São Roque: Santo da Cidade

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A professora da Universidade de Copenhagen e diretora da Associação para Estudos da Religião, Economia e Cultura, Jeanet Bentzen, no relatório que tem por título “Em crise, oramos: religiosidade e a Pandemia da Covid-19”, divulgado no final de março deste ano, afirma que “em tempos de crise, os humanos tendem a recorrer à religião para alívio e explicação do estresse”. E acrescenta que as buscas intensas de oração durante a pandemia do coronavírus são globais, ocorrem em todos os continentes e para todas religiões. Bentzen analisou buscas na internet sob o tópico “oração” em 75 países, quando a pandemia começava a se alastrar pelo globo. Ela constatou que a intensidade da busca dobrava a cada 80 mil novos casos registrados de Covid-19.

Como estes dados, começo a falar sobre o “Santo da Cidade”, título dado a São Roque e como a relação da devoção ao Santo virou uma tradição na comunidade católica de Mariana.

Um resumo da história deste Santo: nascido no ano de 1295, provavelmente em Montpellier, na França, São Roque viveu na Europa no século XIV e vivenciou a peste negra. Trazia o símbolo do cristianismo gravado no peito, uma mancha de nascença, na pele em forma de cruz. Filho de família rica, ficou órfão e como cristão convicto educado por sua mãe, Roque desejava viver na pobreza, em imitação a Cristo. Dispôs de todos os bens e foi para Roma, onde viveu por três anos. Passava muito tempo em oração na tumba dos apóstolos, contraiu a peste enquanto curava doentes em nome de Deus, e se escondeu numa gruta onde foi curado por um anjo, uma fonte de água milagrosa e um cão que o alimentava com pão. Após a cura ele volta para cidade e confundido com um espião, é preso, e morre na cadeia em 16 de agosto de 1327.

A relação do São Roque com a cidade de Mariana é bem antiga, inicia-se na Ordem Terceira e com a construção da igreja de São Francisco de Assis. Reza a lenda, que no final do século XVIII, a cidade de Mariana passou por uma grande peste. Segundo o historiador Waldemar de Moura Santos: “ As opulentas famílias da cidade foram atingidas pela peste, que rondou e arrebatou os entes mais queridos do seu convívio, de um modo sinistro e pavoroso, revelam as crônicas da época. A vida paralisou, ante o pavor que emudeceu todas as bocas, para ceder lugar às lágrimas, às dores, ao gemido, ao luto. A morte visitou todos os lares”.

A igreja da Ordem Terceira de São Francisco se transformou em um centro de orientação e refúgio espiritual contra a peste. Em uma reunião para discutir o assunto e ver possíveis soluções, o Irmão Franciscano Ministro Thomaz Florêncio Teixeira fez o seguinte relato: “Dormi e sonhei com o Santo Advogado contra a Peste, Fome e Guerra. Vi São Roque com o hábito franciscano, rosário e cordão e demais símbolos de peregrino. Ele percorria as ruas de Mariana abençoando e curando os empestados. Creio, que devemos trazer uma imagem do Santo Milagroso para Mariana”.

Em vista de tão providencial sugestão, outros dois franciscanos, Thomaz Gonçalves dos Santos e Braz Moreira de São Paio, adquiriram na França a imagem de São Roque e a doaram à Igreja da Ordem Terceira de São Francisco. A preciosa encomenda foi feita, sendo despachada de Paris por via marítima, até o Rio de Janeiro, e daí para Mariana, trazida em cargueiro de burro, cuidadosamente encaixotada.

No dia 29 de fevereiro de 1770, pela manhã, os Irmãos Franciscanos a receberam, depois da espera de noventa dias, o quanto durou a viagem do Rio a Mariana. Na tarde desse mesmo dia a imagem foi abençoada e colocada no altar lateral, onde se encontra até hoje, iniciando-se a novena de penitência para aplacar o flagelo da peste na cidade de Mariana. No dia 9 de março do mesmo ano, saiu pela primeira vez à rua a majestosa e respeitável imagem de São Roque que percorreu toda a cidade, de ponta-a-ponta.

Estava instituída oficialmente em Mariana a tradicional FESTA DE SÃO ROQUE. Em pouco tempo o flagelo cedeu e o amor, devoção e fervor a São Roque multiplicaram-se, trazendo a paz e a alegria em todos os lares.

Com o passar do tempo, às vezes as epidemias retornam, outras vezes surgem novas doenças sobressaltando as comunidades, que em geral recorrem às rezas, novenas, procissões e outros ritos, para alcançar a cura dos males físicos e emocionais. Na década de 1970, a região de Mariana foi novamente assolada por uma epidemia de meningite, causando morte e dor, principalmente, nas crianças. Houve, uma grande mobilização em torno da imagem de São Roque, o que levou o bispo D. Oscar de Oliveira, a organizar uma grande procissão com a imagem do santo. Para muitos marianenses foi a maior procissão e demonstração popular de fé já acontecida na cidade.

Nestes tempos de Covid-19, volta a ação da fé: é necessário sarar o corpo, é essencial curar também as feridas da alma. 

Nesta semana ocorre a novena e festa de São Roque. Está ação de fé se renova, agora em torno do santo para combater a epidemia do coronavírus. Assim é, verdadeiramente pela fé e confiança, força moral que rege os destinos de um povo.

Este ano fazem, portanto, duzentos e cinquenta anos que se invoca e venera nesta cidade o glorioso São Roque, que é consagrado oficialmente como o SANTO DA CIDADE.

Que o ele traga a cura para o flagelo da epidemia.

(*) Cristiano Casimiro dos Santos é editor da Revista Mariana Histórica e Cultural.

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