Paradiso

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O título desta crônica não guarda relação com o grandioso romance “Paradiso”, do cubano Lezama Lima (1912- 1976). Sobre essa obra, Mário Vargas Llosa afirma tratar-se de “uma das mais ousadas e magistrais aventuras literárias realizadas por um autor do nosso tempo. ” A edição brasileira, da Brasiliense, 1987, tem tradução de Josely Biscaia Vianna Baptista. Feito este registro, volto ao jardim, como na bela canção de Cartola. Não propriamente ao jardim, mas ao pequeno paraíso que era a horta da casa do meu tio Celso Motta, em Mariana, MG, numa viagem na máquina do tempo.

A imensa horta era cuidada pela empregada doméstica afrodescendente Maria Lourença e um auxiliar que, por certo, pegava no pesado e ainda rachava lenha. Mas era contemplado com um almoço delicioso, preparado por Maria Lourença: arroz, tutu de feijão, lombo de porco, couve rasgada, farofa e uns torresmos gordos, ditos de barriga…

Lembrei-me daquele meu tempo de menino, quando ia me deslumbrar com os bichos ali criados. Eram coelhos, uma centenária e triste tartaruga, porquinhos-da-índia, patos, perus, marrecos. E até um elegante casal de garças, belas como flamingos.  Para não falar de galinhas e suas vastas proles. Inclusive exóticas galinhas d’ angola. A passarada cantava nas árvores.

Associei essas lembranças das décadas de 1940 e 1950 a uma frase que li no livro “O poder do jardim”, de Roberto Araújo, em que o autor declara: “Se o paraíso fosse aqui na Terra, para mim seria na varanda da minha casa de campo. Paraíso, para fazer jus a esse título, tem de ficar no meio de um jardim. Isso é mais do que óbvio. Nunca, jamais, em tempo algum, qualquer que fosse a religião, as representações dos paraísos deixaram de ter um mesmo cenário: jardins”.

Já para o grande poeta argentino Jorge Luis Borges o paraíso, na sua imaginação, seria uma espécie de biblioteca. A frase correu mundo.

Cá penso eu que podemos elaborar uma boa simbiose, no caso. Quero dizer, o paraíso (prefiro Paraíso, com P maiúsculo), o Éden, seria uma boa biblioteca no meio de um belo jardim. Jardim com corguim, diria Rubem Braga, poeta e cronista. Para o leitor ler infinitamente, sem cansaço ou tedium vitae, para ler per saecula saeculorum.  Uma inesgotável, cósmica biblioteca, maior que as de Alexandria, Babilônia ou Pérgamo, maior que as enfocadas no livro “A Biblioteca – Uma História Mundial”, de James W. P. Campbell e fotografias de Will Pryce, Edições SESC São Paulo, 2015, tradução de Thais Rocha.

Aliás, livros e bibliotecas estão intimamente ligados a religiosos e à vida monástica, para ficarmos apenas no mundo ocidental.

Teólogos, santos e estudiosos deixaram livros. A religião e a fé têm tudo a ver com bibliotecas, desde a Antiguidade e, em especial, a Idade Média dos monastérios de grandes estudiosos.

Santo Agostinho vem logo à baila, com “A Cidade de Deus” e “Confissões”, além do tratado “Da Graça”. E o monge Tomás de Aquino, também santificado, com sua “Suma Teológica”, um livro seminal da escolástica, continuando a patrística.

E São Bento Abade (480-547) deixou sua “Regra”, que vigora até hoje na ordem beneditina. (É um de meus livros de cabeceira.) São Gregório Magno, um beneditino, deixou-nos “Diálogos”. E não se esqueça o muito lido até hoje “Imitação de Cristo”, livro que se atribui ao monge Tomás de Kempis, que li na juventude, na agitada década política de 1960.

O Arcebispo de Gênova Jacopo de Varazze (1229-1298) escreveu a monumental “Legenda Áurea – Vidas de Santos”. Temos, desse histórico livro, uma primorosa edição em português da Companhia das Letras, capa dura, 1.040 págs., tradução do latim, apresentação e notas do erudito Hilário Franco Júnior, que também fez a deslumbrante seleção iconográfica.

E, por último, mas não menos importante, pelo contrário, temos a “Bíblia”, repertório riquíssimo, com “Salmos”, “Provérbios” e todos os livros que compõem o Antigo e o Novo Testamento e que são garantia de fascinante leitura. Ainda recentemente o escritor Pedro Rogério Moreira publicou, em “edição caseira”, uma bela obra intitulada “O Livro de Curiosidades da Bíblia” (Brasília, Tagore Editora, 2017).

Para arrematar esta conversa de livros, bibliotecas, monastérios, jardins, hortas, bichos e córregos, a frase do grande Caio Túlio Cícero, dito o Pilar de Roma: “Se tiveres biblioteca com jardim, terás tudo. ”  Ali, creio eu, será o Paradiso. Eternamente.

(*) Danilo Gomes é marianense, escritor, advogado e jornalista, membro da Academia Mineira de Letras e cidadão honorário de Belo Horizonte

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