O caso SAGODI

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Quando o cidadão marianense está na Rua Salvador Furtado, esquina com Rua Josafá Macedo, de frente para o Terminal Turístico, e olha para a esquerda, fitando a Igreja do Rosário, percebe, à primeira vista, dois morros. O primeiro, mais próximo, integra o bairro Rosário, limítrofe ao sítio arqueológico do Gogô e objeto de parcelamento irregular do solo. O segundo, mais alto ao fundo, é parte da Serra de Ouro Preto que faz divisa entre os Municípios de Mariana e Ouro Preto.

O morro da Serra de Ouro Preto tem uma significativa importância ambiental. Ele compõe a paisagem do entorno da cidade, é divisor de águas das Bacias Hidrográficas do Rio Doce e do Rio das Velhas, protege manancial para abastecimento humano, possui ruínas e buracos de sarilho, é composto por vegetação de campos rupestres e Mata Atlântica, há ocorrências de cavidades naturais, além de ser espaço de lazer e prática de esportes, como mountain bike e caminhada. O lugar recebe a trilha denominada “Sufoco do Vanderlei” que faz a ligação entre o Gogô e o Morro da Queimada, e por lá passa a Estrada da Purificação que liga Mariana e o Distrito de Antônio Pereira a Ouro Preto. Lá também se localiza o bairro Campo Grande de Vila Rica que possui dezenas de moradores.

Pois bem. Nesse local, uma empresa mineradora denominada Sagodi Mineração Ltda. ME pretende realizar lavra a céu aberto de minério de ferro, suprimindo vegetação protegida por lei, diminuindo a altura do morro e promovendo tráfego de caminhões de carga pesada.

A fim de iniciar o processo de licenciamento ambiental, no ano de 2020, a mineradora solicitou ao Município de Mariana, processo administrativo nº 1517/2020, uma declaração atestando que a atividade que se pretende licenciar, no caso a lavra de minério de ferro, estava de acordo com as leis de uso e ocupação do solo. Apresentou um relatório técnico simples sem descrever com exatidão os impactos ambientais que poderiam advir da atividade. Sequer supostos benefícios econômicos foram mensurados pela mineradora.

Em face da solicitação, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Mariana encaminhou ao Conselho Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Ambiental – Codema um parecer técnico concordando com o pleito da mineradora.

Integrantes do Codema, alarmados com a possiblidade de mais um ataque ao patrimônio natural e arqueológico do Município, convidaram para participar da discussão praticantes de mountain bike, moradores do Campo Grande e especialistas.

Nas reuniões do Codema convocadas para debater o projeto, o representante dos ciclistas apresentou, de forma didática, os caminhos da prática esportiva, além de um interessante projeto de tombamento das trilhas de Mariana. Moradores do Campo Grande relataram que a atividade de mineração prejudicaria a comunidade com a poluição do ar e o tráfego de caminhões. Bióloga e arqueóloga evidenciaram a perda da biodiversidade e a destruição de vestígios de interesse arqueológico.

A atual lei de uso e ocupação do solo de Mariana é o Plano Diretor, Lei Complementar nº 016/2004, que define, entre várias questões, o zoneamento municipal. De acordo com essa lei, Anexo V, a área em questão é caracterizada como Zona de Interesse de Proteção Ambiental, porção do território do Município destinada prioritariamente à preservação dos recursos naturais existentes e à manutenção da qualidade ambiental municipal. Trata-se da área mais relevante sob o ponto de vista ambiental existente nos limites territoriais de Mariana onde atividades de significativo impacto ambiental não podem se instalar.

Sensível à situação, o Codema rejeitou o parecer técnico emitido pela Secretaria de Meio Ambiente, solicitou parecer jurídico e exigiu da mineradora a realização do estudo ambiental mais complexo previsto na legislação, o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, para maiores esclarecimentos e a confirmação de incompatibilidade da atividade e impactos associados.

Desde então, a única notícia que se tem é que a Sagodi está oferecendo seus direitos minerários sobre a área para terceiros.

O objetivo dessa escrita é demonstrar que a participação da população foi fundamental para embasar a tomada de decisão. A partir das questões levantadas pelos cidadãos foi possível visualizar possíveis impactos significativos que foram omitidos pela mineradora e ignorados pelo órgão ambiental municipal.

A democracia contemporânea é exercida de forma participativa, muito além da representação eleitoral. O governo de ocasião não tem a exclusividade de decidir sobre as políticas públicas, principalmente quando envolvem direitos fundamentais como é o caso do meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225, da Constituição da República.

Não sem razão que no Direito Ambiental a participação popular é princípio, ou seja, norma jurídica que deve ser observada.

A implantação de empreendimento minerário em área de relevância ambiental, como pleiteada pela empresa e endossada pela Secretaria de Meio Ambiente à época, não pode ser admitida pelos marianenses porque contrária à proteção que o local exige para a manutenção do equilíbrio ambiental. Nem todo local é passível de mineração. Não basta ter um direito minerário para tanto.

Embora (ainda) não tenha sido rejeitado o pleito por completo, o que se espera em razão da manifesta ilegalidade, o Codema mostrou ao minerador e à sociedade como se deve fazer.

Que esse episódio de 2020 sirva de lição para os próximos anos, aumentando cada vez mais a participação popular para o desenvolvimento sustentável de Mariana.

(*) Bernardo Campomizzi Machado é advogado especialista em Direito Ambiental e Minerário

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