Cartas pra Mãe: “Fim de ano”

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Muita gente (e, em alguns momentos, eu também, confesso) tem torcido para que 2020 vá embora logo e leve consigo tudo de ruim que trouxe de brinde. Mas a senhora já reparou que isso acontece em todo fim de ano?

Tentei me lembrar de um dezembro em que as pessoas não se lamentaram pelo ano que passou, desejando urgentemente que os números mudem no calendário. Parece regra: em janeiro, a gente deseja o bem, sonha, veste branco. No fim do ano, nos entupimos de reclamações, nos arrependemos e lamentamos, vestidos de cinza.

Eu acredito, Mãe, que há certos períodos mais difíceis que outros, em que o negativismo e as provações parecem se reunir e atingir com mais força a vida das pessoas. 2020 está sendo assim. 

Mas será mesmo que culpar o ano – TODOS OS ANOS – nos faz menos responsáveis por nossas alegrias e tristezas? Às vezes, Mãe, parece que queremos ver paisagens diferentes, mais lindas, mas continuamos olhando pela mesma janela todo santo dia. Queremos colher as frutas mais doces, mas plantamos só ervas daninhas. Ou não plantamos nada. 

Adianta, Mãe, culpar sempre a sorte se não nos esforçamos o mínimo que seja para contribuir? Adianta nos espantarmos com os extremismos se não somos capazes de treinar nossa própria paciência e respeito com aquele que é diferente de nós? De que serve tantos pedidos e simpatias de começo de ano, se não dedicamos nosso tempo ao outro e insistimos em colocar sempre nosso próprio umbigo em primeiro plano? 

Se repetem #FelizAnoNovo e #AcabaLogo200equantos. Mas, se repetem, sobretudo, as mesmas tradições, os mesmos preconceitos, o mesmo materialismo vazio, a mesma falta de fé: em algo, em si mesmo e naquele que está ao nosso lado. 

A Terra é um espaço de provação, de erros e acertos, de lapidar as pedras. Acredito, Mãe, que há razões que estão além da nossa ação e nosso entendimento, mas acredito ainda mais que o esforço – individual e coletivo – traz mudanças e realiza utopias. 

Vamos celebrar o ano ou o fim dele, mas vamos nos manter cientes de que os números no calendário vêm e vão e o que importa é o que nós escolhemos fazer entre cada janeiro e dezembro. Como a senhora me ensinou, para que o mal prevaleça, basta que o bem fique de braços cruzados. Se queremos uma mudança efetiva, que tal caminhar diferente?

A bênção,

J.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense.

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