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Hoje é domingo, 6 de outubro de 2024

Longa falta de água revolta moradores do bairro Alto do Rosário

Situação do abastecimento também é crítica em vários pontos de Mariana e em alguns distritos

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Moradores de algumas ruas do bairro Alto do Rosário há mais de 2 meses sem abastecimento regular – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz
Acionada por Ludmila Gomes, manicure residente na Travessa Pinho, bairro Alto do Rosário, a reportagem da Agência Primaz visitou o bairro na manhã deste sábado (25), para cerca de 15 moradores das ruas Gameleira e Pau Brasil, e das travessas Pinho e Gameleira. Segundo as informações colhidas, a região está com abastecimento precário há mais de dois meses e com dificuldades para receber caminhões-pipa, reclamando da demora para a solução do problema causado pela demolição de uma da caixa d’água em 2019.

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A desculpa deles [SAAE] é a estiagem. Só que cai água na rua de cima, tem água no restante do bairro… Mas aqui no nosso trecho, a gente tá há mais de dois meses sem água”, reclama Ludmila, lembrando que, na sua rua (Travessa Pinho) houve um vazamento que ficou uma noite inteira sem conserto. Segundo Jucemara Castro, residente na rua Gameleira, não se trata nem de ter água uma vez ou outra, mesmo com pouca pressão. “É que não vem mesmo, há muito tempo, uns dois meses, mais ou menos”, declara.

Indagados sobre os contatos feitos com o SAAE, os moradores e moradoras disseram que todos reclamam, mas o atendimento não é adequado. “A gente liga, eles dizem que vão mandar, às vezes chega, mas quando chega é tarde, ou às vezes nem chega, ou chega só na metade da rua”, afirmou Maria Eugênia do Sacramento, também moradora da rua Gameleira.

A questão do atendimento parcial, quando é feito, é ressaltado por Adriana Batista, da travessa Gameleira: “Às vezes já chega com pouca água. São bastante moradores, e tá todo mundo na mesma situação. Aí não dá pra [atender] todo mundo e ficam selecionando”, acrescenta, em relação à negativa de fornecimento de água para quem não tem protocolo registrado.

Ludmila declarou ter achado “um absurdo, um desaforo” a publicação feita pelo SAAE nas redes sociais. “Eles falaram que tavam reduzindo a quantidade de água pros bairros. Olha a redução do bairro Dom Oscar: de segunda a segunda, de sete às duas da tarde. O dia que reduzir assim pra gente, tá ótimo!”, afirma, acrescentando que tem feito postagens nas redes sociais, e enviado mensagens para o prefeito e vereadores. “Eu tô apelando pra todo mundo. Eu não tô querendo ser chata, eu só quero que resolvam o nosso problema”.

Existe uma divergência entre as informações prestadas pelos moradores, quanto à quantidade de água fornecida pelos caminhões-pipa, por moradia. Uma moradora afirmou que só recebeu mil litros na terça-feira e que está, desde então, sem “uma gota d’água”, mesmo tendo ligado várias vezes para o SAAE. Mas Elio relata que, mesmo havendo quatro moradias me seu terreno, só tem conseguido 2 mil litros quando vem o atendimento do caminhão-pipa.

Para todos os moradores ouvidos pela reportagem, não é verdadeira a alegação de aumento de consumo devido a invasões no entorno do bairro. Para o motorista Elio Martins, o problema é que existem lugares onde existe perda de água, com vazamentos e água escorrendo pelas ruas. “Sobra em um lugar e falta em outro”, afirma. Também há quem reclame que as manobras de abastecimento são malfeitas ou, até mesmo, que existem moradores de outros locais que têm acesso aos registros, e usam isso em proveito próprio.

Marcileia Figueiredo, moradora da rua Pau Brasil, lembra que “teve uma vez, lá no ponto final [de ônibus] que todo mundo reuniu, pra fazer manifestação, e passou alguns minutos e a água veio”, referindo-se a 2019, quando a situação estava tão crítica quanto agora, reforçando o relato de outra moradora, que ouviu de motoristas de caminhões-pipa, que “não falta água em Mariana, o problema é a distribuição, que não é feita”. Ludmila lembra que, se não tem como abastecer algumas ruas no bairro, não faz sentido ter sido aberto, há duas semanas, um lava-jato na rua Jatobá.

Mesmo quando são atendidos por caminhões-pipa, os moradores reclamam da dificuldade de abastecer seus reservatórios. Elio diz que, às vezes, chega do trabalho já de madrugada, mas nem consegue dormir porque fica na espera da chegada do caminhão, e que é uma luta para conseguir encher as caixas. Para todos os moradores ouvidos pela reportagem, não há previsão do horário de entrega, mesmo tendo sido registrado protocolo, além da deficiência das mangueiras utilizadas, que normalmente têm comprimento insuficiente e apresentam muitas rachaduras. Isso tudo, segundo os moradores, é agravado pela topografia do local, em especial das travessas Pinho e Gameleira, que não permitem que os caminhões estacionem perto de muitas residências.

Assim como a travessa Gameleira, a travessa Pinho também é muito íngreme, dificultando o abastecimento por caminhões pipa – Fotos: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Eu mesmo, junto com um vizinho, tive que emendar mangueira não sei quantas vezes. É emendar num lugar e rachar em outro”, declara Mateus Agripino, morador da travessa Pinho. Em função dessa restrição, os moradores suspeitam de comportamento inadequado dos motoristas dos caminhões. Foi revelado que o atendimento é feito a poucas casas de cada vez, desconfiando que os caminhões não chegam ao local com a capacidade máxima. “Aí eles falam que vão voltar, mas já teve uma vez que foi preciso um morador acompanhar ir no caminhão, porque eles [motoristas] faziam hora pra voltar”, afirmou Marileia.

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Devido a algumas críticas, em relação à atuação da associação de moradores do bairro, nossa reportagem fez contato com a presidente Kátia Quirino. “A associação tem feito todo o possível pra manter o bairro em andamento. Tudo que tem acontecido dentro do bairro, desde infraestrutura, eletrificação, água, toda a demanda do bairro passa pela associação e vai para o município, em forma de pedidos e requerimentos. Mas a associação não tem culpa do município não nos atender”, rebateu a presidente, informando que tem registros de ofícios e requerimentos de solicitações feitas à administração municipal, à Câmara e ao SAAE. Ressaltou também que tem participado de várias reuniões com esses órgãos, e também com a secretaria de obras e subsecretaria de assuntos urbanos (SASu), desde que foi retirada a caixa d’água que havia no Alto do Rosário (esquina da Rua Pinho com a Rua Cerejeira), sob a alegação de risco de rompimento. “Desde 2019, a gente vem trabalhando nesta luta, em busca de um novo reservatório pro bairro, e a melhoria da distribuição da água”, afirmou Kátia.

Local onde existia um reservatório, demolido em 2019, que abastecia principalmente a parte baixa do Alto do Rosário e permitia melhor distribuição de água para as partes baixas do bairro – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

De acordo com Kátia, a ausência do reservatório agravou a situação das partes mais altas do bairro, já que o outro reservatório, próximo da torre, com pequena capacidade de armazenamento, só consegue abastecer as partes mais baixas. “Nós temos um problema muito grave na Gameleira, Pau Brasil, travessa Pinho e travessa Gameleira. E a travessa Gameleira, por exemplo, tem casa que a o caminhão-pipa não abastece, porque o mangote é curto e o caminhão não consegue parar no morro íngreme, e o caminhão não ‘segura’ ficar no morro”.

A presidente da associação afirma que tem insistido com o SAAE para resolver a situação, citando a tentativa, acompanhada por ela, de registro de um boletim de ocorrência na Polícia Civil, e o registro de reclamação na Ouvidoria Municipal, feito há aproximadamente 45 dias. “Eu estava na Delegacia Civil quando um morador foi até lá pra registrar um boletim de ocorrência. O escrivão disse que não adiantaria registrar, porque o assunto era da Ouvidoria Pública. Foi feito o protocolo na Ouvidoria, mas até agora não recebemos nenhum retorno. Nem da Ouvidoria, nem do SAAE”.

O atendimento do SAAE também é complicado, segundo Kátia, em termos de manutenção da rede de distribuição, como foi o caso do recente vazamento na travessa Pinho. “O eu acontece? O SAAE vem no bairro, ele faz a bagunça, abre os buracos, deixa aberto, não informa à associação o que foi feito, e não informa pra comunidade”, reclamou Kátia, informando que registrou pedido de participação na Comissão Popular da Câmara para expor os problemas do bairro, em especial a questão da água. “Provavelmente esta semana, ou na outra, vamos ter uma participação na Comissão Popular da Câmara, pra estar pontuando essas coisas”, finalizou a presidente da associação de moradores do bairro Alto do Rosário.

Outros locais

A situação também é complicada, mesmo em partes baixas da cidade. Sidney Neri e Rita de Cássia são sócios em um salão de beleza, nas imediações da Praça da Sé. De acordo com Sidney, o estabelecimento ficou desde a segunda-feira passada sem abastecimento de água, que já estava irregular na semana anterior. “A gente ligou pelo menos umas 12 vezes para o SAAE, prometeram enviar caminhão-pipa, mas não mandaram”, afirmou Sidney, informando que foi atendido somente nesta sexta-feira (24), “porque liguei para uma amiga minha, do gabinete do Juliano [prefeito interino]”. Ele reclama que, além dos problemas decorrentes da pandemia, seja obrigado a dispensar clientes por causa da falta de água. “Tudo que foi química nós dispensamos. Nós dispensamos entre 15 e 16 clientes, entre tintura e alisamento. Fora a semana passada. Eu tava cortando só cabelo que aceitava borrifar”, finalizou.

Célia Soares, moradora da Travessa Araguaia (N. S. do Carmo) também relata problemas de abastecimento há duas semanas. “A água até chega, mas fraquíssima, e não consegue subir para as caixas, no 3º andar. Como a água não sobe, só enche 2 mil litros aqui em baixo”, afirma Célia, referindo-se ao reservatório térreo da edificação que tem quatro apartamentos. Devido a isso, segundo Célia, “a gente liga a bomba, ela joga a água pras caixas [superiores], mas essa água não dá pra nada. E quando a água acaba, entra ar no encanamento todo”. A situação relatada por Célia fica ainda mais complicada devido ao aumento do consumo de energia, para o acionamento da bomba. “Ontem [quinta-feira, 23] vieram, com um caminhão-pipa, encheram uma caixa de 2 mil litros, mas a água já acabou, o encanamento tá cheio de ar, e eu não consigo tirar”, reclama Célia.

Rodízio de abastecimento

Nota do SAAE publicada nas redes sociais, na noite de quinta-feira (23), informou a adoção de rodízio de abastecimento nos bairros Chácara, São José, Dom Oscar, Morro Santana e Bougainville, bem como na Rua Dom Viçoso e no “Centro Histórico e Comercial”, além da rua Yolanda Guimarães (Passagem de Mariana), justificada como medida necessária, em função “do alto consumo de água” e do “longo período de estiagem”.

Leia, a seguir a íntegra da nota que anuncia a implantação do rodízio de abastecimento, medida estendida, na manhã de hoje (segunda-feira, 27), também ao bairro Cruzeiro do Sul (diariamente, de 7 às 14h):

Em virtude do alto consumo de água que estamos vivenciando em Mariana, e o longo período de estiagem, nossos reservatórios (mesmo trabalhando 24 horas por dia), não estão dando conta de armazenar este precioso líquido, portanto não temos outra saída a não ser realizar um rodízio no abastecimento para que todos tenham água nesse período de crise hídrica.
Bairros que passam a fazer parte do rodízio já no dia 24 de Setembro, o abastecimento se dará das 7 às 14 horas de segunda a segunda: Chácara, São José, Dom Oscar, Rua Dom Viçoso.
O Centro Histórico e Comercial terá o tempo reduzido de abastecimento com o horário de 6:30 às 10 da manhã. Tempo suficiente para abastecer os reservatórios.
A rua Yolanda Guimarães em Passagem de Mariana, terá a água bombeada de 07 às 19 horas diariamente.
O Bairro Morro Santana e Bougainville terá o abastecimento alternado dia sim dia não, no horário de 07 às 19 horas. Começando pelo Morro Santana que terá água nessa sexta 24.
Até que as chuvas cheguem com regularidade, essa será a medida emergencial, podendo ser estendida para outros locais, incluindo distritos.
Pedidos de caminhões pipa para estes bairros mencionados, serão analisados pelo comitê gestor da crise hídrica.

SAAE MARIANA Gestão com Responsabilidade.

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Posicionamento do SAAE

A partir do contato inicial com as fontes utilizadas nesta reportagem, a Agência Primaz enviou ao SAAE uma série de questionamentos relacionados à situação.

Em resposta, a Assessoria de Comunicação do órgão, por intermédio do jornalista Roberto Verona, informou que “o SAAE Mariana têm monitorado todos mananciais que utilizamos e nesses últimos 15 dias a produção de água bruta teve uma redução média de 37% e [que] o consumo aumentou consideravelmente”, acrescentando que, em virtude disso, “o SAAE tomou algumas medidas emergenciais para garantir o abastecimento”, considerando “que Mariana tem uma significativa população flutuante, que habita os hotéis, alojamentos e pousadas da cidade, o consumo nestas unidades aumentou exponencialmente com a elevação da temperatura e, em especial pela retomada das obras reparadoras do episódio de Fundão e implantação dos povoados de novo Bento e nova Paracatu de Baixo que trouxe à cidade diversas empreiteiras e seus colaboradores, além de restaurantes e postos de serviço de lavagem de roupas e veículos que também tiveram aumento considerável de consumo”.

Em relação às capacidades operacionais de captação e tratamento de água, Verona informou que a ETA [Estação de Tratamento de Água] Sul, em tempos normais, tem uma vazão de entrada de 70 litros/segundo, mas atualmente está com 42 litros/segundo; a ETA Seminário reduziu de 27 para 20; a ETA Matadouro de 12 para 7 L/S e a ETA Santa Rita só capta 17, de uma média de 21 litros/segundo.

Essa situação resulta, segundo o SAAE, que são mais afetados, atualmente, bairros Cabanas, Santa Rita de Cassia, Santa Clara, Santo Antônio, Rosário e São Gonçalo, além dos distritos de Monsenhor Horta, Bandeirantes, Barro Branco, Barroca.

Em relação ao atendimento por caminhões-pipa, a Assessoria de Comunicação informou que a demanda de abastecimentos suplementares somam, diariamente, 200 pedidos, com atendimento de 170, em média, ressaltando que, de acordo com “o regulamento do CISAB (Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata de Minas Gerais), órgão fiscalizador do SAAE, (…) o prazo de atendimento é de 24 horas para essa modalidade de abastecimento”. Destacou, ainda, que fora da estiagem, o SAAE utiliza apenas um caminhão-pipa da frota própria e dois outros contratados. Entretanto, atualmente, “o SAAE, contrata via cooperativa de transportes, 10 caminhões com capacidade de 10 mil litros de carga bruta e 5 de 20 mil litros”, estes últimos para abastecimento de reservatórios, sendo um da frota própria do SAAE sendo que a frota, com dois veículos em manutenção, é utilizada para abastecer tanto a sede quanto os distritos. Os caminhões-pipa são contratados por hora trabalhada, com valores de R$72 e R$109, respectivamente para capacidades de 10 e 20 mil litros.

Relativamente à questão específica do bairro Alto do Rosário, Roberto Verona informou que “o projeto anterior, licitado pela prefeitura, não prosperou por problemas de contrato com a empresa que ganhou a licitação. Então o SAAE Mariana assumiu toda responsabilidade de abrir um novo certame que tem previsão de publicação em início de novembro de 2021. Esse novo projeto é para um reservatório de 500m³ no mesmo local, com 8 meses para conclusão da obra”. Também ressaltou que, “atualmente, o bairro não possui a mesma oferta de água, como nos outros períodos do ano, não em função apenas da ausência desse reservatório, mas em detrimento do período de estiagem ao qual estamos acometidos (poucas chuvas) e áreas de ocupações irregulares no entorno do bairro”.

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