- Ouro Preto
Manifestantes fecham MG-129 por quase 5 horas
Atingidos de Antônio Pereira (Ouro Preto/MG) interditaram o trevo de acesso ao distrito e ao reassentamento de Bento Rodrigues, em protesto contra a Vale
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Organizada pelo movimento Mulheres Guerreiras de Antônio Pereira, com o apoio da FLAMa-MG (Frente mineira de luta das Atingidas e Atingidos pela Mineração em Minas Gerais), o movimento paralisou o tráfego no trevo que dá acesso ao distrito de Antônio Pereira (Ouro Preto/MG) e ao reassentamento de Bento Rodrigues, ocasionando um grande congestionamento que se estendeu até a extremidade norte de Mariana. Portando faixas e cartazes e utilizando megafone, os manifestantes conclamavam os demais moradores do distrito a se posicionarem em relação à falta de respostas e ações da empresa Vale.
Em vídeo publicado nas redes sociais, Carla, residente no distrito e integrante da FLAMa, apresentou um apelo às comunidades das cidades do entorno e aos trabalhadores, enfatizando a difícil situação dos moradores do distrito e reclamando da falta de diálogo e comunicação por parte da empresa. “Nós somos moradoras de Antônio Pereira, e estamos parando a MG-129 para reivindicar direitos nossos que a Vale está tirando. Nós estamos aqui no ponto onde o trânsito vai para Bento Rodrigues e para Antônio Pereira, para que a gente chame a atenção, e que a gente seja ouvido, por conta do desespero que nós estamos sofrendo no território. As pessoas estão em pânico, não tem saúde, não confiam mais nas informações da Vale, que tem dificuldade de comunicação com a comunidade. Então, nós estamos aqui reivindicando os direitos e pedindo, gritando socorro, pedindo apoio de toda a comunidade das cidades vizinhas e dos trabalhadores para abraçar nossa causa, porque a situação nossa ‘tá’ muito complicada e desesperadora. Estamos totalmente desolados e jogados às traças”, declarou Carla.
De acordo com os manifestantes, a cobrança é por informações independentes e confiáveis sobre a segurança da Barragem Doutor e sobre os impactos das intervenções da Vale no território, o que seria obtido com a contratação de uma assessoria técnica independente para os atingidos, além da retirada de todas as famílias moradoras do entorno da barragem e que se sentem inseguras em suas moradias; maior investimento na estrutura de saúde do distrito; reconhecimento dos garimpeiros atingidos que estão sem fonte de renda devido a interdição da área de garimpo pela mineradora e reparação pelos danos ambientais causados pelas obras executadas pela Vale. Em relação ao poder público municipal, os moradores do distrito cobram maior ação da prefeitura em relação aos direitos dos atingidos, assim como a execução de políticas públicas de saúde, abastecimento de água, educação, no distrito.
Em manifesto divulgado pelo grupo de manifestantes, as obras de descomissionamento feitas pela Vale ruíram com as chuvas e a população não se sente segura em relação a barragem e às obras de responsabilidade da Vale, que “agrediram o meio ambiente do distrito interrompendo o acesso da comunidade à água potável e piorando a qualidade da água”, e exige “acesso gratuito a água de qualidade” e ações efetivas para que “a Barragem Doutor permaneça no nível 2 de segurança”.
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Em áudio divulgado pela Rádio Itatiaia de Ouro Preto, Ana Clara Cota, integrante da Comissão de Atingidos de Antônio Pereira enfatizou o caráter pacífico da manifestação, cobrando da Vale e dos órgãos públicos mais ação em favor dos atingidos pela barragem de Doutor. “Por volta das quatro e meia desta manhã, toda a comunidade de Antônio Pereira se reuniu e fechou a MG-129 em uma manifestação pacífica que cobra, da empresa Vale e dos órgãos públicos, mais ação aos atingidos pela barragem de Doutor, que se encontra em descomissionamento, por ser uma barragem construída a montante”, anunciou Ana Clara.
Ressaltando que o problema causado pelo descomissionamento da barragem de Doutor está prestes a completar dois anos, Ana Clara destacou a falta de transparência e de diálogo da Vale, e também a falta de efetividade das obras realizadas, provocando insegurança entre os moradores do distrito. “Desde fevereiro de 2020 começaram ações como remoções de famílias, mas até o momento as reparações de danos estão praticamente paralisadas, pouco foi feito na comunidade de Antônio Pereira. A Vale não dialoga com a comunidade e continua sem transparência. A comunidade não tem segurança, principalmente com essas chuvas agora, sobre o nível de emergência da barragem. A Vale abaixou o nível de emergência da barragem ‘pra’ nível 1, até agora nós não temos explicações, teve uma obra do vertedouro que foi completamente destruída com as primeiras chuvas. Uma obra que custou mais de 100 milhões de reais, ela foi toda por água abaixo nas primeiras chuvas, e com isso toda a comunidade se sente cada vez mais insegura com a atuação da Vale no território”.
A lentidão do processo de contratação da assessoria técnica e a não remoção de famílias residentes nas proximidades da Zona de Autossalvamento (ZAS) também foram motivo de críticas e fatores determinantes para a realização da manifestação. “Nós também exigimos a presença imediata da assessoria técnica independente Gauicuy que foi eleita pelos atingidos para fazer a reparação integral de danos de toda a comunidade. E até agora a Vale nega o direito de pagar a assessoria técnica Guaicuy. É um direito dos atingidos, então cobramos do poder público e da Vale a chegada imediata da ATI no nosso território. Fora todas as famílias que ainda estão se sentindo inseguras próximas à área de risco e não foram removidas. Essas são algumas das pautas de reivindicações que toda a comunidade unida hoje, resolveu parar a MG-129, para ter os seus direitos assegurados com a mineradora Vale”, finalizou a integrante da Comissão de Atingidos de Antônio Pereira.
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A manifestação foi dispersada poucos minutos depois das 9h da manhã, tendo ocorrido a ação da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), com várias viaturas e policiais. A Agência Primaz apurou que essa ação não contou com a atuação de integrantes do sub-destacamento da PMMG localizado em Antônio Pereira, uma vez que o ato foi realizado fora de seus limites de jurisdição. Em vídeo divulgado nas redes sociais, a ação da PMMG foi parcialmente documentada, sendo possível ver policiais militares tentando impedir o deslocamento dos manifestantes pela rodovia, em direção ao distrito de Antônio Pereira. “Não vai ser permitido subir continuando ‘fechando’ a rodovia. Já extrapolaram o tempo, vocês não querem acordo, vocês não querem diálogo. Então o alerta já foi feito. A ordem é ‘pra’ liberar a via, ‘tá ok’? Quem recusar liberar a via vai ser conduzido em flagrante”, diz um policial, cuja identificação não é possível ser feita pelo vídeo.
Comandante da 239ª Cia da PMMG, localizada em Mariana, a Capitã Marta esclareceu que acionou seus comandados, e ela própria esteve no local, com a intenção de mediar o conflito e orientar os manifestantes quanto aos seus direitos e também dos demais cidadãos. “O direito à manifestação não pode restringir o direito de ir e vir das pessoas. Fomos para o local com a intenção de negociar, de conversar e orientar, e lá também estavam integrantes da Polícia Rodoviária e o Capitão Lasnor, comandante da 248ª Cia, de Ouro Preto”, afirmou.
Segundo Marta Guido, o policial fez um alerta, em virtude da intransigência dos manifestantes, que insistiam em caminhar “a passos de tartaruga” até o distrito de Antônio Pereira, colocando em risco a segurança própria e de todas as pessoas que transitassem no trecho, além de terem fechado a rodovia por mais de quatro horas, inclusive com recusa de abertura e fechamento da via por períodos alternados. “Nós agimos dentro da legalidade, mas com força proporcional [de acordo com o desenrolar dos acontecimentos]. Isso foi um alerta, um limite em função da situação, já que eles nem quiseram atender nossa sugestão de abrir a rodovia por meia hora, por exemplo, fechando depois por mais meia hora. Então foi um alerta, de que elas já estavam extrapolando, e que as medidas legais seriam tomadas”, finalizou a comandante militar, confirmando que não houve necessidade de condução de nenhum manifestante à delegacia local.
Vale e Prefeitura Municipal de Ouro Preto
A pedido da Agência Primaz, a Vale encaminhou seu posicionamento oficial, inclusive com menção à questão da assessoria técnica aos atingidos. “A Vale respeita a livre manifestação desde que observado o direito de ir e vir. A empresa não tem medido esforços para garantir que as pessoas impactadas pelas evacuações em Antônio Pereira sejam reparadas integralmente, de forma justa e célere. A empresa desenvolve, com ampla participação da comunidade de Antônio Pereira, o Plano de Compensação e Desenvolvimento, um conjunto de projetos realizados pela empresa com o objetivo de contribuir para que as comunidades impactadas possam retomar suas condições de vida anteriores. Entre elas, há ações nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento social, esporte e infraestrutura. Outras ações que irão compor o plano estão sendo construídas com a sociedade e contemplam desenvolvimento econômico, cultural e de sustentabilidade. Sobre a questão da Assessoria Técnica, a empresa ressalta que está cumprindo todas as determinações judiciais proferidas”, diz a íntegra da nota.
Por telefone, nossa reportagem ouviu Juscelino Gonçalves, Secretário de Defesa Social da Prefeitura Municipal de Ouro Preto. “A opinião da Secretaria [de Defesa Social] e da própria Prefeitura [de Ouro Preto] é que é legítima toda a manifestação e reivindicação por parte dos atingidos pela barragem, absolutamente legítima! Nós não temos problema nenhum com a manifestação dos interesses, das reivindicações dos moradores, doa atingidos, dessas mulheres que representam esse movimento de Antônio Pereira. Eu penso que eles têm mesmo que fazer essas manifestações, para que a empresa e os poderes públicos constituídos possam ouvi-los”, afirmou Juscelino Gonçalves.
Em relação aos problemas recentes, ocasionados pela tentativa da Vale de obstruir vias do distrito e da Vila Antônio Pereira, também conhecida como Vila Samarco, o secretário enfatizou a legalidade da medida, mas ressaltou o não cumprimento, pela empresa, de outras obrigações. “O fechamento da ZAS é um imperativo legal, exigido por lei, e está dentro da ação civil pública. Então, a Defesa Civil deve seguir e cumprir esse imperativo. Só que, desde o início do ano, quando nós assumimos a secretaria, a gente tem conduzido todas as ações de intervenção em diálogo constante com a comunidade. E aí, o que aconteceu? A Vale anunciou, no mesmo dia, uma hora antes, e logo em seguida começou a fazer o fechamento, a despeito da orientação da Defesa Civil Municipal, que sempre orientou que toda ação no território deve ser comunicada antecipadamente e discutida com a comunidade, ainda que tenha o imperativo legal. E aí, por conta dessa intervenção, e obviamente a tensão provocada no território, destacadamente por conta de uma situação de fechamento das ruas onde têm as casas de bombas de captação de água que abastece o bairro, a Defesa Civil orientou e mandou que se paralisasse o fechamento, até que se discutisse isso com a comunidade as medidas alternativas”, declarou.
A situação tensa foi criada, nas palavras de Juscelino, porque a ação da Vale iria prejudicar seriamente os moradores desses locais, inclusive colocando em risco seu direito de abastecimento de água portável. “Por exemplo, como é que eles iam chegar ‘pra’ dar manutenção nas casas de bombas que abastecem o bairro com água potável. Então nós determinamos a paralização da medida de fechamento, até que se discutisse isso”.
Segundo Juscelino, a Vale não respeitou a orientação da Defesa Civil de Ouro Preto e apresentou queixa ao Ministério Público, que foi prontamente respondida e justificada por sua secretaria. “Só que aí, o que a empresa fez? A empresa foi chorar com o Ministério Público, e reclamou com o Ministério Público que a Defesa Civil havia mandado parar. E o Ministério Público me mandou aqui uma requisição, solicitando explicações dos motivos que a Defesa Civil mandou parar. Obviamente nós respondemos, e isso que eu ‘tô’ te explicando eu expliquei ‘pra’ eles, para o Ministério Público. Que em função da não comunicação, em função do fechamento de ruas que são essenciais para a sobrevivência dos moradores, em função deles [Vale] não apresentarem um esquema de limpeza das casas, de manutenção das casas evacuadas, de cronograma de negociação de uma passagem alternativa para que as pessoas saiam fora dos 6km da MG-129, em função de tudo isso e em função da não indicação da empresa dessas ações alternativas, nós pedimos a paralização até que se discuta com a comunidade”, declarou o secretário, informando sobre o agendamento de uma reunião, a ser realizada provavelmente na próxima semana. “Vamos ter, na semana que vem, uma reunião, para que a gente possa conversar com a comunidade, com as lideranças, sobre essa situação”, finalizou Juscelino Gonçalves.