“Malcolm & Marie” e “Relatos do Mundo”. Dois bons filmes à sua espera na Netflix!
A Netflix recentemente anunciou que teria um lançamento de filme por semana. Desde minha última aparição neste espaço, foram dois interessantes filmes que surgiram no streaming: Malcolm & Marie e Relatos do Mundo. Por isso, faço mais uma vez um “2x1”, duas críticas para um só texto. Começo por Malcolm & Marie.
- Kael Ladislau (*)
- 15/02/2021
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A metalinguagem pela metalinguagem
Quando uma linguagem fala sobre uma linguagem é chamada de metalinguagem. É quando lemos um livro sobre um livro. Ou um filme falando sobre cinema. Ou uma crítica criticando outra.
Malcolm & Marie pode ser descrito como um filme sobre um relacionamento, mas é também metalinguístico por mostrar um diretor logo após a estreia bem-sucedida de seu filme.
Mas não só por isso, ele debate como a crítica enxerga filmes e se esforça sempre para achar significados que talvez não existam.
Essa é uma das linhas que o filme segue ao longo de seus pouco mais de 1h40, mas não só: Malcolm é esse diretor que sai em êxtase após o lançamento de seu filme, vivido pela figurinha bem recorrente John David Washington.
Marie, na pele de Zendaya, é sua namorada que não parece estar tão empolgada quanto o parceiro. A partir da chegada dos dois em casa – o único cenário do filme, bem como os atores, são apenas eles no filme todo – vemos o desenrolar dessa conturbada relação sempre moldada ao humor de um dos dois.
Enquanto Malcolm se mostra ansioso pelas críticas que seu filme receberá, Marie se sente incomodada pela falta de gratidão do namorado. E nesse conflito, são reveladas as nuances de um relacionamento conturbado, mas, ao mesmo tempo, cheio de amor.
O filme varia entre longos monólogos de ambos os personagens. Não são diálogos propriamente ditos, mas troca de longos discursos de cada um revelando sempre uma nova nuance deles e de seu relacionamento.
Essa estrutura, em determinado momento, cansa pela sua repetição. Os dois discutem, cada um com um longo monólogo, emburram, se entendem e um novo gatilho faz tudo começar novamente.
Mas, não dá pra negar que, quando se trata do relacionamento de ambos, há uma boa história. Há muita coisa sobre relacionamento abusivo ali.
O problema está mesmo quando o filme insiste em falar do cinema. E aqui volto na metalinguagem. Existem muitos filmes sobre cinema que são muito bons. O filme mais recente de Quentin Tarantino, “Era uma vez em… Hollywood”, é um exemplo. Ou então “Mank”, de David Fincher, que a Netflix lançou ainda no final de 2020.
Os dois filmes mostram Hollywood e por isso mesmo um pouco mais sobre a indústria do cinema de uma forma menos cansativa, ainda que existam muitas pessoas que não gostaram deles.
O problema de Malcolm & Marie é insistir no protagonista em não receber bem uma boa crítica e a partir daí problematizar como a sua obra é recebida pelo público – principalmente o especializado.
Não que seus argumentos não sejam bons, mas o que parece aqui, é que o diretor (Sam Levinson) não recebeu bem uma crítica no passado – o que de fato aconteceu – e, agora ele descarrega todo o seu descontentamento.
Ele insiste em dizer que os filmes não necessariamente possuem significados, sobretudo políticos. Quando um diretor negro (como o protagonista) faz sucesso, há sempre uma insistência em se politizar a obra, quando, na verdade, o filme é apenas um filme.
Nesse ponto, ele não está totalmente errado. Mas, Malcolm é negro. O diretor, não. Não quero dizer que o diretor não possui “lugar de fala”. Mas ele usa desse discurso para descarregar seu descontentamento com a posição da crítica em fazer sempre essa análise.
E essa não é apenas uma cena do filme. É um longo monólogo e um predomínio do assunto do meio para o final que cansa. Parece que o diretor quer dizer que filmes são filmes e só.
Mas, toda obra de arte, como filmes em geral, não pode ter o controle do que o público, seja qual for, sente sobre ela. Isso perde todo o propósito de arte: uma habilidade técnica para fazer algo que pode despertar os mais variados sentimentos e interpretações. Resumidamente.
O que o diretor faz com os monólogos de Malcolm é quase dizer ao seu público para não pensar em nada ao longo e apenas assistir. Então, não teria espaço para debater o filme. Nem mesmo eu estar aqui, agora, falando sobre ele, porque ele não teria um significado para passar.
Nem essa mensagem que acabei de passar. Mas esse controle não é do diretor, do protagonista, de ninguém. Uma obra alcança patamares que fogem de limitações. Ela apenas permite que cada um sinta o que bem quiser.
Por fim, Malcolm & Marie perde um poder de trazer a discussão sobre relacionamentos confinados – ainda que não seja mencionada a pandemia, os dois atores estão sozinhos em casa, como bem andou acontecendo na vida real em época de Covid.
Mas, se transforma em uma egotrip de um cineasta – no caso o diretor e roteirista de Malcolm & Marie mesmo – descontente com uma crítica que recebeu e, agora, quer falar para o seu público parar de achar significados em filmes.
Aliás, a crítica que ele levou no passado é do mesmo jornal citado no filme. Ou seja, o cara ficou chateado mesmo.
A comunicação e seu poder… no faroeste!
O faroeste é um dos gêneros que mais se aprofunda na construção da sociedade estadunidense. Durante décadas, ela retratou a “conquista” do oeste dos EUA mostrando o orgulho e a bravura do homem branco sobre a natureza, os nativos e os negros. Isso pode ser refletido, ainda hoje, na sociedade daquele país.
Agora, o novo filme com Tom Hanks mostra esses conflitos e amarguras sem o heroísmo visto nos filmes de John Wayne. Aliás, algo que os westerns mais modernos deixaram de fazer há um bom tempo.
Relatos do Mundo conta a história de Capitão Kidd, um veterano da Guerra Civil que leva a vida de cidade em cidade lendo as notícias nos jornais para seu público.
Um público que é aquele mesmo que tenta “desbravar” o Oeste e levar a vida. E por isso, os que são diferentes, são inimigos: para ser literal, negros e índios.
No caminho, ele encontra a jovem Johanna, filha de pais alemães assassinados pelos índios. Ela foi sequestrada pelos Kiowas e agora recuperada. Ela deveria ir para a cidade de seus tios, mas um ataque racista matou seu tutor. Perdida, ela encontra Kidd.
A partir daí, começa uma jornada pelo Texas e suas aventuras. Mas, como eu disse, nada de herói à John Wayne. Aqui, Tom Hanks faz um personagem que ele está bem acostumado: a pessoa boa que tenta resolver algum conflito sempre de uma forma boa, pura…
Talvez essas duas palavras não descrevem bem o Capitão Kidd, até porque há tiroteios e o personagem não se exime de matar, como em um bom faroeste. Mas a áurea de Tom Hanks é aquela que sempre vemos em filmes como “Capitão Phillips”, “Um Lindo Dia na Vizinhança” ou “Greyhound”.
Se essa áurea é repetitiva, bem como dizer que o ator se sai bem nele. Não será surpresa ele ser indicado nas premiações por vir neste ano.
Ao seu lado, uma ótima Helena Zengel, que traz o conflito de uma jovem criada entre os índios, que tem o costume de um povo que é odiado pelo branco, mesmo sendo branca.
Relatos do mundo, mais do que mostrar as velhas fórmulas do Faroeste, mesmo as mais novas, fala do poder da comunicação. Kidd não apenas lê a notícia, ele a repassa “manipulando” as emoções do seu público.
Isso diz mais sobre os dias de hoje do que os tempos do Oeste, assumamos!
Um filme de faroeste que não se resume apenas ao bang bang, mas traz à tona novas histórias que os planos abertos do gênero não permitem limitar. E é por isso que o Faroeste ainda vive. E vive muito bem, obrigado.
Uma bela jornada de companheirismo entre um homem perturbado pelo passado que tenta acabar com conflitos na sociedade pela comunicação, com uma garotinha, e que tem seus fantasmas e que vale a pena dar uma conferida.
Mas sério: se o Tom Hanks te chamar para uma viagem, pense duas vezes. Não deu certo com aviões, a pé, nave espacial, navio e agora, carroça.
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