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Hoje é quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Responsável pela Construtora Israel revela que assinava medições sem ler e sem visitar obras

Marcos Paulo foi desmentido por ex-funcionário e por fiscal da prefeitura de Mariana em acareação realizada na CPI das obras

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“Quando eu ia assinar, a medição já estava pronta para a nota. Da conferência da medição, eu não participava", revelou o gerente administrativo da Construtora Israel, Marcos Paulo da Costa. Foto: Transmissão Facebook
“Quando eu ia assinar, a medição já estava pronta para a nota. Da conferência da medição, eu não participava", revelou o gerente administrativo da Construtora Israel, Marcos Paulo da Costa. Foto: Transmissão Facebook
Depois de não comparecer na primeira data marcada e se recusar a receber a segunda intimação, o engenheiro civil Marcos Paulo da Costa, gerente administrativo da Construtora Israel e responsável técnico pelo contrato 447/2019, prestou, finalmente, seu depoimento à CPI das obras no último dia 14. No meio dos trabalhos, o depoimento de Marcos Paulo se transformou em uma acareação, depois que os engenheiros Welbert Damas, ex-funcionário da construtora, e Marcos Cardoso, fiscal de obras da Prefeitura de Mariana, apresentaram, presencialmente na Câmara, versões diferentes do que estava sendo dito pelo representante da Israel.

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Marcos Paulo apresentou-se à CPI das obras como gerente administrativo da Construtora Israel e funcionário da empresa desde 2007. Ainda que tenha sua assinatura como responsável técnico em todas as medições das 66 obras que compõem um dos contratos investigado pela CPI, o gerente da Israel defendeu que os erros cometidos nas medições, como sobrepreço, serviços pagos (e não executados) e outras irregularidades, eram de responsabilidade do corpo técnico da Israel, que acompanhava as obras de fato. “Eu sou responsável técnico da empresa, então eu delego serviços ao corpo técnico de cada contrato. Eu não era o responsável por acompanhar os contratos diretamente. Eu era o responsável técnico sim, mas eu tinha um corpo técnico que era responsável por acompanhar cada contrato.”

O contrato 447/2019 foi assinado a partir de uma ata de registro de preço de mais de R$ 50 milhões. Apesar disso, e mesmo tendo mais de 600 funcionários diretos contratados pela Israel, o “corpo técnico” mencionado por Marcos Paulo era composto por apenas 4 pessoas. “Welbert”, engenheiro de campo; “Elaine”, auxiliar administrativo; “Lucimara”, técnica de segurança e “Wallace”, gestor do contrato. “Eu sou responsável técnico da empresa. É humanamente impossível eu estar em todos os 5 ou 7 contratos, acompanhando todas as obras na íntegra. Então, eu faço uma função de gerenciamento, de gerente, onde eu delego outros engenheiros, técnicos, encarregados.” 

Marcos argumentou que não acompanhava as obras pois o contrato com a Prefeitura de Mariana era de menor “complexibilidade”. “Onde acontece mais complexibilidade, e aí eu estou falando de engenharia e não de valores, eu vou estar mais presente. Obras de reforma, a princípio, são de menor complexidade. Normalmente é pintura, reforma de um alambrado, então não faz sentido eu estar indo em todas. Eu preciso confiar no corpo técnico que a empresa tem”. Em seguida, o depoente informou que foi em duas obras de muro de gabião e na área onde seria construída a casa do leite, no distrito de águas claras. 

Apesar de reconhecer que o previsto no contrato 447/2019 limitava-se a reformas e conservação de prédios públicos, Marcos Paulo defendeu que a construção da Capela Velório de Furquim, a Casa do Leite de Águas Claras e outras obras de muro de gabião, ou seja, novas construções, estavam dentro da legalidade. “Tudo o que está na planilha pode aplicar.”

“Quando eu ia assinar, a medição já estava pronta para a nota. Da conferência da medição, eu não participava”. (Marcos Paulo – Construtora Israel)

 

Perguntado sobre a casa do leite, primeiro o depoente disse que deveria “ser uma ampliação”. Após o vice-presidente da CPI, vereador Marcelo Macedo, insistir e relembrar o depoimento do empreiteiro Flávio, subempreitado para executar a obra, no qual ele afirma ser uma nova construção, Marcos Paulo disse que não sabia responder se era uma nova construção ou reforma de um prédio público. “Não sei responder”.

Marcos Paulo se eximiu da responsabilidade das irregularidades apuradas pela CPI na Capela Velório, de Furquim, com o argumento de que a responsabilidade técnica pela obra era da empresa SN Engenharia, subempreitada para executar o serviço.  “Foi emitida uma RT separada. Pela obra, a empresa responsável é a SN. Não sou eu. Eu sou o responsável do contrato”. Sobre a (não) execução da reforma da escola do distrito de Magalhães, Marcos reconheceu que o serviço foi pago, mas não soube explicar porque não foi executado. “A maioria dessas obras eu estive depois do início dos trabalhos da CPI. foi medido um serviço e executado outro. Foi executada a parte de telhado. Eu quero que se esclareça. Hoje eu não sei o por quê tem serviços que fizeram e que não recebemos. Assim como tem serviços que foram medidos e não foram executados”.

Os membros da CPI insistiram na arguição do depoente quanto à responsabilidade da empresa na qualidade do serviço executado, seja pela Israel ou pelas empresas subempreitadas. O relator José Sales lembrou que “todas as obras deram diferença” nas medições. Já o presidente Pedrinho Salete foi mais incisivo. “O senhor confiou 66 vezes em um corpo técnico e 66 vezes teve alguma coisa errada e o senhor assinou junto com eles”, disse Pedrinho. “Infelizmente aconteceu”, respondeu Marcos Paulo. 

O gestor da Israel também responsabilizou os fiscais da prefeitura pelas irregularidades constatadas nas obras. “A culpa é dos fiscais da prefeitura também. Junto com o corpo técnico da Israel. Essa falha técnica não é correta e estamos trabalhando internamente para corrigi-las”. Perguntado sobre quais fiscais da prefeitura acompanharam as obras do contrato investigado, Marcos Paulo listou os nomes Eustáquio, Márcia, Marcelo, Arthur, Marcos Cardoso e Carlos. “Quando eu ia assinar, a medição já estava pronta para a nota. Da conferência da medição, eu não participava”, revelou o responsável técnico da Construtora Israel pelo contrato 447/2019.

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Chegada de Welbert Damas

Diante das inconsistências entre o que disse Marcos Paulo do que havia dito o engenheiro Welbert, em depoimento à CPI das obras, a comissão fez contato com o ex-funcionário da Israel, para que ele comparecesse a uma acareação naquele momento. Minutos depois, Welbert estava no plenário da Câmara e disse que conhecia Marcos Cardoso “muito pouco”.

De acordo com Welbert Damas, Marcos Paulo veio uma vez às obras pois o fiscal queria barrar a medição se o responsável técnico não estivesse presente. “Aí ele veio uma vez para isso”, disse Welbert. O engenheiro também questionou o responsável técnico quanto à sua responsabilidade pelos documentos que assina. “Nunca vi ele assinando nada dentro da empresa. Se tinha erros numa RDO, porque ele não corrigia na hora, se ele assinava? Se tinha erros nas planilhas que eu fazia, dos serviços executados e ele era o responsável técnico pela empresa, por que ele vai assinar de olho fechado? Se me viu uma ou duas vezes? O senhor tem meu telefone, senhor Marcos Paulo?” 

Welbert também negou a informação de que era engenheiro de campo das obras da Construtora Israel. “Eu ia na obra só para tirar algumas dúvidas da medição, eu não era engenheiro de campo igual o senhor falou. Nunca fui engenheiro de campo da Israel. Quem trazia os levantamentos para mim era Elaine e Pimentel. Ou então os empreiteiros que estavam lá. Eu só fui na obra da Policlínica [do bairro cabanas] porque tinha o Ladim lá, que não sabia medir nada. Eu fui ajudar”.

Marcos Paulo reafirmou que a responsabilidade era, também, de Welbert. “Quando eu chegava, já estava impresso. Eu só assinava o que estava impresso. Eu confiava no serviço da Elaine, do Wallace e seu. Eu vinha fazer as visitas mensais do contrato, no qual eu alinhava mais com o Wallace, e às vezes com o Welbert. Eu nunca preenchi as planilhas de medições”.

O ex-funcionário da Israel novamente rebateu as declarações do gerente Marcos Paulo. “Nunca alinhou nada comigo. Nunca conversei nada técnico com ele. Ele falou que vinha duas vezes por mês. Eu trabalhei lá 7 meses, de 7 horas da manhã às 6 horas da tarde. Se eu até almoçava no escritório, como eu só vi ele lá essas duas vezes? Nunca te vi duas vezes por mês. Você nunca esteve presente”, enfatizou Welbert.

Chegada do fiscal Marcos Cardoso

Durante o depoimento de Marcos Paulo, o engenheiro fiscal de obras da prefeitura, Marcos Cardoso, também compareceu à Câmara para contestar as informações dadas pelo gerente da Israel. “Eu tenho 1963 fotos, escutar uma pessoa falar que houve erro do fiscal? Isso é um contrassenso, um desrespeito a todo e qualquer engenheiro. Eu tenho todo o detalhamento da obra até a 5ª medição.” 

O fiscal de obras defendeu que não houve erros de fiscalização e foi duro quanto à gestão do contrato feita pela construtora. “Não houve erro da fiscalização. Fiz a fiscalização correta. Eu cobrei da empresa Israel, desde o primeiro até o último dia, o cronograma de execução da obra e a Israel nunca mandou. E isso era um descumprimento de contrato. A empresa tem 48 horas para responder o fiscal e o senhor Wallace não respondia nada. Eu cobrei várias vezes. Me mandaram um histograma de 2019. Foi um ctrl +C, ctrl + V da pior espécie. Ela não cumpriu o contrato e, na verdade, essa ata não deveria nem ter existido”. 

Marcos Cardoso disse que ficou assustado com as divergências de valores entre o que era executado pela Israel do que era pago pela prefeitura de Mariana. “O senhor Wallace me enviou a primeira medição da capela de Furquim, com um valor assustador. Eu acho que a Israel não tinha muito conhecimento sobre o que é a administração local. Quando é uma edificação, você pode cobrar no máximo 8,57% do valor. A Israel, em 14 dias, mandou de R$ 46 mil, colocou R$ 33 mil de administração local.  Obviamente, eu glosei. A medição foi R$ 14 mil e pouco. Foi a única medição que a empresa Israel encaminhou para mim. Tanto é que eu nunca tive nenhum contato com ele [apontando para Welbert]”.

O fiscal da prefeitura foi incisivo em afirmar que novas construções, como a Capela Velório de Furquim, não poderiam ter sido construídas no contrato 447/2019. “A alvenaria foi feita fora de qualquer padrão de engenharia. A capela de Furquim não poderia nunca ter sido feita nessa ata. Ata de registro de preço, é serviço de conservação, ou seja, serviço repetitivo. Não cabe obra de gabião, não cabe obra de construção de praça, esse tipo de coisa. Não pode! Ata de registro de preço é manutenção, é serviço repetitivo e continuado. É simples”. Marcos disse também que as obras não poderiam ser subempreitadas. “Quando se subempreita tudo, o município está perdendo dinheiro. Essa ata foi uma das piores coisas que aconteceram na história de Mariana”.  

O gerente da Israel argumentou, então, que os fiscais eram responsáveis pelas irregularidades pois “tinha o poder até de parar a nota”, o que impede o pagamento das medições. “Seu ponto de vista está completamente equivocado. Parece até que não conhece o setor público. Como fiscal, eu vou chegar lá e falar: não paga isso aí não! O fiscal mandou! Não existe isso”

Marcos Cardoso também revelou que era rara a presença de funcionários da Israel em obras subempreitadas pela construtora. “Toda vez que eu fui na capela de Furquim, só estava a empresa subempreitada. Eu nunca vi ninguém da Israel lá, tirando o primeiro dia, que eu vi o Wallace, depois mais ninguém”. Marcos Paulo argumentou que a obra tinha uma RT (Registro de Responsabilidade Técnica) específica da empresa, mas foi rebatido pelo fiscal da prefeitura. “A obra, em si, foi feita na ata da Israel. Então, a obra é da Israel. O responsável técnico pela obra é o senhor. A outra RT é de equipe. O responsável pela obra é a empresa dona do contrato. Vamos assumir as coisas”, disse Marcos Cardoso.

“Quando coloca um engenheiro para ser responsável por vários contratos em vários lugares é uma economia porca” (Marcos Cardoso). 

 

Welbert revelou então que a Construtora Israel começou a evitar enviar medições para serem fiscalizadas por Marcos Cardoso, pois ele era “rigoroso na fiscalização”. “A medição veio R$ 46 mil, depois do fiscal, voltou para R$ 14 mil”. Na terceira medição, Marcos Cardoso teria tentado estornar todo o valor e disse que fez um relatório no qual apontava que a Construtora Israel deveria devolver mais de R$ 80 mil aos cofres públicos. Mesmo com os alertas do fiscal, a Secretaria de Obras continuou aprovando medições e realizando pagamentos à Construtora Israel.

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Depoimento do dia 22

No depoimento de acareação, que aconteceu na última quinta-feira (22), entre os funcionários e ex-funcionários da Construtora Israel Marcos Paulo, Wallace Silva, Elaine Silva e Welbert Damas. O responsável pela empresa afirmou que assinou a planilha mas sem saber que estavam erradas. “Está totalmente discrepante o (valor) recebido do que foi realizado”, afirmou Marcos Paulo.

O vice-presidente da CPI, Marcelo Macedo, se exaltou com os depoentes, e principalmente com o responsável pela Construtora Israel. Ao afirmar novamente que só assinava as medições e “não sabia de nada”, Marcos Paulo foi chamado de mentiroso pelo vice-presidente. “Você é um irresponsável”, afirmou Marcelo Macedo. 

Macedo também foi duro nas críticas à Israel, afirmando que a empresa é criminosa, além de dizer que o Poder Executivo de Mariana foi “irresponsável” por deixar que tais atos acontecessem. Ao ser rebatido pelo advogado de Marcos Paulo, Marcelo afirmou que se exalta e que continuará se exaltando porque teme a vida das pessoas que correm perigo por conta das obras mal acabadas da empresa Israel.