Representatividade feminina nas eleições de 2020 é um grito pela democracia

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No Brasil, a vitória de Duda Salabert, nas eleições municipais de Belo Horizonte, este ano, é um grito pela democracia, assim como a vitória de Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Nos EUA, Kamala Harris, eleita vice-presidente, também é resistência à onda conservadora, que parecia estar ganhando força pelo mundo. 

Esses últimos acontecimentos são fundamentais para a democracia, sobretudo, por dois aspectos: são mulheres assumindo cargos políticos e representam minorias. É claro que elas não foram as únicas mulheres eleitas aos cargos que pleitearam, neste conturbado ano de 2020, o que é algo realmente bom, mas é fundamental salientar que tanto o Brasil quanto os Estados Unidos não têm sido países dos mais favoráveis à diversidade entendida em seu sentido amplo. Logo, Duda Salabert, Mônica Benício e Kamala Harris representam um conjunto de pessoas muitas vezes silenciadas, sem que parte da população grite por elas. 

Antes de esclarecer os dois aspectos mencionados, é preciso deixar claro que as mulheres se enquadram no conjunto das minorias. Portanto, toda mulher enfrenta, diariamente, o desafio de ser respeitada e de ter seus direitos garantidos, o que fica evidente nos inúmeros casos noticiados de violência infligida ao sexo feminino. Ademais, se considerarmos o silêncio como um fator extremamente agravante do problema, o cenário é ainda mais assustador. Tal realidade se deve a uma estrutura social que até hoje não equipara efetivamente os direitos entre homens e mulheres, sendo assim, muitas estão sujeitas à ação opressora daqueles que as sustentam, como também, de modo geral, daqueles que elaboram e executam as leis. Por isso, toda vez que uma mulher assume espaços que são legitimados como masculinos, ela reforça a importância da busca pela igualdade de direitos.

No que diz respeito mais pontualmente às três mulheres, aqui, mencionadas, há o fato de que o resultado expressivo obtido nas urnas reflete também os anseios e as angústias de um conjunto de pessoas que se viu representado nelas também em outros aspectos. Dito de outro modo, cada voto computado ressoa como um grito pela democracia, uma resposta à política que insiste em não agir mais assertivamente contra todo tipo de preconceito e de exclusão às pessoas que não se enquadram aos lugares pré-determinados pelo outro. E pela coragem de dar voz às minorias, é essencial citar outros nomes que se destacaram no pleito das eleições municipais, no Brasil: Erika Hilton, Filipa Brunelli e Isabelly Carvalho, em São Paulo; Linda Brasil, em Aracaju; Thabatta Pimenta, no Rio Grande do Norte; e Lins Roballo, no Rio Grande do Sul. 

A missão dessas mulheres é, antes de tudo, a de ressignificar a política de seus países, abrindo espaço para que os grupos minoritários sejam ouvidos, o que vai de encontro ao princípio de um Estado que se quer democrático. Assim, é correto afirmar que quem governa está no cargo a serviço da população, portanto, isso inclui toda diversidade de grupos. Em outras palavras, é um compromisso assumido com as pessoas, independente da classe social, da religião, da cor da pele, da localidade em que reside, da profissão que exerce ou da sua identidade de gênero. Não é um compromisso com uma família em particular ou com um grupo de amigos, por exemplo, porque o exercício de um cargo político implica na responsabilidade com o coletivo. Em bom português, exercer um cargo público em benefício próprio é, no mínimo, imoral, e quem já sofreu na carne a exclusão sabe muito bem disso. 

Em linhas gerais, as últimas eleições mostraram o apelo da população por mudanças. A vitória tanto de mulheres trans quanto de mulheres negras, nos pleitos, renova a esperança por mudanças no cenário atual que vem se mostrando desolador, com práticas racistas, sexistas, xenofóbicas, só para mencionar alguns dos tipos de violência a que muitos estão submetidos cotidianamente. É sim um alento para quem passa pela humilhação de ser chamada de “lixo” ou de “porca” por ser negra e pobre. É um pouco de conforto para quem chora o filho que foi torturado e morto, ao ser arrastado por 15 quilômetros, pelo chamado homem de bem, como também para as famílias de tantas pessoas silenciadas com o pé do opressor em seu pescoço. É a renovação do espírito de justiça para quem sofre com as piadinhas legitimadas em vozes preconceituosas e por quem precisa mostrar a carteira de identidade ao descer das favelas. Que venham, pois, novos tempos!

(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana.

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