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Hoje é domingo, 10 de novembro de 2024

Atingidos de Antônio Pereira aguardam há mais de um ano pagamento de indenizações prometidas pela Vale

Proprietários reclamam de falta de transparência e apontam dificuldades na criação dos animais de produção retirados da ZAS

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Imóveis foram saqueados depois que as famílias foram removidas de Antônio Pereira. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz
Imóveis foram saqueados depois que as famílias foram removidas de Antônio Pereira. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz
Moradores de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, reclamam da demora da mineradora Vale em pagar as indenizações prometidas pela interdição de suas casas e lotes. Eles são proprietários na zona de autossalvamento da barragem de Doutor e aguardam uma definição da mineradora há 1 ano e três meses. As dificuldades de diálogo e a falta de transparênciano processo é a principal reclamação dos moradores. Alguns também reclamam das dificuldades em sustentar os animais retirados dos pastos que hoje estão na mancha da ZAS.

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Sem casa, sem auxílio financeiro, longe dos seus animais de produção, como éguas e cavalos, ou sem apoio para cuidar deles. Esse é o drama apontado por proprietários de casas, lotes e terrenos de Antônio Pereira, depois de terem sido removidos de suas casas, diante do risco de rompimento da barragem de Doutor, operada pela mineradora Vale. Os moradores alegam que aderiram ao Programa Voluntário de Indenizações, proposto pela mineradora, mas, há 1 ano e três meses, seguem sem respostas e sem receber nenhum auxílio. 

Mauro Tadeu dos Santos, morador de Antônio Pereira há duas décadas, foi removido de sua casa há mais de um ano e ainda não recebeu a indenização acordada com a Vale. “Nós fomos muito prejudicados, os moradores aqui de Antônio Pereira por causa dessa barragem. Falaram comigo que dentro de seis meses estaria indenizando a gente e já tem mais de um ano que eu já fui retirado da minha residência. Até hoje eles não falam nada, a gente liga pra eles, eles falam que tá em análise e nunca dá uma resposta pra gente”. 

“Tiraram a gente tipo tiram um cachorro de um canil e passam para outro. Invadiram a privacidade da gente. Hoje a gente mora numa coisa que não é nossa sem necessidade. E eles não indenizam, só fica enrolando, enrolando”. (Mauro Tadeu)


O morador faz um apelo para que a situação seja resolvida e ele possa voltar a fazer planos. “Eu queria uma explicação deles porque ele tá demorando esse tempo todo, quando que vai sair essa indenização pra gente, pra gente seguir a própria vida da gente, porque a gente está de pé e mãos amarradas. A gente não pode viver desse jeito, a gente tinha um sonho, a gente tem uma vida pela frente”.

Ranes Junior Alves também diz que aceitou o que foi proposto pela Vale como indenização pelo terreno, mas ainda foi disponibilizado o dinheiro. “Eu aceitei aquele valor que ela me propôs, foi na mão do promotor, promotor assinou, foi na mão do juiz, juiz assinou, todo mundo que tinha pra assinar, assinou. Desde dezembro de 2020 e até hoje eles não efetuaram o resto do pagamento. Me pagaram o danos morais, mas o resto que é da compra do imóvel, de posse da Vale, ela ainda não me pagou e também não entrou em contato com meu advogado para esclarecer”. 

“Por motivo de eu estar na área das ZAS, eu não pude prosseguir com nada no meu terreno, com construção, plantio, prosseguir com mais nada”. (Ranes Alves)

 

O morador Antônio Pereira também reclama das dificuldades enfrentadas ao tentar fazer contato com a empresa. “Toda vez que você tenta entrar em contato ela te dá um outro número de pessoa que é pra você ligar. Liga pro escritório de indenização, só que o escritório de indenização parece que é fachada que você liga, e ninguém sabe nada, entendeu? O advogado entra em contato com ela pedindo retorno e nada ela fala, entendeu?

Residências e pontos comerciais sofrem com o abandono em Antônio Pereira. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz
Residências e pontos comerciais sofrem com o abandono em Antônio Pereira. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

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Josias Avelino é comerciante e proprietário de três imóveis na mancha da ZAS. Ele afirma que toda a documentação necessária já foi enviada para que a indenização fosse paga. “Já tem um ano e três meses que eles já pediram, já tem fotografia, já mediram as obras lá já. São três imóveis, já fizeram proposta para um monte de inquilinos. Até inclusive para as minhas [ex-inquilinas] lá já fizeram proposta, alguém recebeu”, revela o morador. 

“Eu queria que eles indenizassem de uma vez os imóveis pra gente comprar outro patrimônio em outro lugar. A gente custou a construir com o suor da gente, numa época muito difícil”. (Josias Avelino)

 

O proprietário afirma que o aluguel dos imóveis foi assumido pela Vale, mas lamenta a impossibilidade de negociar o próprio patrimônio. “Paga o aluguel? Paga. Mas só que é assim, a gente não é dono do imóvel mais. A gente hoje tá aqui preso na mão deles. Se a gente quiser vender o imóvel, não pode vender porque a gente não é dono. Se a gente quiser reformar ou eles reformarem, para alugar é daqui nove anos. Daqui nove anos nós não sabemos nem o que vai nos pertencer, se vai se a gente vai tá vivo ou se vai ter alguma coisa não, uai. Eu acho que o certo é chamar, fazer as propostas e pagar. Eles não vieram e desapropriaram os patrimônios da gente? Eles são muito irresponsáveis nessa parte. Não tem humanidade com eles”. 

Edison Alves reclama, sobretudo, do sentimento de incerteza diante da falta de respostas por parte da mineradora. “A gente liga lá no escritório de indenização e não tem retorno nenhum também, fala que tá tudo em processo, que está em andamento, mas não tem retorno”. 

“A gente fica aqui jogado, a Deus dará”. (Edison Alves)


O morador também lamenta a retenção do patrimônio e a falta de auxílio financeiro enquanto a situação não é resolvida. “Você além de não poder fazer nada no seu terreno, ela não te dá auxílio nenhum, entendeu? Além de não te dar auxílio, fica essa demora aí pra pagar indenização de todo mundo, fica enrolando aí, empurrando com a barriga e fazendo a obra dela a todo vapor aí e como fica isso? A gente fica aqui jogado, a Deus dará”.

A obra citada por Edison refere-se às intervenções para o descomissionamento da barragem de Doutor, realizadas pela mineradora Vale, após decisão judicial que proíbe a existência de barragens a montante no território nacional.

Dificuldades com os animais de produção

Rafael Bruno Queiroz Mendes lamenta a perda de vínculos familiares com a retirada de todos os parentes, que moravam próximos e, portanto, tinham imóveis na mancha da zona de autossalvamento. “A Vale veio e retirou minha família, minha avó, minha irmã, meu irmão, meus tios. Levou uns animais que eu tinha, sete cavalos pra fazenda dela, em Barão de Cocais. A Vale só faz isso, né? Só tira a gente, não fala, não dá satisfação de nada, não tem o direito do auxílio que o pessoal tem direito”.

“Eles tiraram uma renda minha né? Hoje eu passo até uns apertos, porque quando eu tinha meus animais aqui, eu vendia, trocava um no outro e tirava uma rendazinha para sustentar a minha família.” Rafael Mendes

 

O morador de Antônio Pereira diz que espera uma resposta da mineradora Vale para conseguir fazer qualquer planejamento financeiro. “Eu espero uma resposta da Vale, que me deixe mais confortável, né? Uma resposta se eu posso continuar no meu lote com meus animais, trazer eles de volta ou se eles vão me indenizar para eu comprar um outro lugar para eu seguir minha vida”.

Destino de muitos animais ainda é incerto. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz
Destino de muitos animais ainda é incerto. Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Resposta da Vale

Em nota, a Vale confirmou a existência do Programa de Indenização Voluntário e disse que todas as informações são repassadas aos advogados dos atingidos. “Empenhada em prestar assistência e reparar os impactos causados aos atingidos, a Vale estruturou um Programa de Indenização voluntário por meio do qual as pessoas impactadas podem realizar pedidos de indenização. Os parâmetros para as indenizações seguem o Termo de Compromisso firmado entre a Vale e a Defensoria Pública. O acesso ao Programa ocorre por meio de advogados, que negociam diretamente com a empresa. O andamento e eventuais pendências das negociações são informadas diretamente aos advogados das famílias, que devem ser procurados em caso de dúvidas”.

A mineradora também afirmou que “se encarrega do cuidado com os animais domésticos e de produção que não puderam ser levados por seus tutores, de imediato. Até que seus donos estejam prontos para recebê-los de volta, eles permanecem em instalações de fauna, sob os cuidados de profissionais e especialistas, entre biólogos, veterinários e auxiliares capacitados”.

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O que diz o advogado dos atingidos

Gabriel Durães, advogado que representa os atingidos que participaram desta reportagem, afirmou que o programa de indenizações não é transparente. “Com o rompimento da barragem em Brumadinho, a Vale criou um programa de indenização e esse programa é utilizado em outros municípios onde há barragens da empresa. Nesse programa, o advogado ingressa com um requerimento com os danos sofridos pelo morador atingido, o jurídico da empresa Vale analisa e ao final dá um retorno positivo ou negativo acerca do pedido de indenização. Infelizmente esse programa não é transparente, pois existem vários requerimentos que estão há mais de oito meses parados e a empresa só dá um único retorno de que está com pendência interna, mas não especifica qual é essa pendência interna”.
O advogado também pontuou os possíveis danos psicológicos causados aos moradores de Antônio Pereira, diante dessa situação de incerteza. “Esses atingidos, esses moradores, estão morando em residências alugadas pela Vale desde março de 2020 e essa desinformação causa uma ansiedade enorme para essas pessoas, causando até um enorme dano psicológico”, finalizou o advogado Gabriel Durães.

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