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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Esqueça as startups: a nova de inovação em Minas vem dos games

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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“Disrupção”: dificilmente este termo é atrelado, no mundo dos negócios, a segmentos tradicionais de mercado. Até outro dia, parecia que startups poderiam ser “disruptudas”, mas, lojas de varejo, ah… essas não! Porém, com uma pandemia e diversos trabalhos remotos depois, o que vimos foi que 87,5% das empresas tradicionais instaladas no Brasil realizaram alguma iniciativa voltada à transformação digital só em 2020, enquanto o tombo nos investimentos chegou em cerca de 75% das startups tupiniquins.

Isso explica, por exemplo, porque a Magazine Luiza, gigante do segmento tradicional de varejo, conseguiu ter um forte aumento de 66% no ano passado, enquanto diversas startups precisaram fechar suas portas (ou apps).

Pode até não parecer, mas não tem bobo na Faria Lima. Essa turma sabe quando é a hora de tirar o apoio de algo que se diz diferente do resto, mas não dá retorno por muito tempo, e quando é hora de investir novamente naquele nome tradicional que entregou resultado por anos.

No entanto, existe uma nova onda disruptiva em andamento, que pode impactar positivamente a nossa região de Ouro Preto e Mariana, e que ainda não chamou a atenção de muitos desavisados: a onda da produção de games.

O mercado bilionário dos games digitais

Vamos entender melhor um pouco sobre esse lado rentável dos games.

De acordo com um levantamento publicado na Valor Econômico, só no Brasil, as transações financeiras feitas nas principais plataformas de games cresceram 140% em 2020 ante 2019. E não estamos falando aqui de transações baixas. Segundo o mesmo levantamento, “os clientes de alta renda foram os que mais gastaram: 45% das transações entre abril e setembro do ano passado vieram deles”.

Para quem ainda acha que vídeo game é coisa de criança, aqui vão alguns dados bem maduros sobre esse mercado já tão tradicional quanto um pão francês:

  • Somente em novembro de 2020, o mercado de games faturou cerca de US$ 11 bilhões de dólares
  • Segundo os dados da consultoria Newzoo, até o final de 2023 o faturamento do segmento de jogos no mundo deve alcançar US$ 200 bilhões
  • Ainda de acordo com a Newzoo, no Brasil, o mercado de games movimentou US$ 1,5 bilhão em 2018, em um período pré-pandemia
  • Em uma pesquisa realizada pela Comscore, o Brasil apareceu como o 4° maior mercado de jogos para celulares
  • A maioria dos usuários brasileiros de jogos eletrônicos está entre as classes AB (46%) e C (43%). Apenas 11% do público gamer se encontra na classe D.

Vale dizer também que estes números não são de um mercado novo, ainda não consolidado.

Os primeiros games digitais foram produzidos no Brasil ainda no final da década de 70, e muita gente na casa dos 40 deve se lembrar da Tectoy, responsável por fabricar há anos no país alguns videogames clássicos como o Mega Drive e o Master System.

Games made in Brasil e a onda (ainda) invisível

PagSeguro, Nubank, iFood… muitas das empresas-unicórnio brasileiras — aquelas empresas do setor de tecnologia que chegam a valer cerca de 1 bilhão de dólares — você já conhece. Mas tem uma dessa lista de unicórnios que passa despercebido pra muita gente: a Wildlife Studios.

Criada em 2011 com o investimento inicial de US$ 100, a produtora de games para smartphones teve seu valor estimado na casa dos 1,3 bilhões de dólares.

Como um belo de um exemplo do poder da produção de games em solo brasileiro, a empresa conta ainda com cerca de 500 funcionários espalhados em seis escritórios e quatro países (EUA, Brasil, Irlanda e Argentina). Além disso, o estúdio já passou da marca de 2 bilhões de downloads, divididos entre seus mais de 60 títulos lançados. Ao todo, foram mais de 1 bilhão de usuários que baixaram algum game da companhia.

Mas nem toda empresa brasileira foca apenas na produção própria de games. O estúdio Kokku, do Recife, por exemplo, se especializou em atender as demandas de produtoras internacionais na criação de jogos do tipo AAA (ou Triplo-A), que são aqueles com os maiores orçamentos. Com isso, empresas brasileiras já têm aparecido nos créditos de alguns blockbusters dos games, como o Horizon Zero Dawn, que vendeu mais de 10 milhões de cópias.

Os eSports e os eventos de games no Brasil

Dentro do mercado de games existem alguns submercados que também tem se tornado cada vez mais aquecidos no país. Um deles é o dos eSports.

Os eSports são aquelas competições disputadas em games eletrônicos em que os jogadores atuam como atletas profissionais de esportes tradicionais, trazendo uma audiência cada vez maior, seja no formato presencial ou online.

De acordo com um relatório da Juniper Research, a projeção é que o mercado global de esportes eletrônicos, que hoje fatura perto de US$ 2 bilhões por ano, movimente cerca de US$ 3,5 bilhões em 2025. Vale dizer que partidas oficiais de games como Fortnite e Free Fire já tem engajado uma audiência de mais de 2 milhões de espectadores ao vivo em plataformas de streaming.

Já no segmento de eventos de games e cultura pop, alguns como a CCXP Worlds, versão virtual da Comic Con Experience (CCXP), vem conseguido alcançar um público de mais de 1,5 milhão de pessoas em mais de 113 países.

O setor dos jogos digitais em Minas Gerais

E como fica Minas Gerais nessa história toda?

Em 2018, Minas contava com 49 empresas especializadas na produção de games, dentre elas temos a Playbor, a primeira pré-aceleradora com foco em games do país, responsável por trazer para o segmento, algo que só existia no universo das startups.

Pela aceleradora, passaram estúdios mineiros tanto focados no desenvolvimento de games próprios, quanto outros com foco nos advergames, que são jogos personalizados, construídos com o propósito de promover uma empresa, produto ou marca.

Deste ecossistema de Minas veio um grande case: Dandara, o grande game da Long Hat Studio.

Selecionado pela revista Time em 2018 como um dos principais jogos do ano, ao lado de gigantes como Assassin’s Creed e Red Dead Redemption, Dandara também chamou a atenção da Apple, que deu à obra o prêmio de melhor game do ano para o sistema Apple TV em 2020.

Saem as startups e entram as produtoras de games?

Desde 2004, o MinC, que na época estava sob o comando de Gilberto Gil, vem reconhecendo os videogames como produtos audiovisuais no país. Este reconhecimento coloca os games na mesma vertical das startups, dentro dos segmentos possíveis da Indústria Cultural.

No entanto, quando falamos de investimento do Estado, principalmente àquele de fundo perdido (como acontece com o SEED, de Belo Horizonte), todo o recurso aponta apenas para startups, que, agora, são chamadas para resolver alguns problemas do setor público ou de grandes indústrias, como acontece no FIEMG Lab.

Falta uma política pública e projetos que incentivem a indústria de games, principalmente em Minas, da mesma forma como foi incentivado durante anos o segmento de startups.

Movimentos neste caminho poderiam incentivar mais jovens (que não tem interesse em criar ou trabalhar em uma startup) a aprender programação, design, game design, direção de arte, roteiro, administração e vários outros conhecimentos que também podem servir ao mercado de tecnologia.

Além disso, por ter o braço junto à cultura, a indústria de games pode apoiar a indústria do audiovisual, das artes cênicas, literatura e até da música. Vale lembrar que séries como Mandalorian, da Disney, tem usado sistemas de games para conseguir reduzir tempo e custos da produção.

Ouro Preto e o Game Cluster MG

De olho nesse segmento de produção de games, poderoso, mas, ainda pouco explorado, principalmente na região de Ouro Preto, eu, juntamente com Rodrigo Paulo Quirino, Fundador da Mulekolândia, um escola de programação para crianças, e o apoio do SEBRAE, da Prefeitura de Ouro Preto, criamos o projeto Game Cluster MG.

O Game Cluster MG é um emaranhado de ações que tem por objetivo estimular o desenvolvimento de jogos eletrônicos e toda sua cadeia de negócios correlatos no mercado regional e, por sua vez, estadual. Além disso, o Game Cluster MG terá total sinergia com outros dois importantes projetos da região, a Film Commission de Ouro Preto, dedicada a atrair e incentivar a realização de produções audiovisuais no município, e o Valin — Vale dos Inconfidentes, a comunidade de inovação e tecnologia de Mariana e Ouro Preto.

A ideia do Game Cluster nasceu desse entendimento do mercado de inovação da região, da ideia de que a comunidade pode e deve protagonizar projetos que beneficiem o município e por conta dos números da Mulekolândia e de associações, como a do Código X, que apontam a altíssima adesão do público mais jovem de Ouro Preto à cursos e ações ligadas ao desenvolvimento de jogos digitais e de novas tecnologias.

Ou seja: existe um grande volume de mão de obra, de futuros empreendedores e pesquisadores sendo formados, e, por isso, precisamos preparar o terreno que irá absorvê-los futuramente.

Porque Mariana ficou de fora dessa?

Projetos como o do Game Cluster MG, infelizmente, tendem a fugir do solo marianense em detrimento de um melhor funcionamento em cidades do entorno, como Ouro Preto. Isso acontece por causa do cenário de inovação tecnológica marianense, ainda bem tímido e pouco entendido (e até explorado), tanto por entidades privadas quanto pelo poder público do município.

Sem grandes incentivos a esse tipo de ação e até mesmo sem um ambiente regulatório bem estipulado, Mariana ainda precisa entender melhor o verdadeiro impacto que a tecnologia tem na diversificação econômica.

Com o mercado de games cada vez maior, superando até mesmo os números do cinema, investir nessa vertente da indústria cultural pode ser um excelente caminho rumo à diversificação da nossa economia. A questão é: quem está preparado para deixar os antigos preconceitos sobre games de lado em busca de uma total disfunção do mercado?

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Kelson Douglas é Diretor criativo da I Love Pixel, fundador do Valin, o vale de inovação de Mariana e Ouro Preto, embaixador do Montreal International e líder local do Startup Weekend e da IxDA, a associação mundial de design de interação
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