Carta a Cláudio Manuel da Costa

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Caro poeta, o homem insiste em avançar, e não tenho visto a razoabilidade como prerrogativa para boa parte das ações humanas. Impossível o sonho dos árcades. Em seu berço mineiro, o Ribeirão do Carmo, em águas turvas, agoniza, e o espaço, outrora bucólico, se perde a cada dia.

Em seu tempo, essa atmosfera bucólica ainda remediava, ao menos nas artes, a alteração da paisagem, mas, hoje, é tudo mais devastador. Crescemos às margens daquele que deveria ser o símbolo da vida, e despejamos de tudo em seu ventre. Não há mais lugar para o canto das ninfas, e seria ingenuidade acreditar na sua salvação, porque escorre, de todos os pontos, o lodo imundo, enquanto seguimos, incólumes, diante do seu clamor.

De onde nasceu as Minas Gerais, vimos, ainda, a memória ser arrastada pela lama espessa. Inacreditavelmente, parece haver uma espécie de anestesia em nós, ou, quem sabe, tudo seja o reflexo da nossa inação e desdém pela vida. Ademais, é incrível o que conseguimos fazer e desfazer, num processo contínuo e complexo que preza, muitas vezes, pelo apagamento do passado.

De fato, a manutenção do patrimônio histórico e cultural de um lugar é entendida, por vezes, como culto ao atraso. Desse modo, quem diverge desse pensamento, é visto como se tivesse aversão ao avanço tecnológico e às novas maneiras de pensar e de agir, inclusive, sobre os espaços coletivos. Porém, a questão é muito mais complexa, porque, na verdade, se não houver equilíbrio nas ações, não teremos parâmetro nem para saber o caminho a seguir. Não escrevo, aqui, uma novidade, mas nossos passos têm sido, realmente, dados aos tropeços.

Agora, por exemplo, uma aparente onda futurista tem atraído uns e outros. A novidade, por aqui, se deu com a alteração de um patrimônio cultural localizado no seio da cidade. Mistura de vanguardas? Difícil encontrar uma resposta razoável. “Fechem os museus e queimem as bibliotecas!”, apregoavam os futuristas do século XX. Respirava-se, naquele tempo, o ar do progresso para um mundo que refletisse a agilidade das máquinas. Que tempo é o de agora?

Depois da pandemia, quando voltarmos totalmente às nossas atividades, teremos de nos adaptar a um outro cenário físico da cidade. O encontro dos amigos e dos casais será numa praça diferente. O domingo não será o mesmo. Aqueles dias de chuva, que antecedem a chegada do outono, não terão mais o brilho refletido nas ruas de pé-de-moleque, porque essas ruas terão ficado apenas na memória das pessoas. As lembranças da infância poderão, para a felicidade de alguns, ser rememoradas nos quadros dos artistas locais e através da pena de seus poetas. E quem tiver fotografias dos encontros nos bancos do Jardim e da criança de ontem brincando ao pé do lago dos peixes, guarde-as com carinho, pois o futuro continua avassalador. Não sabemos ao certo para onde ir.

Gostaria de encerrar com o otimismo de quem vê a chegada de um novo tempo, mas peço-lhe desculpas, poeta, pela melancolia que toma a minha alma e embaça os meus olhos. Talvez, amanhã, eu compreenda estes dias estranhos. Infelizmente, agora, choro a perda do meu Jardim.

(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana

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