Cartas pra Mãe: "Bença", mãe!
- Jamylle Mol (*)
- 01/10/2020
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Mãe,
Lembra quando eu era pequena e o pessoal do colégio me chamava de caipira?
Eu nunca te contei, mas o motivo da piada não era porque eu falava uns bons milhões de uai’s por hora, nem pela minha mania de misturar umas roupas estranhas com a camiseta de uniforme. Me chamavam de caipira porque, ao invés de falar “oi” ou “tchau”, eu pedia a sua bênção sempre que cumprimentava ou me despedia da senhora. Era “bença, Mãe” pra cá, “bença Mãe” pra lá…
Cresci, né, Mãe. Saí do colégio, fui pra faculdade, mudei de cidade… E ainda honro o título e peço a sua bênção quando chego, quando saio e até pra dar oi no WhatsApp (não é a mesma coisa, mas ajuda a matar a saudade).
Fico lendo as notícias deste ano tão difícil, acompanhando o monte de ruindade que estampa os jornais, no descaso de quem se diz nosso presidente, no horror de sua corja que passa boiadas, mata gente e queima tudo o que vê pela frente. E não consigo pensar em outra coisa: talvez, se todos fossem caipiras, não haveria tanta coisa ruim nesse mundão.
Du-vi-do, Mãe, que o Bozo seria tão mau caráter se tivesse a humildade de pedir a bênção de alguém todos os dias. Será, Mãe, que ele conseguiria mentir tanto e fazer tanto mal mesmo depois disso?
Não é preciso ter religião pra pedir a benção. É uma troca. Uma espécie de amuleto.
Dizem, Mãe, que nada é mais poderoso que o amor. Nem mesmo o ódio. Não importa a crença, a descrença ou a religião, desconfio que pedir a proteção em forma de benção é espalhar amor. É uma espécie de “óh, saia de casa e trate os outros como você gostaria de ser tratado, faça todo o bem que puder, não aceite injustiças só porque elas não acontecem com você”.
Vamos fazer um trato, Mãe? A senhora pode dar a ‘bença’ pro Brasil umas muitas vezes por dia como faz comigo? E, mais: pedir às outras mães caipiras para fazerem o mesmo?
Quem sabe, assim, nessa corrente, nós brasileiros nos lembramos que há muito mais do que o nosso próprio umbigo? Quem sabe, assim, deixamos de ser tão indiferentes?
A benção,
J.
(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense.
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