Por quê nossos dados precisam de proteção?

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

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São notórios os benefícios que as inovações tecnológicas aliadas à internet proporcionaram ao mundo contemporâneo, como a crescente quantidade de serviços oferecidos no ambiente digital que prometem diversas vantagens e facilidades para as pessoas. Podemos nos conectar virtualmente e em tempo real, por meio das redes sociais, com diversas pessoas independente da sua localização geográfica. Pedimos alimentos pelo iFood e contratamos serviços, como o transporte privado oferecido pela Uber, com poucos cliques na tela do celular ou até mesmo por meio do relógio digital.

Dessa maneira, há uma crescente concentração de comportamentos no espaço virtual como consequência da exposição incessante dos nossos hábitos nesse ambiente, o que permite às empresas por trás de sites e aplicativos móveis acumular uma grande quantidade de informações sobre nós e nossos costumes.

Por exemplo, já parou para pensar que enquanto abrimos o Instagram para ver as postagens do dia, estamos deixando rastros do que pensamos e gostamos para além das publicações que curtimos e compartilhamos? Ou ainda, quanto tempo gastamos entrando no perfil de uma ex-namorada para olhar suas fotos? Esses dados podem dizer muito sobre se você superou ou não o fim do término do relacionamento. Quantas vezes atualizamos o feed de notícias em busca de informações ou o número de atualizações da nossa caixa de e-mail em busca de uma resposta sobre o currículo que enviamos para a empresa que gostaríamos de trabalhar? Essas informações podem oferecer traços da nossa personalidade, como se você é ansioso ou paciente para aguardar o recebimento de notícias. E se a empresa para a qual você pretende enviar o seu currículo tiver acesso a essas informações sobre você? Será que esses dados seriam utilizados para definir a sua vaga de emprego?

Até mesmo quando fazemos o pedido de alguma medicação por meio de algum aplicativo de entrega, como a Rappi, ou quando falamos nosso CPF para comprar algum produto na drogaria Araújo, estamos deixando informações sobre nosso estado de saúde, se utilizamos continuamente algum remédio antidepressivo ou de hipertensão. Todas essas informações estão sendo coletadas sobre nós para a gravação dos nossos hábitos, comportamentos, dependências e fragilidades. Já imaginou se alguma instituição de planos de saúde tiver acesso aos remédios que você necessita e, no caso de ser uma medicação sobre alguma doença mais grave, negar o seu pedido de plano por considerar que você possui baixa expectativa de vida ou que seria um cliente de alto custo por precisar de atendimento médico constantemente?

Outra situação em que estamos expostos é quando assistimos algum vídeo no Youtube e ficamos sujeitos ao monitoramento através da nossa câmera de vídeo para a captação de nossas expressões faciais diante das imagens que observamos. Também deixamos à mostra muito das nossas emoções ao usarmos emojis para reagir a determinadas informações ou conversas seja no Facebook ou no Whatsapp. Essas informações, por mais sutis que sejam, são capazes de identificar nossos padrões de comportamento que podem indicar nossa orientação política, preferências sexuais, qual a sua classe social, se é adepto de alguma religião ou não, a cor da sua pele, entre várias outras características que poderão ser utilizadas ao nosso favor ou não.

Esses são apenas alguns exemplos sobre a imensa quantidade de dados que são coletados e armazenados e que demonstram a vulnerabilidade dos consumidores diante das empresas que possuem informações tão detalhadas e que são, muitas vezes, invasivas sobre a personalidade e a privacidade das pessoas.

E não estamos sendo vigiados apenas através dos nossos dispositivos particulares de internet. Temos como exemplo o caso recente em que a empresa Hering foi multada pelo Ministério da Justiça por utilizar câmeras de reconhecimento facial em uma de suas lojas físicas, com o argumento de captar a reação dos consumidores para posteriormente melhorar o fornecimento de produtos de acordo com os gostos dos clientes. No entanto, essa coleta de informações biométricas é ilegal, visto que não tiveram autorização dos consumidores para o uso de suas imagens.

As empresas que coletam diariamente essas informações sobre milhares de pessoas utilizam o argumento de que buscam melhorar a experiência virtual do cliente e oferecer produtos que condizem com a sua personalidade. No entanto, precisamos nos preocupar com o tratamento que essas informações estão recebendo, qual a segurança e a proteção que os nossos dados estão obtendo? Com quem serão compartilhados? São empresas comprometidas com a transparência de suas ações? Os consumidores possuem entendimento dos métodos utilizados para monitoramento de seus comportamentos e do quão invasivos podem ser?

Diante de tais questionamentos, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Nº13.709 – LGPD), que entrou em vigor na última sexta-feira, dia 18 de setembro de 2020, enumera normas e fundamentos sobre a responsabilidade dos agentes de tratamento dos dados, que devem oferecer a devida segurança ao banco de dados, a fim de resguardar o direito à privacidade e à não discriminação de seus clientes.

Além disso, a legislação adota o conceito de que o consumidor ocupa uma posição de vulnerabilidade e, por isso, carece de proteção legal para que a boa-fé e o equilíbrio entre as relações comerciais que abrangem o tratamento de dados sejam consumadas de fato.

Outro ponto que merece destaque em relação a LGPD é o direito do consumidor à autodeterminação informativa, ou seja, o direito de ser informado pela empresa sobre quais dados estão sendo coletados, como estão sendo tratados, qual a finalidade das empresas em acumular essas informações e se o consumidor está de acordo com o tratamento e a coleta de seus dados.

O ponto principal é que não há como voltar atrás e pedir para as pessoas não utilizarem os serviços tecnológicos oferecidos, o que nos resta é adotar uma postura de exigir a segurança das nossas informações e a garantia de que elas não serão utilizadas para discriminação conforme a LGPD exige.

Nesse sentido, o consumidor possui também a responsabilidade ativa de observar se as empresas por trás da coleta de dados estão prestando esclarecimentos de forma clara, objetiva e transparente sobre o tratamento de informações pessoais dos clientes, visto que tal postura irá demonstrar a credibilidade e a confiança dos agentes de tratamento em relação aos consumidores.

(*) Luana Assunção Fernandes Teixeira é aluna do curso de Direito da UFOP, bolsista de iniciação científica PIBIC/CNPq/UFOP e membro discente do NDCon.

(**) Felipe Comarela Milanez é professor do curso de Direito da UFOP e coordenador do NDCon – Núcleo de Direito do Consumidor – da UFOP

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