Cartas pra mãe: “E o que a gente faz?”

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Mãe,

A campainha tocou domingo à noite. Um domingo de chuva, desses que o que a gente menos quer é sair de casa. 

Era uma moça de uns 20 e poucos anos com sua bebê de colo, se espremendo debaixo do guarda-chuva. Pedia ajuda para comprar leite para sua menina. Aptamil, disse. Tinha ido à prefeitura, mas a resposta ainda estava nos passos lentos da burocracia. Da burocracia que desconhece a fome.

Ganhou uma cesta básica para virar o mês, mas não tem gás de cozinha. “Ainda bem que ela só toma leite”, contou. “Eu me viro com o que é cru”.

Moramos em uma cidade pequena, não é, Mãe? Uma cidade que acumula colchões espalhados no chão em acampamentos improvisados. Que vê as portas das padarias e supermercados cada vez mais cheias de pessoas implorando ajuda.

Nesse mesmo domingo, Mãe, o Fantástico deu a notícia: milhões e milhões de brasileiros sobrevivem com 150 reais por mês. Sobrevivem, eles disseram na TV. Faça as contas, Mãe: pensa no gás, no pão, no arroz, no feijão, no leite. 150 reais por mês.

A campainha tocou domingo à noite. Aqui em casa e no Brasil inteiro. A campainha tocou para dizer o que vemos todos os dias: há pessoas passando fome. Há gente morrendo por descaso. E o que a gente faz, Mãe? Compra o leite, aperta as mãos, deseja boa sorte e vai dormir?

O que a gente faz, Mãe? Continua aceitando um país que defende a caridade, mas não tolera justiça social? O que a gente faz?

(*) Jamylle Mol é jornalista e marianense

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