Cidade invisível traz à cena lendas e o debate: a gente sabe valorizar o que é nosso?

Cuca, Saci, Tutu Marambá, Iara, Boto e Curupira são uns dos personagens da obra de Carlos Saldanha, de Rio e Era no Gelo

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Divulgação de cidade Invisível

Ouça o áudio de "Cidade invisível traz à cena lendas e o debate: a gente sabe valorizar o que é nosso?", de Kael Ladislau:

Será que o nosso sarrafo é mais alto quando criticamos uma obra nacional? Eu comecei a ver Cidade Invisível, na Netflix, com essa pergunta e queria entender, então, como seria a minha reação e a repercussão do público em geral sobre uma série genuinamente brasileira, trazendo para a cena alguns personagens que só existem aqui: nossas lendas!

A Cuca, o Saci, o Tutu Marambá, o Curupira, a Iara e o Boto são personagens de um suspense policial iniciado com a morte da antropóloga Gabriela, esposa do policial ambiental Eric, vivido por Marco Pigossi. O marido nunca aceita as causas do óbito e começa a investigar, por si só, o que estava por trás do suposto crime sem perceber, de início, que estava entrando no fantástico mundo das lendas brasileiras.

A forma como essas entidades são postas e interagem com os personagens “do mundo real” é bem azeitada e faz com que, cada vez mais, o público queira se envolver com eles e com a história.

É bem interessante a maneira como tudo acontece, ainda que tenhamos uma história não muito inspirada e com alguns problemas. Todos eles passam pelo fato dessas lendas e os acontecimentos estarem e serem no Rio de Janeiro.

Não é preciso fazer muito esforço para se lembrar que boa parte dessas entidades têm origem indígena. O primeiro relato sobre o Curupira, por exemplo, vem de José de Anchieta que dizia que os nativos das novas terras falavam existir e ser um defensor das matas. Acontece que nenhum indígena está efetivamente em tela, com o seu devido espaço.

Segundo problema que incomoda muito são os eventos acontecerem no Rio de Janeiro. Particularmente, o Boto-Cor-de-Rosa é um animal típico da floresta amazônica e misteriosamente (e sem que saibamos direito o porquê) ele aparece na praia do Flamengo.

Esses dois problemas já poderiam, por si só, determinar um fracasso que a obra deveria ter. Mas não há como negar uma trama relativamente boa, com suspense e algum aprendizado sobre essas entidades que a série entrega ao longo de seus 7 episódios.

O roteiro, cheio de conveniências, mas não por isso ruim, faz de uma maneira lúdica o público conhecer melhor cada uma dessas lendas. Para um público infantil e até mesmo o do exterior, essa maneira bem didática apresenta, de uma forma moderna, personagens fantásticos que temos no nosso país e que são muito pouco explorados pela nossa cultura, principalmente no audiovisual – quando muito, em obras de Monteiro Lobato. Ressalvando, sempre, o problema da representação de alguns deles de acordo com a sua origem.

Destaque para a sempre competente Alessandra Negrini, que apesar de fazer uma atuação confortável, entrega uma Cuca misteriosa e cativante. Outro ponto alto é o sempre presente Fábio Lago, um ator bem performático que é figurinha constante em várias obras nacionais, que, dessa vez, está na pele de Iberê, o Curupira.

Como disse, a trama tem certas conveniências, o que não atrapalha o espectador menos exigente, aquele que procura um bom entretenimento e que escolhe algo que entrega sem fazer pensar muito. O que não é demérito algum, nem desse público, nem dessa obra.

É de louvar, portanto, que Cidade Invisível exista e nos faça vibrar com esses personagens. Sem querer, claro, relativizar a falta de coerência da representação dos personagens e dos locais na qual existam ou baixar o sarrafo da crítica numa atitude patriótica. Pelo contrário.

Falar de uma maneira justa e torcer para que uma segunda temporada venha com algumas correções (principalmente a da presença indígena em cena) é valorizar, efetivamente, esse conjunto nacional. E se deliciar com uma história que não te exige tanto e que deixa um gostinho de infância na boca. Vai lá, tá na Netflix!

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Kael Ladislau é Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

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