Carta de uma professora dedicada, mas com medo
- Márcia Lana (*)
- 21/03/2021
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Olá a todos, meu nome é Márcia Priscilla Castro Lana, professora, servidora efetiva da prefeitura de Mariana nomeada em 2012. Sou lotada na Escola Municipal Dom Oscar de Oliveira e leciono para as turmas de 7º ano do Ensino Fundamental II.
Trago a púbico esta carta para expressar minha profunda preocupação com a educação em Mariana. No dia 17 de março completamos um ano de escolas fechadas em decorrência da COVID-19. Passado esse longo ano, o que observamos de realizações efetivas para a educação:
- A elaboração de um caderno pedagógico repleto de perguntas que nunca puderam ser discutidas com todos os alunos;
- A adoção de um material produzido pela Secretaria Estadual de Educação (PET) desconectado com o currículo que vínhamos elaborando desde o início de 2020;
- Uma pesquisa sobre acessibilidade digital dos alunos da rede que mostrou que 60% deles não têm internet banda larga em suas casas;
- Raríssimas interações entre alunos e professores pelos mesmos problemas descritos anteriormente.
Passado um ano, eleições, natal, réveillon, carnaval e o que temos para este novo ano que mais parece uma continuação do ano anterior! Para 2021 temos apenas a continuidade do uso do PET, escasso investimento em inclusão digital, uma licitação para aquisição de chips com internet apenas para os professores, e um perigo iminente, conforme vou expor a seguir.
A opção pela continuidade do uso do PET é até compreensível pela urgência em se ter algo de concreto para repassar aos nossos alunos. No entanto, somente pouquíssimas famílias dispõem de recursos para que seus filhos entrem em contato com os professores que estão realizando aulas virtuais utilizando as plataformas digitais o Google Meet ou Zoom. E como ficará o aprendizado desses alunos? Será realmente que eles conseguirão resolver as questões propostas na apostila sem o professor para lhe ensinar? E sem a internet para pesquisar materiais adicionais, uma vez que o material impresso que eles têm em mãos é um grande resumo de uma síntese de conteúdo?
Há uma a licitação já vencida por uma empresa para disponibilizar aos professores municipais um chip de telefone com dados móveis inclusos e pagos pelo Município. Ao que se sabe, a empresa ganhou, mas já estamos vencendo o mês e não recebemos nenhuma informação a respeito da entrega desses chips. Mas isso não é o pior para mim! O pior mesmo é a dúvida que me vem à cabeça de que não adianta a prefeitura me fornecer um chip com acesso à internet se do outro lado eu não terei o aluno com o mesmo acesso para que eu possa dar uma aula completa e esclarecer as dúvidas.
Daí vem o sentimento de que em 2021 apenas está sendo dada mera continuidade ao processo precário e improvisado do ano passado. Mais grave: os alunos sem acesso à internet entregarão as apostilas impressas na escola, gerando o seguinte problema:
- O aluno responde as questões propostas no PET em sua casa – mas ele está fazendo isso de máscara?;
- O aluno entrega suas respostas na escola e esse material é recolhido pelas secretárias/pedagogas/direção – todas manuseiam o material;
- As pedagogas separam e organizam o material entregue pelos alunos por disciplina (porque no ensino fundamental 2 não é somente um professor que ministra aula);
- Esse material do aluno, que já passou nas mãos de no mínimo duas pessoas, chega na minha casa, mas não só o dele, chegam outros tantos porque eu tenho sete turmas (os professores de inglês têm 10 turmas e os de artes têm 20 turmas!);
- Em uma pesquisa rápida com as famílias que estão nos grupos de WhatsApp da escola, apenas nas minhas sete turmas são 167 jovens e desses apenas 58 responderam à pesquisa dizendo que conseguirão assistir minhas aulas online (34,7%). Isso significa que terei que trazer para minha casa um material impresso para correção com 109 atividades dos meus alunos (65,3%). Supondo que somente duas pessoas pegaram neste material, vocês conseguem perceber as minhas reais chances de trazer esse vírus para dentro da minha casa? Justo eu que só tenho saído para o essencial há um ano, que quando saio sempre uso máscara, uso álcool gel, que não vejo meus familiares há meses para me proteger e para protege-los também.
- E vamos pensar no retorno dessas atividades impressas para os alunos: eu peguei em 109 papeis que podem estar contaminados ou não, que se juntarão às outras atividades corrigidas pelos outros professores. Vocês conseguem imaginar os riscos para as famílias desses alunos?
A compra de um aparelho (tablete ou celular) com dados móveis para que os alunos tenham acesso às aulas online e consigam enviar suas atividades, com condições de terem um retorno on-line do professor para tirarem suas dúvidas, não é uma questão de comodidade, mas uma questão de saúde e segurança para a cidade, que se encontra na onda roxa, com leitos de UTI lotados e sem vacina para todos! No mínimo deveria haver investimento em internet pública gratuita com wi-fi liberado para esses alunos. É urgente a adoção desse investimento para nossos alunos. Assim, eu e meus colegas professores conseguiremos ministrar aulas on-line para mais alunos com segurança e responsabilidade, de modo a minimizar os efeitos danosos do fechamento das escolas.
O abandono que os alunos e os professores da rede pública da educação estão sofrendo está aumentando ainda mais o abismo social entre ricos e pobres, além de deixar uma lacuna no processo educativo de milhares de jovens, que mais adiante, num futuro próximo, terão enormes dificuldades de colocação profissional e ingresso em cursos superiores. A juventude marianense está sendo silenciosamente condenada à ignorância, assim como os profissionais da educação estão sendo lançados à própria sorte, num verdadeiro “cada um por si”. Nem mesmo o atual momento mais grave da pandemia está sendo capaz de sensibilizar a sociedade sobre a falta total de prioridade que vive a educação pública.
(*) Márcia Priscilla Castro Lana é Mestre em Ensino de Ciências e Professora de Ciências da Rede Municipal de Mariana
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