Entre a asfixia e a cura
- Giseli Barros (*)
- 21/01/2021
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Em meio aos sentimentos que a Covid-19 tem provocado nas pessoas, desde o início de 2020, há quem ainda acredite numa mudança significativa no comportamento humano, fazendo circular nas redes sociais vídeos em tom bastante emocional. Talvez, este momento extremamente penoso e permeado de conflitos, inclusive políticos, deixe algum legado minimamente positivo ao planeta, mas é fato que o olhar idealizado para o tempo pós-pandemia vai esmorecendo de forma progressiva. Sobre o Brasil, especificamente, tem sobrado desvarios e a asfixia se alastra como um monstro sorrateiro entre nós.
É interessante pensar como o negacionismo vem ganhando força nos últimos tempos. Não é de hoje que quem se dedica à pesquisa científica no país sofre, por vezes, com o descrédito alheio. Um pesquisador, de modo geral, pode ser visto como quem não trabalha. Recentemente, as universidades públicas brasileiras passaram por cortes de orçamento voltado ao fomento de pesquisas nas diversas áreas. E isso impacta o desenvolvimento de um país. Sem verba suficiente, há menos investimento na aquisição de equipamentos, livros e qualquer tipo de insumos para experimentos. Além disso, há cortes muito expressivos de bolsas, provocando o afastamento de pesquisadores promissores dos seus objetos de estudo. O desdobramento dessa ação pode implicar, inclusive, no desligamento definitivo de estudantes que, sem recurso financeiro, precisam abandonar a instituição. Então, pode-se pensar, por exemplo, que sai um pesquisador e chega o que pode se manter nesse espaço sem ajuda do governo, mas não é por aí. Não é apenas uma troca. Seria, no mínimo, simplória tal afirmação. Ampliando o debate, é fundamental considerar também que uma pesquisa exige tempo de dedicação até chegar ao resultado final, que, na maioria das vezes, não se esgota em si mesma, abrindo, pois, caminhos para estudos futuros. É assim, por exemplo, que o mundo gira na busca para a solução de diversos problemas, e não deveriam ser entendidas essas instituições como um gasto a mais para o governo, mas como investimento na educação, na saúde, na cultura e na infraestrutura do país. Não é tão difícil entender que, da descoberta do fogo até os dias atuais, a humanidade tem realizado projetos incríveis e cada vez mais sofisticados, melhorando a qualidade de vida das pessoas.
O problema que se coloca, aqui, é, sobretudo, o descrédito atual dispensado à ciência e que, por desdobramento, implica no negacionismo propagado pelas redes sociais. Sem embasamento científico, várias informações distorcidas interferem na maneira como muitos vão tomar decisões diante de um determinado impasse. E numa situação como a que vivenciamos, a atitude de uma pessoa reflete diretamente sobre o que pode acontecer com a outra. Se Manaus passa pela asfixia de agora, é válido pensar que pouco aprendemos com os erros recentes de 2020. Enquanto o mundo se debruçou na corrida para a vacina da Covid-19, incluindo brilhantes pesquisadores brasileiros de instituições renomadas, autoridades nacionais insistem ainda em falar sobre o que supostamente desconhecem, e vão contaminando o país como um vírus até mais letal, pois o desdém de muitos se alastra asfixiando a esperança de pais e mães, filhos e filhas, netos e netas que não sabem se verão seus entes queridos longe de um leito de hospital. Isso se houver leitos. O caos de Manaus já bate à porta de uma cidadezinha do Pará, enquanto o verão arrasta brasileiros para os litorais, como se a pandemia fosse tão somente uma ilusão ou coisa de alarmistas.
Negar a ciência tem sido a pior escolha, porque aumenta o risco de estender a propagação da doença por mais tempo e agravar a crise que se instalou no Brasil. Na medida em que parte da população segue aceitando qualquer informação como verdadeira, acordar desse pesadelo torna-se mais moroso. O novo coronavírus já nos trouxe algumas lições fundamentais, sendo uma delas a de que não estamos diante de “uma simples gripezinha”, por mais que os negacionistas propaguem inverdades. A segunda lição virá, talvez, em decorrência do desgaste causado pelos próprios negacionistas, quando figuras execráveis começarem a ser punidas pelos crimes de divulgação de notícias falsas. É preciso entender que a ciência tem papel fundamental na sociedade, e que o isolamento social e a vacinação não são apenas escolhas individuais, sendo, sobretudo, uma responsabilidade com o coletivo. Além disso, é sempre necessário lembrar que, após o controle da doença do novo coronavírus que nos assola, teremos de enfrentar outra: uma crise política e econômica gravíssima que está prestes a explodir.
(*) Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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