Quanto vale a água em Mariana?

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Na abertura de sua “O Encontro de Lampião Com Eike Batista”, a banda carioca El Efecto, deixa bem claro que, mesmo constantemente utilizados para se referir a conceitos econômicos, existe um oceano separando os termos “preço” e “valor”. Sabendo qual é a diferença entre eles, eu não acredito que seja justo falar sobre a água de Mariana utilizando apenas a ideia de preço, mesmo porque, faz pouco tempo que o nosso bem mais precioso começou a ser taxado na cidade.

Mas então, qual é o valor da água de Mariana?

O valor do SAAE

Para entender qual é o valor da nossa água, primeiro vamos pensar na água que mais utilizamos: aquela que sai nas torneiras de nossas casas.

Quem faz a captação desta água no meio natural e a leva até as casas, empresas, escolas, indústrias e outros endereços, é o Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Município de Mariana. Ou, como a maioria de nós conhece: o SAAE. Uma autarquia criada por aqui no final de 2005.

Para o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico (CISAB) da Zona da Mata, entidade responsável por analisar os custos do nosso SAAE em 2017, o valor desta água entregue pelo SAAE em Mariana é extremamente alto, afinal, este é um recurso entendido “como um direito do cidadão, e como um direito humano” e que foi “reconhecido por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de dezembro de 2015”, de acordo com levantamento feito por eles.

Ainda de acordo o CISAB, o custo que haveria para o SAAE entregar um serviço de melhor valor seria de R$ 1.486.807,53 (um milhão, quatrocentos e oitenta e seis mil, oitocentos e sete reais e cinquenta e três centavos) por mês. No entanto, no ano de 2017, quando a pesquisa foi realizada, a prefeitura de Mariana, responsável por bancar as operações do SAAE, repassou cerca de R$ 800.000 mensais para o serviço, pouco mais da metade tida como sendo ideal.

Hidrometração: solução ou problema?

Boa parte deste problema de sustentabilidade econômica do SAAE poderia ser resolvido de maneira mais simples se adotássemos de vez um modelo de hidrometração capaz de tirar das costas da prefeitura a totalidade da responsabilidade financeira do Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Município.

Hoje, por volta de 96% dos mais de cinco mil municípios brasileiros têm seu consumo de água medido e taxado por hidrômetros, algo que praticamente não acontece em Mariana, já que por aqui, apenas em 2018 os prédios públicos e novas ligações de água começaram a sofrer taxação do SAAE.

Então qual é o motivo para o qual nos últimos 16 anos Mariana não ter adotado algum modelo de taxação pela água? Eu chutaria que é o valor dado para os votos em período eleitoral, afinal, é mais fácil trabalhar com desculpas financeiras para a má distribuição de algo gratuito do que encarar uma possível incompetência em administrar um serviço bom, porém, pago.

O valor da privatização do saneamento

Neste ponto da história vem o valor dado à privatização da água e do saneamento básico.

Em 2020, muito foi discutido sobre a aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico, que torna regra a realização de licitações para contratação de companhias de água e esgoto. Ou seja: facilita a privatização dos sistemas municipais de água. Algo já bastante defendido pelo governo marianense, até em sua fase interina.

Dito isso, é importante ter em mente que pensar em privatização é tirar o valor da água de Mariana.

Enquanto boa parte dos países ricos, capitalistas e desenvolvidos têm feito um processo de reestatização de serviços de setores importantes, como energia, água e transporte, o Brasil na figura de alguns de seus municípios, continua no caminho do retrocesso ao entregar tudo isso de mão beijada para iniciativas privadas.

E não é por um exercício de benevolência do capital que lugares como Estados Unidos e Alemanha têm voltado com o controle da água para as mãos do Estado. De acordo com várias pesquisas, existe um leque de problemas reincidentes nas privatizações, entre eles serviços inflacionados, ineficientes e com investimentos insuficientes.

“Em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso“, explica Satoko Kishimoto, autora de uma dessas pesquisas, à BBC Brasil.

“H2O é ouro em pó, é salvação”

Assim como o El Effecto fala sobre a diferença entre preço e valor, o BaianaSystem dá detalhes sobre o valor da água ao dizer que “H2O é ouro em pó, é salvação”. No ponto futuro o doce e o sal vão se misturar”. E eles não só estão certos, como previram o futuro com esta música de 2019.

Um ano após o lançamento da música “Água”, no final de 2020, a bolsa dos EUA passou a vender cotas de água, como já acontece com o petróleo, através do índice Nasdaq Veles California Water (NQH2O). Mas por que a água foi parar na bolsa de valores? Porque este é um bem que tende a se tornar cada vez mais desejado pela indústria e cada vez mais escasso.

Em 2014, quando Mariana passou por um período de seca severa, a Samarco aumentou em mais de 70% seu consumo de água. Aqui do nosso lado, em Itabirito, a Coca-Cola é acusada de secar nascentes e lençóis freáticos. A cada 100 litros de água tratada produzidos no Brasil, 72 vão para o agronegócio, segundo dados recentes da Agência Nacional de Águas (ANA).

Temos de entender que a água de Mariana vale muito, tanto para a população quanto para o mercado, que tem uma preocupação única com os lucros e não com o bem-estar da comunidade. Por isso é de extrema importância defender o SAAE, cobrando uma melhor eficiência do seu serviço e de sua administração, e não entregando tudo para entidades privadas.

(*) Kelson Douglas é Diretor criativo da I Love Pixel, fundador do Valin, o vale de inovação de Mariana e Ouro Preto, embaixador do Montreal International e lider local do Startup Weekend e da IxDA

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