ 1.892,80, com 15 dias de prazo para o pagamento. “Como eu pago uma multa sem estar trabalhando, sendo que o lote é meu?”, questiona Jaqueline.

A família quer ser indenizada por sua casa do mesmo modo que os vizinhos - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Paulo Henrique, marido de Jaqueline, diz que é proprietário do lote desde 2010. Diante do anúncio de que ficaria desempregado, Paulo aproveitou o acerto da empresa e contou com a ajuda de amigos em um mutirão para erguer as paredes da própria casa. A família se mudou para o local no domingo e, um dia depois, recebeu a autuação. Além da multa de quase R$ 2 mil, o documento determina que a própria autuada, no caso Jaqueline que estava no local no momento da ação, derrube tudo o que foi construído por eles até então.

De acordo com a notificação, a multa foi aplicada por “construção irregular e/ou construção em área de risco – zona de auto salvamento (ZAS)”. Jaqueline argumenta que não foi notificada nem pela mineradora, nem pela Prefeitura de Ouro Preto sobre remoções ou indenizações de seu lote. “Ninguém da empresa quis conversar com a gente antes, nem notificou. Quando eu já estava morando lá, a Vale manda a prefeitura me notificar? Isso não é justo.”

Jaqueline se diz ameaçada pela mineradora e o casal pede para ser incluído no programa de remoção promovido pela Vale. “Eles querem nos ressarcir só pelo lote, mas nós moramos aqui, inclusive já ameaçaram levar nosso filho para o conselho tutelar porque ele mora aqui com a gente, em uma área de risco”.

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Estrada da Vale

As obras da estrada continuam mesmo sem toda a documentação apresentada - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Há menos de um quilômetro dali, outra obra chegou a ser embargada pela Prefeitura de Ouro Preto no início deste mês. Trata-se da construção de uma estrada da mineradora Vale para o trânsito de equipamentos durante as obras de descomissionamento da Barragem de Doutor. A estrada segue em construção, mesmo com a instauração de um inquérito civil no dia 19 de agosto e apesar da notificação de embargo feita à mineradora no último dia 07.

O inquérito visa apurar os possíveis impactos ambientais da abertura da estrada de acesso ao vertedouro da barragem de Doutor. Os moradores do distrito alegam que a obra é realizada sobre um terreno com relevantes atributos ambientais, naturais e culturais. Além disto, há reclamações quanto a poeira, ruído, vibração e a obstrução do Rio Mateus. A denúncia afirma que a Vale teria colocado apenas duas manilhas no cruzamento, o que seria insuficiente para períodos de cheia.

Mapa dos traçados propostos pela Vale para a construção da estrada
Mapa dos traçados propostos pela Vale para a construção da estrada

O primeiro traçado proposto pela empresa (em vermelho) não foi autorizado para execução, então a mineradora propôs um novo traçado (em amarelo). No dia 05 de agosto, a comunidade realizou uma caminhada pela nova rota, onde constatou-se a existência de matas de candeias, campos de velosas, epífitas, bromélias, herpetofauna, cavernas, muros arqueológicos, quatro nascentes e um córrego.

A estrada passaria nas proximidades de um importante ponto de captação de água para o consumo da comunidade e a principal preocupação seria a de que a Vale teria a pretensão de permanecer com o uso da estrada mesmo após concluído o processo de descomissionamento da barragem. A mineradora, por sua vez, não respondeu os questionamentos encaminhados por nossa reportagem.

Também questionamos a Prefeitura de Ouro Preto sobre os motivos da aplicação da multa para a família de Jaqueline. Até o momento da publicação, não recebemos informações sobre o questionamento. Já sobre o embargo da obra da Vale, e se a mineradora recebeu multas por prosseguir com a construção da estrada após o embargo, ouvimos a secretária municipal de cultura, patrimônio, turismo, indústria e comércio de Ouro Preto, Deise Lustosa.

De acordo com Deise, a liberação ou não da estrada seria da alçada do governo estadual. A secretária afirma ainda que a Vale providenciou alguns documentos exigidos pelo município e deverá encaminhar outros documentos complementares em breve. Questionada se a mineradora foi multada pelas irregularidades cometidas, Deise Lustosa afirmou não ter conhecimento sobre qualquer ação nesse sentido.

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