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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Mãe nunca vai embora

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Sentimentos e reações são ações personalizadas, vêm no sangue e, se calharem, transformam-se em lidas. Quisera ser aço, carne e pluma. Perfeição nem nos pensamentos mais puros ou divinos. Que barulho ensurdecedor vem da rodovia apinhada de veículos. Dirigi um automóvel velho e grande, depois de quatro anos sem colocar as mãos no volante… Que ressaca longa! Os pitos de mãe emergiram, ativando memórias. “Necessidade faz razão saltar, ser pedra na lida dura”. Emoção se amiúda para dar vazão à razão. Ciclos são dons divinos passageiros; viver e morrer fazem parte da liberdade da existência. Espinhos justificam rosas, canteiros, perdas, conquistas e derrotas. Levezas acalentam a vida, mas o peso das coisas apruma o corpo. Mãe disse coisas leves, precisas, doces, amargas e duras. Mãe é ouro, pedra e aço eternizados nas dobras da memória e do tempo. Mãe é poesia indecifrável, inanalisável e irretocável. Três orquídeas miúdas amarelas surgem do jardim repleto de petúnias. Não precisava o aparecimento imediato das novas flores. Que milagre realiza a natureza? Nenhum, se não for bem cuidada. Passei pela estrada, rezando. Senti cada atrito do pneu no asfalto. Motoristas afoitos e apressados cortam pela direita ou pelo acostamento. Meus olhos míopes enxergam cada sinalização pintada no asfalto. Corpo tenso. Dentes travados. Ligo o som. Abro o vidro. Vento gelado acaricia meu rosto suado sob a máscara de pano. Meus olhos abocanham fragmentos de imagens em projeção acelerada. Dia de tempo fechado, cinzento, brumoso e de vacina. Quanta morosidade e mortandade… O sol sabe ser ausente no momento propício, feito as palavras doces e amargas de mãe. Maio, mês das mães! Mãe foi pra Casa de Cima numa viagem celestial sem volta. Chorei choro de filho. Senti a batida de minhas emoções, querendo invadir minhas razões construídas tijolo a tijolo, sob a batuta dos meus pais. “Vai dar vazão à razão, quando a emoção romper suas ações, guria!” Demorei a praticar o aforismo. Antes no alvorecer do que na inexistência. Quando o sentimento vem em doses intensas e indomáveis, liberto meu lado racional. Respiro fundo. Medito nas doses homeopáticas da poesia sintética. Fui com medo mesmo, ao pegar o volante, passar pela estrada repleta de carros, ônibus e caminhões! Fui com medo, deixando os ensinamentos de mãe emergirem, virem à tona feito água cristalina, forte e pura! Fui com medo mesmo, sentindo a presença de mãe, batendo no meu peito. Mãe nunca foi embora de mim, nunca teve tempo ruim ou hora, para fugir das intempéries e dos desafios. Mãe é luz sempre a brilhar do outro lado, no céu. Não importa se sol, chuva, bruma ou raio, mãe é chama que não se apaga, mesmo se a pele enruga ou o coração se aquieta, porque morrer é da vida. Fui com medo, passando pelo asfalto da rodovia movimentada. Segui, lembrando das palavras de mãe: vai, com medo mesmo, sem deixar que ele te domine…

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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