- Mariana
Deivison Silvestre abre seu atelier e nos mostra as obras que levará para a Itália
O artista marianense, criador da "Simiosofia", irá expor seu trabalho na Bienal de Florença, um dos mais importantes eventos de arte da Europa.
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Como estão as expectativas e as preparações para o evento?
A gente já conseguiu muita coisa, conseguimos uma empresa que está nos apoiando desde o início e nos ajudou a pagar várias taxas da bienal, montagem da exposição, intérprete, advogado para fazer a procuração, enfim, todos os trâmites necessários, as questões burocráticas. O que nós estamos correndo atrás agora é do transporte, para mim e para as obras, a vaquinha está rolando timidamente, mas as expectativas são boas, estamos trabalhando bastante para conseguir chegar até nesse evento de grande visibilidade. No momento estamos atrás de parceiros também para nos ajudar, correndo atrás de patrocínio com empresários e com o poder público para possibilitar essa nossa ida.
Qual o será o tema da bienal e da sua exposição?
A bienal trouxe um tema bem extenso, mas seria algo como “a dimensão da feminilidade universal”, tem um vídeo que ilustra esse tema e foi lançado pelo evento, ele mostra todo o processo estético da transformação social do feminino nas artes e o olhar do feminino socialmente dentro das artes. Desde o momento onde a dimensão do feminino nas pinturas nas esculturas era percebido, e como tem mudado esses paradigmas na arte e socialmente também. Qual lugar que a mulher ocupa na política, no desenvolvimento social ou político? Como é a ocupação dos lugares e a reivindicação dos posicionamentos femininos? Diante disso, eu pensei em três obras que trazem algumas dimensões do feminino que tem a ver com meu trabalho.
Fala pra gente um pouquinho sobre as obras
A primeira delas é a “Colheita em BR”, essa obra tem muita relação com esse momento que a gente está vivendo no Brasil. BR está ligado com o Brasil e ao mesmo tempo com rodovias. A terra seca, cheia de répteis pode ser uma alusão ao conflito ou como sobreviver nesse meio, nessa estrada que é caminho que você tem dependência de alguém sempre. O segundo é uma releitura da Pietá, o quadro fala por sí, tem a ver com a condição da mãe que perde o filho pela questão da violência e tem relação com as cores: O verde, o azul e o amarelo ajudam a localizar e entender que é um retrato de nossas periferias. Já o outro se chama “Transfiguração da Matéria Informada” e tem relação com a homofobia, o nome tem relação com isso também, tem toda a relação de um corpo que não cabe nesses cilindros que o cercam ao mesmo tempo que mostra toda a esperança e a força de ruptura com o modelo em respeito de uma contemporaneidade onde o feminino não precisa ser algo exatamente biológico.
E toda a sua relação com a arte, o que ela significa pra você?
Da etnia que eu venho e da situação social que eu vivi, era de se esperar que eu estivesse morto ou preso, sabe? Inclusive foi o que aconteceu com várias pessoas da minha família, amigos. Minha avó era umbandista e sempre recebeu pessoas de vários lugares em casa e a gente morava com ela, então na infância era um misto de religiosidade e miséria, morávamos várias pessoas ali em um cômodo só e isso tudo sempre me afetou muito, a violência e a miséria sempre tiveram ali muito próximas. Era um clima muito hostil, mas desde pequeno eu comecei a ver valor nos meus desenhos, quando ia para a escola, eu pegava os desenhos que eu tinha e escondia no meio de um monte de jornal e colocava em um cantinho perto das telhas. Quando eu entrei na escola, tive muita dificuldade em começar a escrever, a me adaptar, e a única coisa que eu fazia era desenhar, era o que me acalmava e me ajudava a escapar daquela realidade. Minha mãe, para me acalmar e me convencer a continuar na escola me falava que eu ia poder fazer um curso de desenho e aquilo me estimulava.
“Um dos meus maiores delírios é quem sabe conseguir um valor expressivo em um dos meus quadros, aí a Simiosofia ia conseguir dar dignidade para pessoas além de mim. Minha arte sempre foi pra mim um instrumento de dignidade, por isso o meu delírio é conseguir uma grana boa em vida para poder fazer que a Simiosofia se realize além do seu conceito, que ela garanta dignidade mínima para muita gente”
Deivison Silvestre
Pelo jeito deu certo, né?
Deu muito certo, hoje eu sou artista, tenho muito orgulho de viver da minha arte. Eu comecei vendendo meu trabalho na rua, para turistas, já vendi muito quadro grande por 300 reais, só de material eu gastava mais de 200, mesmo assim era o que eu tinha naquele momento, vendia um trabalho, ia lá fazia compras para dois, três dias. Eu ia, conversava com colegas artistas plásticos, pegava conselhos, entendia aos poucos como eu precisava vender meu trabalho, mas esse foi o meu processo, eu não podia esperar por uma grana alta, grana alta pra mim era a mágica de poder transformar minha arte em nutrição para a alma e para o corpo. Só depois disso que eu consegui me planejar e a arte não era só comida pra mim, virou sinônimo de dignidade.
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Sobre esse processo, o que você coloca dele na sua arte?
Parte do processo é consciente, acadêmico, conceituado, toda a questão da Simiosofia, mas parte do trabalho é subjetividade pura, algumas questões são constrangedoras de falar sobre, outras eu nem saberia dizer, então que a história se encarregue de traduzir isso, mas aí eu teria que morrer primeiro. E um dos meus maiores delírios é quem sabe conseguir um valor expressivo em um dos meus quadros, eu imagino que ainda tenho um tempo bom de vida, aí a Simiosofia ia conseguir dar dignidade para pessoas além de mim. Minha arte sempre foi pra mim um instrumento de dignidade, por isso o meu delírio é conseguir uma grana boa em vida para poder fazer que a Simiosofia se realize além do seu conceito, que ela garanta dignidade mínima para muita gente, isso sim seria a Simiosofia completa, a filosofia cotidiana aplicada para dar condição pra muita gente ai.
Como está a situação do investimento para chegar até a bienal? Como faz para te patrocinar?
A própria bienal oferece um grande espaço para quem se dispõe a patrocinar artistas. Ela oferece visibilidade nos folders, material de divulgação, os patrocinadores são convidados a participar do jantar de gala do evento, então é o tipo de contrapartida que eles oferecem. Eu sou o único artista de Minas Gerais selecionado para participar desse evento, então a gente conta também com o apoio não só de empresas, mas do poder público também, nessa ida eu estou concorrendo ao Prêmio Lorenzo Il Magnifico e isso pode dar muita visibilidade não só pra mim, mas também para a cidade, para o nosso estado.
E para quem quiser ajudar na vaquinha?
Tem muita gente me ajudando nessa, vários artistas estão oferecendo o trabalho deles em contrapartida pra quem ajudar, tem aula de violão, de dança, de teatro, pra quem tiver precisando de um logo, uma amiga também está oferecendo como uma das contrapartidas, então eu tenho que agradecer quem está doando e também quem oferece seu próprio trabalho porque acredita na gente, eu me sinto muito feliz e grato por isso.
Você sabe que sou fã do seu trabalho, né? Um dia ainda vou ter um Deivison Silvestre, não por camaradagem, mas porque acredito que esses quadros ainda valerão muito.
É uma honra, fico muito feliz de ver gente que acredita assim no meu trabalho, e eu trabalho bastante para que isso um dia aconteça, tem muita gente acreditando também, Eu espero e trabalho muito por isso e acredito muito que com essa bienal na carreira, ajudaria muito em relação à visibilidade do meu trabalho.