Mulheres se unem para enfrentar desemprego em Mariana
Sem auxílio emergencial em 2021, Bolsa Família e bicos são as únicas fontes de renda de muitas famílias. Prefeitura explica Renda Mínima e apresenta propostas
- Marcelo Sena
- 05/03/2021 às 19:31
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Mais de uma centena de mulheres se uniram em um grupo do Whatsapp para enfrentar uma grave situação de desemprego em Mariana. A realidade delas piorou com a suspensão do auxílio emergencial e muitas famílias, chefiadas por mulheres, sobrevivem por meio de programas sociais, como o Bolsa Família. No grupo, são compartilhadas vagas de emprego, trabalho temporário, chamadas de concursos e oportunidades de capacitação, quase sempre gratuitas. Aos poderes públicos, elas pedem mais facilidade de acesso aos programas do município e apoio à capacitação da mão de obra local. Por e-mail, a Prefeitura de Mariana explicou o funcionamento do Programa Renda Mínima a apresentou outras propostas de inclusão produtiva para as mulheres em situação de vulnerabilidade social que estão sendo idealizadas no município.
Centenas de vagas são anunciadas no SINE Mariana todos os dias. A maioria delas é destinada a homens em funções relacionadas à atividade mineradora. São oportunidades para motoristas de caminhão, topógrafos e técnicos de diversas áreas, entre outras dezenas de categorias. Apesar de grande quantidade, as vagas quase nunca são preenchidas por mulheres e exigem formação e experiência superiores à realidade de muitas delas, principalmente as que encontram-se em situação de vulnerabilidade social.
É o que reclama Lídia Martins, uma das fundadoras e administradora do grupo Mulheres Unidas. Desempregada há um ano e meio e mãe de três filhos, ela afirma que conta com o bolsa-família para sustentar a casa. Para ajudar na alimentação dos filhos, ela recebe periodicamente, cestas básicas fornecidas pelo CRAS do bairro. Lídia diz que já trabalhou como Agente Comunitária de Saúde e foi beneficiária do Programa Renda Mínima, administrado pela Prefeitura de Mariana, até conseguir uma vaga de sinaleira na empresa Andrade Gutierrez, ainda em 2019. “Esse programa da prefeitura é temporário. É um contrato de dois anos, eles sempre falam que é para gente buscar novas áreas e, achando coisa melhor, a gente deve sair e abrir a vaga para outra pessoa que também não teve oportunidade. Eu consegui entrar na Andrade Gutierrez, mas só sujaram a carteira da gente, não fiquei nem dois meses, para eles não pagarem nem o acerto, e demitiram todo mundo. Aí, perdi o programa Renda Mínima que era pouco, mas dava para trazer algo para casa, e fiquei sem nada. Agora é uma burocracia danada para voltar.” A situação de Lídia piorou na pandemia do novo coronavírus e, segundo ela, o respiro financeiro vinha com o auxílio emergencial, suspenso em janeiro pelo Governo Federal.
Sobre as vagas divulgadas pelo SINE, Lídia comenta as dificuldades em atender aos requisitos exigidos, como capacitação e experiência comprovada em carteira, e pede maior empenho de gestores públicos e privados em preparar a parte inexperiente da mão de obra local. “É muito frustrante, sabe? Você correr atrás de um objetivo e não conseguir. A gente não está pedindo nada para ninguém, a gente não está pedindo para criarem os nossos filhos. A gente só está pedindo uma oportunidade de emprego! Uma chance de um futuro digno e uma vida melhor.”
Hoje, o grupo Mulheres Unidas tem 136 membros no Whatsapp. A administradora conta que o grupo surgiu com o objetivo de ajudar as marianenses que se encontram em situação parecida à dela. “Já tem um bom tempo que a gente está nessa luta aí para ajudar as mulheres que, como eu, não tem com quem contar. Foram 4 fundadoras, mas atualmente eu que estou pegando mais firme. A gente participava de reuniões na Câmara, já tivemos 3 debates com representantes dessas empresas do reassentamento, mas até hoje nada foi feito. Mariana, por ser a primeira capital, estar nessa situação, eu acho um absurdo.”
Maria do Rosário Chaves participa do grupo e é Auxiliar de Enfermagem, mas tem que fazer bicos para sustentar a família, desde que deixou de trabalhar no asilo municipal. Ela também conta com o benefício pago pelo Programa Bolsa Família para complementar a renda. Sua maior dificuldade para conseguir emprego é ter com quem deixar o filho, que precisa de cuidados especiais, e por isso tem procurado empregos no turno da noite. Rosário ainda cuida da mãe, que sofre do mal de Alzheimer e, como lembrança dos tempos do asilo, traz um desgaste na perna que dificulta sua locomoção. “Eu preciso que alguém fique com o meu filho e tem que levar na fonoaudióloga, fisioterapia, e para isso as pessoas cobram. Eu moro distante e é uma dificuldade pra me locomover até esses projetos [como o Renda Mínima]. Eu preciso de ônibus para ir, para levar ele nos lugares, além de ter que pagar do meu salário alguém para ficar com ele. É muito difícil.”
Sem conseguir pagar as mensalidades, Rosário teve que interromper a graduação em Pedagogia no quinto período. Assim como Lídia, ela pede aos gestores públicos e privados que contribuam para a capacitação da mão de obra local e revejam os métodos de contratação. “Eu acho que as empresas deveriam exigir menos experiência para alguns cargos. Nem sempre é [questão de] ampliar as vagas. Vagas têm, mas a empresa exige que seja totalmente assim. Por que uma empresa não coloca uma mão de obra para ensinar, dar um ajuda para que a pessoa possa aprender, um estágio de tanto tempo? Aí nós vamos ter oportunidade de trabalho, porque ninguém nasce sabendo. A gente também perde a confiança nos órgãos públicos.”
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Para Amarildo Pereira, presidente da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana (ACIAM), a cidade sofre com os dois problemas: queda nas oportunidades de trabalho e dificuldades de preencher as vagas com mão de obra local qualificada. O presidente da ACIAM argumenta que, mesmo com a pandemia, os empresários se esforçam para evitar demissões. “O empresariado está passando por uma situação difícil e às vezes precisa mesmo reduzir os custos. Mas, o custo de demitir alguém também é caro e não é interessante como primeira medida.”
Amarildo aponta que a maioria das vagas do comércio de Mariana são ocupadas atualmente por mulheres e argumenta que a ACIAM trabalha para o desenvolvimento e crescimento das empresas locais e, com isso, “tem certeza que o aumento da demanda melhora o comércio e impacta diretamente na contratação de pessoal”. O presidente da ACIAM sugere aos gestores públicos que elaborem políticas de inclusão produtiva com atividades que possam ser realizadas de casa, destinadas, sobretudo, às mães de família. Para as mulheres mais jovens e sem filhos, o gestor recomenda que a prefeitura elabore projetos que as capacitem também para mercados de outras cidades.
Prefeitura explica Renda Mínima e apresenta outras medidas
Por e-mail, a Prefeitura de Mariana explicou como funciona o programa Renda Mínima e apontou as outras medidas que tem tomado para diminuir o desemprego na cidade. Leia, na íntegra, as respostas enviadas pela comunicação da prefeitura.
1. Como é o processo de seleção do Programa Renda Mínima? Quantas mulheres são atualmente atendidas pelo programa?
R: O Programa atende mulheres provedoras previamente selecionadas de acordo com diagnóstico da unidade familiar, que serão encaminhadas para projetos de qualificação profissional e geração de renda alternativa, de acordo com suas habilidades, através de cursos de capacitação, oficinas, palestras e ações afins, com carga horária correspondente a 4 horas diárias, definido como aprendizado em atividade, nos locais indicados pela coordenadoria do programa.
O Município pode, em caráter excepcional e temporário, alocar as beneficiárias do programa nos diversos setores da administração pública direta ou indireta, além da sociedade civil organizada, em especial as entidades e associações de cunho social, com a finalidade de promover à qualificação profissional em atividade. A participação de cursos de capacitação, oficinas, palestras e ações afins, serão ministradas pela coordenadoria do Programa durante o período de 04 horas diárias, sem prejuízo do auxílio que lhe é concedido mensalmente.
A inscrição no Cadastramento Único dos Programas Sociais do Governo Federal e a realização de um diagnóstico da unidade familiar que aponte a situação de vulnerabilidade social é critério essencial para ingresso no Programa de Inclusão Produtiva, sendo que a seleção é realizada por processo técnico de inserção de acordo com habilidades e aptidões da provedora da unidade familiar, mediante critérios a serem fixados por Decreto. Atualmente são atendidas 450 mulheres.
2. Que outras iniciativas de inclusão produtiva são executadas pela Prefeitura de Mariana para amenizar a situação de desemprego enfrentada no município, especialmente para mulheres? Há projetos sendo elaborados nessa linha pela gestão interina?
R: As iniciativas do programa são a implantação em parceria com a UFOP, por meio do curso de administração, a criação da cooperativa de corte e costura podendo chegar a 50 cooperadas. Salão escola com as seguintes modalidades: manicure e pedicure, cabelereira e maquiagem(cursos oferecidos); Padaria Escola ( panificação, confeitaria, salgadaria, biscoiteira), e também mensalmente são oferecidas capacitações nas mais diversas áreas com intuito de inseri-las no mercado de trabalho formal, dentre elas: assistência pedagógica. Vale ressaltar que os cursos acima supracitados estão parcialmente paralisados devido à pandemia.
3. Também foi pontuada a dificuldade em preencher os requisitos de muitas vagas que surgem em Mariana. Nessa linha, que medidas são tomadas pela Prefeitura de Mariana para qualificar a mão de obra?
Com relação ao primeiro ponto, existem sim dificuldades no preenchimento das vagas ofertadas pelos trabalhadores locais em função dos critérios definidos pelos empregadores. Os principais deles são a qualificação e a experiência comprovada em carteira profissional de trabalho. Desde 2020 a Secretaria de Desenvolvimento Econômico vem trabalhando em conjunto com a Vale, Samarco e Fundação Renova e os comércios locais para absorver o máximo da mão de obra local, com qualificação efetiva dos profissionais via instituições credenciadas, flexibilidade da exigência da experiência comprovada em carteira e possível isenção fiscal para contratação de jovens. Na certeza de que se trata de um processo difícil, mas em construção árdua para atendermos a população marianense.
Nessa oportunidade, salientamos que a SEDEC não teve o devido real conhecimento da existência do grupo de mulheres que se uniram em busca de oportunidades de trabalho em Mariana, bem como seus objetivos. Desta forma, estamos abertos ao conhecimento e construção de um diálogo para que possamos oferecer todas as informações e contribuições necessárias ao desenvolvimento e crescimento do citado grupo.
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