5 anos de re-existência: ainda sem casa, grupo busca ressignificar o Bento Rodrigues atingido pela lama da Samarco
Grupo "Loucos por Bento" tenta preservar tradição e pertencimento ao território devastado pela lama da Samarco.
- Marcelo Sena
- 05/11/2020 às 16:01
Nesta quinta-feira (05) completam-se 5 anos do rompimento da Barragem de Fundão. Enquanto os atingidos ainda aguardam a conclusão do reassentamento do que será o Novo Bento Rodrigues, o grupo Loucos por Bento luta para ocupar e ressignificar as ruínas do distrito atingido pela lama da Samarco. Diante disso, a reportagem da Agência Primaz visitou o Bento Rodrigues atingido e conversou com Mônica dos Santos, moradora do distrito e integrante do grupo, sobre suas dificuldades, conquistas e expectativas quanto à (não) entrega de sua nova casa.
Um acontecimento do tamanho do rompimento de uma barragem não se encerra em um dia. De acordo com o filósofo Slavoj Zizek, os sujeitos que presenciam (ou sobrevivem a) acontecimentos dessa proporção nunca mais são os mesmos. Eles viram sujeitos pós-traumáticos e suas vidas transformam-se completamente, sem que lhes fosse dado o direito de escolha.
5 anos depois do rompimento da Barragem de Fundão — que destruiu Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, distrito e subdistrito de Mariana, e matou 19 pessoas —, a vida de centenas de milhares de pessoas em toda a Bacia do Rio Doce mudou por completo. Centenas de cidades, distritos, aldeias e povoados viram sua saúde, seu sustento e suas expectativas serem profundamente impactadas desde aquele 05 de novembro de 2015. Nenhum município, no entanto, foi tão impactado quanto Mariana, que teve duas comunidades riscadas do mapa.
No Bento Rodrigues atingido pela lama da mineradora Samarco, um grupo de atingidos busca ressignificar as ruínas do distrito, enquanto aguarda a conclusão do reassentamento, denominado Novo Bento. Nos últimos anos, as obras acumulam atrasos e a relação entre a Fundação Renova, criada para realizar as ações de reparação, e os atingidos é marcada por embates judiciais. Na semana em que se completam 5 anos da tragédia ocorrida em Mariana, a Agência Primaz de Comunicação visita o Bento Rodrigues atingido e conversa com Mônica dos Santos, integrante do grupo Loucos por Bento. A moradora caminhou com a nossa equipe pelas ruas do distrito e falou sobre conquistas, dores e expectativas em relação à reparação integral pelos danos causados pelo rompimento da barragem.
“Mesmo o Bento destruído, ele continua sendo, para mim, o melhor lugar do mundo”. (Mônica dos Santos)
Mônica comenta como sua vida foi transformada pelo rompimento da barragem. “Até o 05 de novembro de 2015, eu era uma Mônica, a Mônica que a minha mãe criou. A partir das 16 horas do dia 05, eu virei a Mônica que a Samarco, a Vale e a BHP transformaram. É uma vida que foi imposta, onde ninguém me perguntou se eu queria estar nela, ninguém me deu um curso para ser atingida.”
A moradora de Bento Rodrigues explica que o grupo Loucos por Bento tem, atualmente, cerca de 30 membros. “Não são todos os moradores que fazem isso. Tem pessoas que não quiseram mais voltar, não se sentem confortáveis. A gente entende porque cada um sabe até que ponto aguenta. Nós formamos o grupo Loucos por Bento como uma forma de resistência, como forma de preservar o nosso lugar, a nossa tradição. Até o ano passado nós celebramos aqui a festa do padroeiro, a festa de Nossa Senhora das Mercês e o Dia de Finados. Esse ano não teve da forma que a gente fazia por causa da pandemia.”
Em 2020, o grupo conseguiu na Justiça o direito de visitar o distrito atingido aos finais de semana e feriados, de 8h às 17h. “Pela Justiça, a gente não pode pernoitar. Porém, no nosso entendimento, a gente não tem dia nem hora para entrar na nossa casa. Então, aos finais de semana e feriados, sempre que a gente tem uma oportunidade, a gente vem para cá. A gente busca forças no nosso território para continuar na luta”, defende Mônica.
“Para mim, a maior conquista nesses 5 anos foi o direito de entrar em Bento. Foi a gente ter conseguido a não-permuta. Não é porque eles vão fazer uma outra casa que aqui vai deixar de ser da gente”. (Mônica dos Santos)
Mônica teve sua casa levada pela lama em 2015. Atualmente, quando vai a Bento Rodrigues fica na casa que era de uma tia. “Na casa que a gente fica hoje, não passou lama mas ela foi toda saqueada. Nós colocamos portas e janelas para podermos ficar aqui”. Não há energia elétrica ligada no distrito e, de acordo com Mônica, eles utilizam as baterias dos carros para alimentar a residência. Para ela, o crime não se encerrou no dia 05 de novembro de 2020. “O crime cometido pela Samarco, Vale e BHP se repete todos os dias. E vai continuar se repetindo enquanto não houver a reparação integral dos atingidos”. Emocionada, a moradora conta que o irmão faleceu em junho de 2020 e, portanto, não conhecerá a nova casa da família.
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“Em 5 anos, o pouco que a gente conseguiu foi tudo através de ordem judicial, tudo através do Dr. Guilherme [Meneghin, Promotor de Justiça da Comarca de Mariana]”. (Mônica dos Santos)
Sobre as expectativas em relação à construção de sua casa no reassentamento, Mônica conta que não sabe quando será construída, pois o projeto ainda não foi elaborado. “Eles vão indenizar a gente, vão nos dar uma outra casa. Mas não sei como nem quando. A minha família não tem nem projeto ainda pois existem as diretrizes para garantir os nossos direitos e a Fundação Renova não cumpre”. A moradora questiona a utilização da pandemia de Covid-19 como argumento para o atraso das obras. “Assim como o meu, tem várias famílias na mesma situação. Independente de pandemia, o reassentamento não seria entregue em 27 de fevereiro de 2021. Eles colocam a culpa na pandemia, mas olha que engraçado: a Vale não parou, pelo contrário, está batendo recordes na produção.”
Mônica diz que busca inspiração na natureza que brota nos rejeitos para seguir buscando sua reparação integral. “Se não fosse o amor que a gente tem pelo Bento e a gente poder vir aqui quando quiser, muitos de nós não estariam aqui hoje para contar a história. O Bento está destruído mas essas terras continuam sendo nossas. O nosso amor pelo Bento não acaba ao ver as ruínas. Muito pelo contrário, ele aumenta a cada dia. E aqui tem vida! Tanto que você vê as flores que nasceram em cima do rejeito. Elas até nos inspiram. Tentam acabar com a gente de todas as formas e a gente está permanecendo na luta.”
Também perguntamos à moradora de Bento como ela vê a situação dos atingidos de Antônio Pereira, removidos de suas casas pelo risco de rompimento da barragem de Doutor. “Não sei o que é pior! Cada dia é um aprendizado para a gente que está na luta, mas eu não queria estar tendo esse aprendizado não. Eu sinto muito pelo povo de Antônio Pereira, de Barão de Cocais, de Macacos, agora pelo povo de Santa Rita, por Brumadinho. Quando rompeu Fundão, a gente pediu muito para que não se repetisse.”
“Bento Rodrigues não foi construído debaixo da barragem. Muito pelo contrário, a barragem que foi construída em cima do Bento. A Igreja de São Bento é do século XVIII. Quantos anos têm a Samarco? Quarenta e poucos anos. Não fomos nós que fomos para debaixo do perigo!” (Mônica dos Santos)
Mônica conta ainda que, após o rompimento da barragem, ela ingressou no curso de Direito para ampliar seus argumentos diante das negociações com a Fundação Renova. “Eu estou terminando o 8º período de Direito. Tive que voltar a estudar e em uma área que eu não acredito. Eu não acredito na Justiça, pois se existisse justiça no Brasil, o Bento seria construído no mesmo lugar que ele era e não existiriam mais barragens.” Nessa linha, a moradora defende o trabalho da Assessoria Técnica em defesa dos atingidos. “Eu, por exemplo, não sou engenheira. Então não tenho conhecimento técnico nessa área. A assessoria é muito importante para deixar a nossa luta mais igual. Para as mantenedoras, quanto mais individualizar, melhor.”
Por fim, perguntamos à moradora de Bento Rodrigues o que seria necessário para que ela se sentisse totalmente reparada pelos danos causados pelo rompimento da barragem. Mônica é taxativa: “O meu desejo é que o Bento fosse reconstruído aqui. Eu queria a minha casa no mesmo lugar que ela era. Só assim a justiça teria sido feita”, finaliza Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues e membro do grupo Loucos por Bento.
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