O feminismo é uma luta necessária
- Giseli Barros (*)
- 30/10/2020
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Há uma fala comum que diz o seguinte: “O jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã.” Se considerarmos a velocidade com a qual somos, cada vez mais, bombardeados de informações, poderíamos dizer que a notícia pode esfriar já no mesmo dia, o que pode ser um grave problema, pois há quem sempre se valha do esquecimento alheio. Certa pessoa, por exemplo, levou bem a sério a fala popular. Achou que fora do gramado o terreno também seria dele. Quase deu certo. Quase. Acontece que nem todas as pessoas engolem esse ditado, com ouvidos de mercador. Portanto, percebe ele, agora, os efeitos das pedaladas, torcendo para a rápida passagem dos dias.
Marcou um gol de letra quem guardou o jornal da feira. O outro em questão vê a sua voz reverberar em páginas digitais e impressas, gostando ou não. Quem diria que, em pleno século XXI, um homem que teve a oportunidade de conhecer o mundo e sua diversidade, afirmaria não fazer ideia do significado do movimento feminista (ou prefere mesmo o menosprezo), pois, segundo ele, há “mulheres que não são nem mulheres, para falar o português claro”. Com todas as letras, é necessário esclarecer que esse homem precisa entender, antes de mais nada, que todas as mulheres são mulheres. Logo, falas pejorativas revelam, na verdade, o quão é imprescindível a existência do feminismo.
Em linhas gerais, a origem do feminismo data do século XIX, tendo como foco a luta pela igualdade de gêneros, ou seja, ao contrário do que muitos pensam, esse movimento nasce da necessidade de garantir às mulheres o direito à participação mais ativa na sociedade. Para uma melhor compreensão a esse respeito, localmente, é fundamental lembrar que, no Brasil, até hoje, há pouca representatividade feminina, por exemplo, na política. Em muitos casos, a mulher recebe salário significativamente inferior ao oferecido ao homem, para exercer a mesma função dentro de uma empresa. Muitas mulheres são desencorajadas de prosseguirem os estudos por diversas razões, que vão desde a manutenção da ideia de que ela deve, necessariamente, casar, ter filhos e cuidar da casa – não sendo, portanto, relevante cuidar de interesses que possam dizer respeito a ela de forma mais individual-, até a crença de que são intelectualmente inferiores ao sexo masculino.
Considerando o Brasil desde a sua formação como os livros preconizam, ou seja, partindo, historicamente, do século XVI, com a chegada dos portugueses, constata-se que as mulheres indígenas foram subjugadas pela força, garantindo ao colonizador o seu bem-estar. Dito de outro modo, o homem branco tomou a mulher indígena pela força, servindo-se dela sexualmente, além de obrigá-la ao trabalho doméstico. No entanto, há quem entenda o processo como natural, o que teria garantido o início da miscigenação. Nesse processo, as mulheres africanas também sofreram todo o tipo de abuso. Destaca-se que diversas mulheres escravizadas eram estupradas, cotidianamente, pelos senhores de terra. Quando engravidavam, os filhos bastardos cresciam sem o registro do pai biológico, dando lucro ao progenitor no trabalho braçal, como os demais escravos. E não para nisso. Após a Independência do Brasil, no século XIX, pouco foi garantido às mulheres. Ao ingressarem no mercado de trabalho, na indústria, por exemplo, inúmeros casos de violência sexual aconteciam sem que elas tivessem a quem recorrer. O patrão sentia-se confortável em sua posição de mando: muitas horas de trabalho, pagamento ínfimo pela jornada extensa, nenhuma garantia e estupro, inclusive das filhas, quando estas também precisavam trabalhar, para contribuir com o sustento da família.
Chegamos ao século XXI e algumas coisas mudaram. Mas toda mudança não veio como presente. Para cada conquista, muitas mulheres choraram e lutaram com todas as forças. Não fosse a coragem de quem gritasse, enfrentando todo tipo de preconceito, nada teria sido alterado. E embora seja necessário comemorar os direitos garantidos, nós, mulheres, estamos longe da equidade necessária, isso porque enfrentamos o machismo diariamente. Talvez muitas pessoas não percebam o que está por detrás de discursos como o mencionado no início deste texto. Em relações tóxicas, por exemplo, a mulher é levada a acreditar na culpa infligida a ela pela violência sofrida. Na lógica de uma cultura patriarcal, a mulher deve ser “bela, recatada e do lar”, pronta para servir. E assim todas as mulheres são, de algum modo, classificadas ao gosto do outro. Seguem-se, pois, discursos como: “Essa é pra casar.”, “Com aquela roupa, o que queria?”, “Mulher sozinha em boteco?”, “Vai andar sozinha numa rua escura?”, “Aquela foi largada pelo marido”. São exemplos emblemáticos que reforçam a ideia da mulher como objeto, ou, no máximo, como ser inferior.
Não cabe mais a manutenção de discursos de exclusão, que penalizam uns em detrimento do direito do outro para seguir com atos de violência. Quando um homem admite não sentir culpa pelo estupro de uma mulher, porque ele acredita na normalidade do ato praticado, fica evidente que a sociedade também é responsável, de alguma maneira, e é por omissão. Dias atrás, houve o constrangimento imposto à criança de 10 anos, que, depois de abusada continuamente pelo tio, quase foi impedida de fazer o aborto permitido por lei. Caso diariamente noticiado, num passado ainda recente, a namorada de um jogador teve o seu corpo esquartejado e ocultado, porque ele se sentiu pressionado por ela.
O feminismo, entendido, portanto, como um movimento que luta pela igualdade de gêneros, é imprescindível em nossa sociedade. Não é “mimimi”, porque não há alguém que possa ser mais mulher ou menos mulher, mas é sempre bom lembrar que estuprador é estuprador mesmo. Que seja combatido todo crime contra as mulheres sem nenhum tipo de eufemismo.
(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG e membro efetivo da ALACIB-Mariana.
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