Cartas pra mãe: Comer feijão com arroz como se fosse príncipe

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Mãe, 

Para e pensa: o que a senhora, que mora sozinha, faz com 200 reais? Ou com 600? 

Pensou? Então, vou te contar uma história. 

Jurema Gonçalves (nome fictício), interior de Minas, nem sabe o que é assistencialismo.  Ela tem cinco filhos e seis netos. Também nem suspeita que o dito da Vó Maria – aquele do “não dar o peixe, mas, sim ensinar a pescar” – é usado contra ela, que trabalha como faxineira de domingo a domingo desde menina. 

Jurema, viúva e analfabeta, recebe 205 reais do cartãozinho azul, verde e amarelo: o Bolsa Família. Certamente, sabe que muita gente recebe várias (e muitíssimas) vezes mais que os seus 200 reais. Mas talvez nem imagine que o dinheirinho que ajuda a comprar a linguiça Maria Rosa no fim do mês causa indignação em tanta gente

Depois do cartão com seu nome, Jurema começou a folgar no fim de semana (só domingo, sábado, não). Depois do cartão com seu nome, aquele sonho de que os netos usassem uma roupinha nova (e não roupa já usada, doada pelos outros) ganhou vida no feirão de roupas a quilo da cidade. Depois do cartão com seu nome, o banco chama o nome de Jurema Maria Gonçalves todo começo de mês.

Essa semana, Mãe, a Revista Veja fez uma capa mais ou menos assim: Auxílio Emergencial, use com moderação porque causa dependência. O Auxílio é 600 reais por mês. 1200, para mães de família. 

Essa capa saiu na mesma época em que se discute perdoar dívidas das igrejas e em um país acostumado a aumentar salários de políticos e a fazer vista grossa para quem sonega impostos de suas fortunas incalculáveis. 

Muita gente não conhece a história de Jurema: real e resumo de muitas outras. Pouca gente parou para ouvir o seu sotaque mineiro e tomar um café na xícara esmaltada. Pouquíssimos entendem que existem um rosto, um lenço na cabeça e um sorriso grande por trás dos números divulgados pelo governo. 

Poucos se lembram que a palavra povo tem gente dentro dela. 

O Bolsa Família, assim como o Auxílio, não causa dependência. Estar mais de 3 décadas como político sem apresentar nenhum projeto sequer, causa. Exercer um poder cego, egoísta e elitista, também causa. 

Mas o problema é sempre o povo. É sempre as migalhas que sobram desse bolo imenso chamado Brasil. É sempre quem lida com a falta de oportunidades e com a exclusão mesmo antes de nascer. 

Enquanto reclamam do preço do arroz, falam de dependência, preguiça, assistencialismo. O que eles não sabem (aliás, sabem, mas não se importam) é que, enquanto pra alguns vai ser mais caro comprar sushi, pra outros, continuará sendo mais ainda mais difícil sobreviver. 

A benção,

J.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense.

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