Mariana, eleições e o fenômeno da esquerda conservadora
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
Compartilhe:
Ainda falta um ano e meio para que os brasileiros tomem novamente o caminho às urnas para escolher o seu próximo presidente, no entanto, mesmo com uma corrida eleitoral tão distante, o fato do nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparecer, hoje, com 41% das intenções de voto, em cima dos 23% do segundo lugar, Jair Bolsonaro, tem feito a alegria de muita gente. E não é por menos.
Se em tempos normais, pesquisas precoces como a do Datafolha, que cravou o favoritismo do petista, teriam um efeito quase nulo, em uma época de pandemia, CPI e inúmeros escândalos envolvendo o presidente, seus ministros e filhos, o cenário muda bastante e estes números podem apontar uma verdadeira volta da esquerda ao comando do governo federal.
Mas, será que toda essa discussão, alimentada ainda mais pelas gigantescas e estrondosas manifestações do último dia 29 de maio, encontra ressonância em Mariana? Os marianenses são mais de direita ou de esquerda? O quanto uma eleição federal pode impactar na eleição municipal da nossa cidade?
São estes e outros pontos que tentarei abordar aqui no texto.
Mariana: esquerda por fora, centrão por dentro
Existe um ditado local que diz que Mariana é uma péssima mãe e uma excelente madrasta, uma frase que vale tanto para a maneira com que a cidade lida com quem é de fora em detrimento dos nativos, quanto para a seu posicionamento com a esquerda.
Vou explicar essa ideia com dados: em 2002, na primeira vitória de Lula, o nome do PT venceu o do tucano, José Serra, com mais de 64% dos votos na cidade. Com Dilma, em 2010, no primeiro turno a belorizontina conquistou quase metade do total de votos dos eleitores de Mariana, ficando com pouco atrás do montante que Lula obteve 8 anos antes.
Em 2014, mesmo com uma polarização já instalada no país, o Partido dos Trabalhadores venceu o nome de Aécio Neves com 69,02% dos votos em Mariana, repetindo a façanha em 2018, quando Fernando Haddad abateu o nome de Jair Bolsonaro em solo marianense.
Com um belo histórico de mais de dois terços de seus votos para o PT nas últimas 5 eleições presidenciais, poderíamos dizer que Mariana é uma mãezona para a esquerda. Poderíamos, se na política municipal a realidade não fosse diferente.
O status quo da política marianense
Vamos voltar aos dados e fatos: na última década, apenas 2 nomes de partidos que podemos enquadrar no campo da esquerda política venceram na corrida eleitoral do legislativo de Mariana. E mesmo assim, com muita elasticidade nesse conceito de esquerda.
Seriam os de Cristiano Vilas Boas, do PT, e Bambu, do mais-centro-do-que-esquerda PDT.
Nesse meio tempo, o nome do hoje prefeito interino, Juliano Duarte, sempre foi um dos mais votados na cidade, fazendo com que outros candidatos do seu partido, o antigo PPS, agora conhecido como Cidadania, acabassem arrastados com ele.
Enquadrado no que podemos chamar de centro-direita, o Cidadania esteve junto até mesmo com o ex-prefeito Celso Cota em sua vitória de 2012, fazendo parte de uma coligação repleta de siglas do famoso centrão. Por lá encontramos o MDB (Renan Calheiros e Michel Temer) e o PSDB (Aécio Neves e João Dória).
Ainda sobre essa eleição de 2012, é interessante lembrar que o candidato derrotado, Roberto Rodrigues, trazia consigo na época uma coligação mais à esquerda, colocando, junto com o PTB, PTN e PPL, o PT, PDT e até o PC do B, do maranhense Flávio Dino.
Depois de 2012, em todas as eleições municipais o Cidadania se colocou como o grande partido de Mariana, mesmo sendo uma das siglas a votar inteiramente a favor do Impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Uma verdadeira amostra de como o cenário externo parece não afetar a política interna da cidade — ironicamente, Dilma foi a senadora mais votada em Mariana, dois anos depois do golpe, na eleição de 2018, com 10.658 votos na cidade.
Com todo esse cenário, e o fato dos partidos realmente de esquerda não conseguirem cravar outros nomes no governo municipal, além do de Cristiano Vilas Boas, talvez possamos dizer que a política local seja bem favorável ao status quo. Ao “deixa como tá”.
O fenômeno da esquerda conservadora
Em uma pesquisa realizada pouco antes das eleições de 2018 pela CNT/MDA, pouco mais de 6% dos entrevistados que diziam ter preferência por um voto no candidato Lula, também diziam direcionar seus votos para Jair Bolsonaro caso o petista não pudesse concorrer naquele ano. Esses dados deram um nó na cabeça de muita gente, mas, se olharmos de perto a realidade do nosso país, veremos que é totalmente normal encontrar esse tipo de bizarrice política por aí.
Veja só: apesar de se vender como anti-establishment e “de fora da política”, a verdade é que Jair Bolsonaro é um grande nome do conservadorismo político (que é a coisa mais establishment de todas). E o que seria conservadorismo?
Colando a ótima definição dada pelo pessoal do Politize, “o conservadorismo é um pensamento político que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais – como a família, a comunidade local e a religião -, além dos usos, costumes, tradições e convenções. O conservadorismo enfatiza a continuidade e a estabilidade das instituições, opondo-se a qualquer tipo de movimentos revolucionários e de políticas progressistas”.
Por isso o maldito mantra “Brasil acima de tudo [comunidade local], Deus acima de todos [religião]” — parecido com “Alemanha acima de tudo”, da Alemanha nazista — cola tanto por aqui. Mas, onde encontramos a cola do conservadorismo com a esquerda? A resposta é simples: no cristianismo.
A base do pensamento conservador ocidental mistura a doutrina cristã e a adoção, em maior ou menor grau, das ideias políticas liberais. Algo bastante presente na base do Partido dos Trabalhadores, que tem, desde o seu surgimento, uma ligação direta com a igreja católica e em todo momento foi extremamente conectado com a vontade do capital (lembrando que na era Lula, os bancos tiveram lucro recorde de R$ 199 bilhões).
Isso explica os votos Lula-Bolsonaro em 2018 e o surgimento de algo identificado como sendo uma “esquerda conservadora”.
Siglas mais à esquerda do PT, como o PSOL, PCdoB e, principalmente, PCB, com ideias mais revolucionárias e menos afagos às políticas neoliberais, nunca tiveram as mesmas chances com o público geral, tirando algumas exceções, como a esmagadora votação de Áurea Carolina, em BH, Marcelo Freixo, para a prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016, e, claro, a corrida eleitoral de Guilherme Boulos, em São Paulo, no ano passado.
A mudança que Mariana precisa
Definitivamente, deixar as coisas como estão não é uma boa opção para Mariana, e, por isso, a cidade precisa repensar seus ideais.
Os nomes e as siglas da câmara e do executivo de Mariana são parecidíssimos com os de 2016, 2012 e até 2008. E os problemas da cidade também.
Não dá pra mudar alguma coisa fazendo sempre a mesma coisa.
A presença das mulheres à frente do legislativo e do executivo marianense é praticamente nula; nomes de fora do setor empresarial tem dificuldades para entrar na política local e, mesmo com movimentos importantes acontecendo na cidade, como o 29M, e o bom volume de votos da candidata Patrícia Ramos na última eleição, a esquerda de Mariana ainda não consegue se posicionar internamente como se posiciona externamente.
Mesmo com 11.883 votos para Jair Bolsonaro em 2018, não podemos dizer que Mariana é uma cidade bolsonarista, de direita. Acredito, em muito por causa do histórico de votos da cidade, que boa parte dos eleitores que sentaram o dedo no 17 na última eleição, o fizeram mais por comprar um antipetismo do que por confiar no ex-militar ligado à milícia. Porém, isso não quer dizer que nossa população não seja conservadora.
Resta saber se estamos dispostos, dentro do conservadorismo cristão existente, a andar para o espectro de um Júlio Lancellotti, ou a continuar abraçando o extremismo dos Malafaias.
Não precisamos esperar 2022 para começar a mudar a nossa história no planalto e, felizmente, nem esperar 2024 para começar a mudar a nossa história em Mariana.