O saneamento na Região dos Inconfidentes - Parte I: Ouro Preto
- Jorge Adílio Penna (*)
- 23/01/2021
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Segundo a clássica definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) – saneamento é o controle de todos os fatores do meio físico do homem que exercem, ou podem exercer, efeitos deletérios sobre o seu bem-estar físico, mental ou social. Com esse conceito bem amplo, o saneamento compreende um conjunto de ações sobre o meio ambiente no qual vivem as populações, visando garantir a elas condições de salubridade, que protejam a sua saúde. Dentre estas ações citam-se o abastecimento de água e o esgotamento sanitário, passando pelo controle da qualidade do ar, do solo e das águas, de vetores causadores de doenças, da poluição sonora e visual e até mesmo do saneamento de praias e cemitérios, dentre outros. Já o tão mencionado, saneamento básico, compreende ações de abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Esse conceito é definido no Brasil pela Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico. Faço este esclarecimento porque tem sido comum ouvirmos a citação do termo abastecimento de água e saneamento ou saneamento básico, como se o saneamento compreendesse apenas ações de esgotamento sanitário e eventualmente também, resíduos sólidos. Mais popularmente, quando falamos de saneamento básico no Brasil, estamos tratando de água, esgoto, lixo e drenagem urbana. Peço desculpas aos leitores, mas era necessário deixarmos bem claros estes conceitos. Afinal, não perdemos ainda o cacoete de professor. Das quatro ações citadas, duas são quase sempre trabalhadas em conjunto: abastecimento de água e esgotamento sanitário. Vamos discuti-las primeiramente, deixando para os próximos textos o lixo e a drenagem urbana. A Constituição Brasileira de 1988 estabelece em seu Art.30, item V, a competência dos municípios para ” organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial“. Dentre estes serviços está o saneamento básico. Nos municípios da nossa região, o abastecimento de água e o esgotamento sanitário eram administrados diretamente pelo poder público municipal, por meio dos Departamentos de Água e Esgoto pertencentes às estruturas administrativas das Secretarias de Obras. Em Itabirito, estes serviços passaram para uma administração indireta com a criação da autarquia municipal do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), em 11 de julho de 1978. Igualmente em Ouro Preto, foi criado o Serviço Municipal de Água e Esgoto (SEMAE-OP) em 24 de fevereiro de 2005 e posteriormente, o SAAE de Mariana em 15 de setembro de 2005. Todos os três municípios possuem Planos Municipais de Saneamento Básico, conforme exigência da citada Lei 11.445/2007. Todos aprovados pelas respectivas Câmaras de Vereadores. O de Itabirito em 7 de novembro de 2014; o de Ouro Preto em 23 de dezembro de 2014 e o de Mariana, aprovado no dia 6 de agosto de 2015. Destes documentos podemos extrair informações importantes sobre o diagnóstico dos sistemas de água, esgoto, lixo e drenagem urbana e ainda o planejamento das ações imediatas, de curto, médio e longo prazos em um horizonte de tempo de 20 anos. Os Planos devem ser avaliados anualmente e revisados a cada 4 (quatro) anos, conforme o §2° do artigo 52. Destaco os sistemas de água e esgotos de Ouro Preto, deixando os demais para os próximos textos. O Plano Municipal de Saneamento Básico de Ouro Preto (PMSB-OP) foi elaborado em 2012-2013, de onde destaco as informações mais relevantes dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário:
– Dados gerais do município
- População do município (IBGE-2010) – 70.281 hab.
- População estimada em 2032 – 79.136 hab.
- População da sede (IBGE-2010) – 40.583 hab.
- População dos 12 distritos (IBGE-2010) – 29.698 hab.
- N° de domicílios do município – 20.335
- Relação hab./domicílios – 3,46
– Dados gerais do sistema de abastecimento de água
- 89,2% dos domicílios com abastecimento
- 65 pontos de captação
- 6 estações de tratamento operando com 260 litros/segundo
- Demais pontos só com adição de cloro
- Consumo estimado para a sede – 450 litros/pessoa.dia
- 89 reservatórios com capacidade de 8.899 m3
- 435 km de rede de distribuição
Dados gerais do sistema de esgotamento sanitário
- 66,8% de cobertura com coleta de esgoto em todo município
- 69,4% para a área urbana da sede e dos distritos
- 0,4% de tratamento do esgoto coletado
- 1 ETE no distrito de São Bartolomeu
Não havia, à época da elaboração do PMSB e até os dias atuais, qualquer controle do consumo por meio de hidrômetros. Porém, já existia desde janeiro de 2010 a cobrança da Tarifa Básica Operacional (TBO), aprovada pela Lei Municipal de Tarifação nº. 538 no dia 23 de dezembro de 2009. A tarifa básica operacional, segundo a citada Lei, corresponde a um valor fixo cobrado pela disponibilização do serviço de água e esgoto, independente do consumo de água ou da utilização dos serviços de esgoto sanitário. Entretanto, o próprio Plano de Saneamento aprovado pela Câmara já recomendava a hidrometração com a cobrança pelo consumo micromedido. Aliás, as diretrizes nacionais para o saneamento básico (lei federal 11.445/2007) já definia em seu Art. 2º – item VII que os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos princípios de eficiência e sustentabilidade econômica. Destaco essa questão em virtude da polêmica de instalação do hidrômetro em Ouro Preto, o chamado “reloginho”, objeto de muita discussão, especialmente nas campanhas eleitorais para prefeito da cidade, desde 1977, se não me falha a memória. Pois bem, fato é que a instalação de hidrômetros já é assunto resolvido no município de Ouro Preto desde a aprovação do PMSB e leis municipais anteriores. A questão era quando seriam instalados e qual o valor da tarifa pelo consumo medido. Desde o inicio da década de 1980, quando passei a lecionar a disciplina Saneamento na UFOP, defendo a instalação de hidrômetros e a cobrança pelo volume de água consumido. Aliás, como ocorre com a energia elétrica, as telecomunicações e outros serviços públicos. Apresento os seguintes argumentos. Antes, é preciso separar duas questões: uma é o controle do consumo, por meio de instrumentos como os hidrômetros, que possam medir, por ponto de abastecimento (as economias), o volume de água consumido. A outra é o valor a ser cobrado para que o sistema possa ser, no mínimo, sustentável econômica e ambientalmente. Não é admissível que se tenha um consumo de 450 litros por pessoa por dia, quando o razoável, recomendado pela Norma Técnica Brasileira (NBR 12211) é um consumo per capita da ordem de 150 litros por dia. Aqui é preciso esclarecer que nesse valor incluem-se as perdas, como vazamentos nas unidades do sistema e nas instalações das unidades de consumo, bem como os desperdícios. E é principalmente o desperdício, pela falta de controle, que causa valores exagerados do consumo per capita. Valores estes que impactam de forma significativa o custo do abastecimento. Só para se ter uma ideia, o custo do SEMAE, somente para manutenção dos sistemas de água e esgoto, girava em torno de R$1.300.000,00 mensais. Destes, o maior insumo era para energia elétrica, em virtude dos bombeamentos necessários. Grosso modo, com o consumo 3 vezes maior, estávamos, e ainda estamos, bombeando 3 vezes mais o volume de água, ou seja, desperdiçando dinheiro público. Outra questão é de justiça social: é justo que uma República estudantil com 10, 20 e até 30 pessoas, pague um mesmo valor que uma residência de 2, 3 ou 4 moradores? Ou que um hotel e um restaurante de grande porte, um posto de gasolina, uma lavanderia ou mesmo uma indústria, paguem apenas uma TBO um pouco mais elevada quando consomem uma quantidade de água muito maior? Fora estes argumentos, ainda acrescento: é justo um município receber recursos de saneamento a fundo perdido, do Estado ou da União, quando boa parte da água que consome e do esgoto gerado é fruto do desperdício? Como ficam os outros municípios em que o desperdício é muito menor porque possuem controle por hidrômetros? Por falar nisso, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE de 2017, dos 5517 municípios brasileiros com abastecimento de água por rede de distribuição, apenas 300, ou seja 5,44%, não possuem alguma forma de cobrança pelo consumo micromedido por meio de hidrômetros. Dentre estes, Ouro Preto e Mariana. Dos 10 municípios que fazem divisa com o município de Ouro Preto, apenas 2 (Mariana e Catas Altas da Noruega) não utilizam hidrometração para controle e cobrança pela quantidade de água consumida. Portanto, não dá para ser contra a instalação de hidrômetros. Não utilizar hidrômetros para medir e cobrar água pelo volume consumido só é bom para os grandes consumidores, os que desperdiçam, ou então, para quem comercializa água por caminhão pipa. Porém, cabe sim, discutir o valor das tarifas, as tarifas sociais, a agência reguladora e o tipo de governança do sistema: se diretamente pela administração pública, por autarquia municipal, cooperativa, concessão para a COPASA, por exemplo, ou uma empresa privada. Em Ouro Preto, optou-se por uma concessão dos sistemas de água e esgoto a uma empresa privada, a SANEOURO, que é um consórcio das empresas GSInima (coreana) e as brasileiras EPC e MIP. A concessão foi objeto de uma licitação pública que gerou um contrato entre o consórcio e a municipalidade nos principais termos:
- Início dos serviços – 1 de janeiro de 2020
- Prazo de concessão – 35 anos
- Investimentos no prazo de concessão – R$150 milhões
- 100% dos domicílios com água em até 60 meses
- Cobertura de esgoto em pelo menos 75% dos domicílios até 84 meses
- Cobertura de esgoto em pelo menos 90% dos domicílios até 180 meses
- 100% de tratamento do esgoto coletado em até 60 meses
- Cobrança somente da tarifa fixa (TBO) até a instalação dos hidrômetros
- 90% de hidrômetros instalados em no máximo 24 meses
- Cobrança de tarifa por hidrometração somente após 90% de hidrômetros instalados e após 90 meses
- Nos 4 meses anteriores ao início da cobrança por hidrometração, informar aos usuários a fatura com o volume consumido e o correspondente valor que seria cobrado
- Reajuste das tarifas a cada 12 meses
- Cobrança de multa e até interrupção dos serviços dos usuários inadimplentes
- Categoria de usuários – residencial social; residencial; comercial; industrial e público
- Usuários da categoria residencial social, com direito à tarifa social, até o limite de 5% do total de economias enquadradas na categoria residencial
- Cálculo da conta total mensal – tarifa fixa (TBO) mais valor para cada 1000 litros consumidos de água mais valor para cada 1000 litros de esgoto gerado
- Considera-se o volume de esgoto gerado como sendo igual a 80% do volume consumido de água
- Tarifas menores para quando o esgoto é só coletado e maiores para coletado e tratado
A regulação dos serviços de água e esgotamento sanitário em Ouro Preto é de responsabilidade da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de Ouro Preto – ARSEOP, criada pela Lei municipal n°1.144, de 17 de julho de 2019.
Para não cansar os leitores com tantos números, vamos deixar para os próximos textos a apresentação e discussão dos valores das tarifas dos serviços.
(*) Jorge Adílio Penna é Professor Titular aposentado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e músico
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