Cartas pra Mãe: Vamos gritar, enquanto podemos

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Mãe,

Faz tempo que estamos chorando, não é? Praticamente todos os meus amigos choraram naquele 29 de outubro, quando o Brasil deixou de escolher o professor.

Nós sabíamos – ou pensávamos que sabíamos – que viriam tempos muito sombrios por aí. E vieram.

Então, nós choramos. A cada corte na saúde. A cada declaração vestida explicitamente de preconceito. Enquanto a boiada e o fogo passaram nas matas. Enquanto a vulnerabilidade voltava a ser regra no nosso país desigual.

Choramos, sim. Nos assustamos com um absurdo atrás de outro. Todos os dias. Todos os dias. Sempre igual.

Mas, agora e desde muito tempo, é preciso gritar. O nosso choro, sentido, calado, não basta. Temos que gritar, Mãe, enquanto podemos. Enquanto temos força nos nossos pulmões. Enquanto a apatia não destrua a esperança que aprendemos a ter.

Temos que gritar, Mãe. Cada um à sua maneira. Cada um da forma que possa. Para uma, duas, cem, mil pessoas. Para nós mesmos antes de dormir. Temos que gritar.

As notícias do norte parecem distantes, em um Brasil acostumado a ignorar os seus, suas regiões longe do sul. Os números no jornal já não chocam mais: “foram só mil mortes hoje”, ouvi dizer.

O país do futuro assiste, cúmplice, à falta de ar nos corredores dos hospitais. Escuta, irônico, o desespero das sirenes que não chegam a lugar nenhum. O país do futuro escolheu um passado triste, um representante de tudo o que há de pior.

E Brasília continua com seu cheiro podre, com seus traços vis. Enquanto o mundo avança, nossos braços esperam. Amores nossos e de outros se vão.

Por isso, Mãe, nós, que ainda podemos, temos que gritar. Para que absurdos não se tornem rotina. Para que não nos convençam de que o horror é normal.

Vamos gritar, Mãe, com toda força que temos. Enquanto não nos falte o ar.

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense

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